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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Cortes sem costura...

Conheço-a há vinte e cinco anos. É uma mulher modesta. Tem hoje 78 anos e continua a trabalhar com o gosto com que fez toda a vida. Perdeu o marido há doze anos. Era taxista e o salário que trazia para casa era aconchegado com o rendimento do trabalho de modista da mulher. Desde muito jovem aprendeu o ofício de alfaiate e rapidamente percebeu o jeito que tinha para ambicionar ser modista. E assim foi, reservou duas divisões da sua modesta casa para costurar e receber as clientes.
A Antonieta vive sozinha, não tem filhos e tem a família longe. Hoje com a sua avançada idade continua a trabalhar com vigor, porque as mãos, apesar da artrose, não a deixam parar, e porque a pequena pensão que recebe da segurança social não lhe deixa outra hipóteses que não seja continuar. Não lhe ocorre a possibilidade de parar, de regressar à sua terra e aí aguardar a passagem do tempo. Costuma dizer que parar é morrer.
Claro que com o passar dos anos algumas maleitas físicas foram surgindo, queda de cabelo, perda de audição, reumático, artrose e perda de visão.
Da última vez que estive com ela, estava entristecida e preocupada. Dirigiu-se ao centro de saúde, como sempre fez, para marcar uma consulta de oftalmologia. Qual não é o seu espanto, a dita consulta foi-lhe marcada para Junho de 2012. Sim, para daqui a cerca de seis meses. Aflita, insistiu na necessidade de ser vista devido a um agravamento de perda de visão. A resposta foi categórica, o serviço estava a cumprir orientações superiores, o caso dela não era urgente, a lista de espera era grande.
O medo e a solidão apoderaram-se dela. Sem vista não pode continuar a trabalhar para as suas clientes. Pela primeira vez falou-me da injustiça do país em que vive. Lembrou-se da sua idade, de uma vida que vai para 60 anos de trabalho, afinal já era tempo de descansar e de contar com o apoio social que sempre poupou ao Estado. Afinal, há para aí tanta gente que não quer trabalhar, que vive à custa de subsídios. A Antonieta tem toda a razão. Agora só lhe resta consultar um médico privado e pagar do seu magro bolso a consulta que “quem manda” lhe negou. É o Estado a demitir-se de intervir nos domínios em que a sua intervenção deveria ser obrigatória. Quantas Antonietas são tratadas assim…

Demonstremos nosso patriotismo, investindo em dívida pública?

1.Enquanto em Portugal se continua a discutir o sexo dos anjos – agora numa nova versão, tão popular como pueril, competindo para saber quem é capaz de dizer coisas “mais feias” dos líderes europeus – vai por essa Europa um movimento curioso, com aflorações dignas de registo em Itália, Bélgica e Espanha, dirigido ao investimento em dívida pública nacional como manifestação de patriotismo...
2.A edição de ontem do F. Times fazia-se eco desses movimentos, parecendo-me um tema bastante curioso para trazer até ao 4R: talvez possamos lançar a partir daqui, quem sabe, um movimento de investidores patrióticos de tipo semelhante, apesar de ter de reconhecer que as condições no nosso caso são bem mais adversas...
3....Depois da brutalidade com que foram tratados pelo Governo anterior os detentores de Certificados de Aforro – situação que se mantém inalterada, note-se... – e da decisão ontem tomada na AR de voltar a penalizar os rendimentos dos investidores com o agravamento da taxa liberatória incidente sobre os juros pagos pelas obrigações (e pior ainda, dos dividendos), uma decisão erradíssima, do meu ponto de vista, que espero poder explicar em próximo Post...
4.Começando pela Itália, ocorreram esta semana, 2ª e 3ª Feira, dois dias especiais de “bond-buying” em que os bancos e outras instituições financeiras aceitaram ordens de compra de dívida pública nacional sem cobrarem quaisquer comissões aos clientes.
As notícias sugerem que a iniciativa teve algum sucesso, com os investidores atraídos pela elevada taxa de remuneração que a dívida italiana oferecia em mercado secundário: 7,2%/ano, no prazo de 2 anos...
5.No caso de Itália a iniciativa partiu de um cidadão da Tuscania, Giuliano Melani, tendo merecido apoio da Associação Italiana de Bancos que obteve dos seus membros grande adesão para os 2 dias de vendas de dívida pública sem comissões!
6.Em Espanha e na Bélgica estão também em curso campanhas com idêntica finalidade – suscitar o patriotismo dos cidadãos para a compra de dívida pública – no caso de Espanha com uma forte campanha publicitária sob o lema “Eu prefiro a dívida pública” e na Bélgica foi o próprio 1º Ministro do governo provisório, Yves Leterme, que declarou publicamente ter comprado obrigações do Tesouro para aplicação das suas poupanças, incitando os cidadãos a seguirem-lhe o exemplo...
7. E em Portugal? Não quererá o Senhor Presidente da República, que tem mostrado tanta sensibilidade para estes temas nacionais, liderar ele próprio essa campanha? Podendo dispor, se assim entender, do apoio técnico e de marketing do 4R...
8.Creio que, apesar das “caneladas” que os aforradores têm sofrido por parte de governos que mostram a maior dificuldade em entender a real natureza dos problemas económicos do País – ou talvez mesmo por causa dessas ofensas – em Portugal também poderia fazer sentido uma campanha semelhante...
9.Vamos a isso?

Quem semeia ventos...

Ao meu lado duas senhoras de meia-idade comentam acaloradamente notícia de primeira página sobre o ministro que andava de vespa que se deixou seduzir pelo conforto de um carrão de luxo. Viram-se para mim quando um delas grita: "Uns hipócritas! São o que todos são. Uns hipócritas!".
Tinha nessa manhã ouvido o desmentido indignadíssimo do gabinete do ministro, amplamente difundido pela Cibéria via facebook e blogues: que não, que não foi o ministro que pediu a viatura, que a coisa já estava pedida pelo antecessor, que se limitou a recebê-la da central de compras do Estado em substituição da que lhe fora destinada, a qual, como os iogurtes, tinha já passado de prazo e ameaçava envenenar.
Pois tal desmentido não se substituiu à notícia bombástica da troca da vespa pelo carrão. Como era, aliás, previsível. O episódio, em si mesmo, não vale um caracol. A não ser para provar que medidas que se tomam (como a de proibir gravatas para poupar energia) ou imagens que se querem passar (chegar de vespa ao conselho de ministros) colhem a simpatia dos gestos populistas. Mas como todos os populismos e demagogias viram-se mais cedo que tarde contra quem as utiliza. Recorda-se o desmentido e a indignação dos apaniguados e não há como não perguntar: mas quem semeia estes ventos pode indignar-se pela tempestade?

Vão pró raio que vos parta!

Em 2009 esqueci-me de pagar o imposto único de circulação. Quando me lembrei já estava em 2010. Entrei no site das Finanças e descarreguei o documento para pagar. O documento saiu com a respectiva referência para pagamento. Sem mais nada, não tinha coima, o que me surpreendeu, Fui pagar e a máquina aceitou. Vá lá, não me penalizaram, pensei. Pensei mal, porque ontem recebi uma carta registada das Finanças a dizer que tinha de pagar uma coima de 15 euros pela minha falta. Está bem. Em cinco minutos, e através da net, paguei o meu crimezito. Pela primeira vez na vida fui vítima da acção fiscalizadora das Finanças, que, com o seu longo braço, apanha os contribuintes faltosos. Não estou incomodado com o funcionário que com um simples toque de um dedo conseguiu cruzar as informações obrigando-me a pagar os quinze euros, penso que é a coima mínima. Simpáticos, estes funcionários que com um simples toque conseguem apanhar os infratores. Não foi preciso, pelos vistos, fazer grande esforço. O que eu não compreendo é como os mesmos funcionários, ou seja, a todo-poderosa Finanças, não conseguem cobrar centenas de milhões de euros que muitos cidadãos devem ao fisco, para não falar dos que impunemente não pagam um centavo, quando deveriam pagar milhares, dezenas de milhar, centenas de milhar, mas para que conseguissem isso teriam de ter muito trabalho. Estou a pensar neste momento como é que poderia aplicar uma coima séria, não de 15 euros, aos que não conseguem cobrar os impostos devidos. Não seria altura de obrigá-los, os tipos das Finanças, a terem de receber coimas pelo não cumprimentos das suas obrigações e deveres? Sim, penso que é correto, porque os que cumprem, mesmo com um eventual atraso, não escapam ao seu longo, pesado e mesquinho braço.
Apetece-me dizer: Vão pró raio que vos parta!

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Ai o verbo!

"Senti-me numa zona cinzenta, entre a inteligência e a consciência de meses a negar uma postura inversa e as circunstâncias descritas levaram-se a votar de acordo com o que foi o meu verbo durante meses", justificou-se, em jeito de pedido de desculpas ao secretário-geral Seguro, a ainda deputada socialista Isabel Moreira que votou ontem ao lado do PCP e do BE contra disposições do Orçamento de Estado e contra a abstenção do PS.
A senhora deputada, a quem os media alçaram à condição de grande constitucionalista, sofre assim de confessada doença, de resto muito comum entre os gurus novos da política que rapidamente passam a estrelas cadentes: dividida entre a inteligência e a consciência cedeu ao verbo a mais. Se não fosse o seu "verbo durante meses" poderia, com inteligência e sem violentar a sua consciência, votar ao lado da sua bancada na mais pura claridade e coerência, a favor do orçamento como prometia o seu secretário-geral, ou abstendo-se de o aprovar como reclamou a maioria da sua bancada.
A ida ao "Perdoa-me!" protagonizada pela deputada poupou-nos, todavia, àquela tão costumeira quanto hipócrita ladainha de que o partido é plural, que a sua força é a diversidade de opiniões ou que faz parte do seu património genético existirem posições políticas diferentes e união no essencial. É que desta vez seria necessário explicar o que nunca foi preciso fazer perante a rebeldia de Alegre ou de Cravinho: que a votação de disposições do Orçamento do Estado que foram o cavalo de batalha do secretário-geral do partido é pouca coisa para efeitos de disciplina de voto...

Estado unitário e corporativo

No II República, as corporações eram representados na Câmara Corporativa.


Na III República, as corporações são representadas na câmara televisiva. Mais precisamente, nas câmaras televisivas, todos os dias e a toda a hora.

Patrocinando interesses particulares, arrogam-se a representação dos interesses gerais. Proclamam normas de governação, regras de conduta, subida ou baixa de impostos, criticam as opções orçamentais e toda e cada decisão ministerial, têm na manga a solução mágica de saída da crise, com mais subsídios e mais despesa pública. Para as corporações, o governo só bom se lhes prestar vassalagem, deixando de o ser no momento seguinte. Anunciando continuamente crises e desastres, aparecem sempre de mão estendida à espera de benefícios públicos. Não olham o futuro, só querem reproduzir o passado. Não motivam os seus membros para a produção de riqueza, mas para a contestação primária.

E nesta tarefa conseguiram o alto patrocínio das televisões, ávidas de produto, por mais tóxico que apareça. Porque é preciso encher chouriços de horas de emissão. A expressão do voto popular e democrático já pouco vale perante o poder corporativo.

Decretou solenemente a III República a extinção das corporações. Por ironia, e passo a passo, vem promovendo o seu apogeu.


O que faltará ainda "combater"?

Ontem as televisões e jornais deram grande destaque à novidade: poderá ter que ser criada uma nova taxa, a taxa de entrada em Lisboa, para combater a poluição na cidade. Seria assim o trio maravilha, cumprimos as metas europeias e a cidade fica limpinha como o ar do Caramulo, os turistas, encantados com esta novidade, afluirão aos magotes às lojas e monumentos respirando a plenos pulmões e, claro, a Câmara de Lisboa arrecada umas receitas que talvez compensem o facto de o previsto aumento das taxas de IMI ter sido bloqueado na Assembleia Municipal.
Não deixa de impressionar o argumento da poluição, posto em cima da mesa agora no contexto de um novo plano para combater as alterações climáticas. Há tempos, um vereador da Câmara de Lisboa avançava com a ideia, mas associando-a à enorme vantagem de uns milhões de receita adicional. Agora, os decisores terão concluído que já está esgotada a paciência para mais urgências orçamentais, a do Estado, a das empresas públicas, a das Câmaras. É preciso um argumento melhor, venha então a urgência do combate à poluição, quem se atreverá a contestar tão nobre desígnio, sobretudo se invocada a “ambição europeia” de cortes drásticos nas emissões de carbono? Um combate urgente, pois claro. A acrescentar ao combate à dívida, ao combate ao défice orçamental, ao combate à dimensão do Estado, ao combate à falência do sector dos transportes, ao combate aos privilégios dos que ainda não estão no desemprego, ao combate ao desemprego, ao combate aos salários elevados, ao combate aos salários baixos, ao combate aos ricos, ao combate pelo apoio aos pobres. E podíamos acrescentar muitas mais frentes de combate activo, é só ouvir telejornais durante cinco minutos. Apesar da redução do número de automóveis provocada pela crise, confrontam-se agora os exércitos pagantes com a urgência de mais esta frente de luta, a da poluição nas cidades, pedindo-se-lhes a bravura de pagarem ainda mais. Haverá ainda alguma coisa que falte "combater" com novas taxas?

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Agradar a robots, segundo Patrick Viveret

Em entrevista recente Patrick Viveret, filósofo e autor de várias obras, a última das quais “Reconsiderer la Richesse” acaba de ser publicada, reflecte sobre a actual crise e considera que a paz e a democracia estão ameaçadas.
Depois de elaborar sobre algumas formas teoricamente possíveis para impedir a especulação financeira, Viveret refere-se à destituição de Governos eleitos, na Grécia e em Itália, por pressão dos mercados. Considera que esta forma de “tranquilizar os mercados” é ao mesmo tempo ineficaz e perigosa, porque não tolera duas componentes essenciais do funcionamento democrático: o tempo, por um lado, a pluralidade e a divergência, por outro.
Esta lógica financeira ameaça, assim, os valores cardeais sobre os quais se construiu a Europa, a democracia e a paz, ameaça esta que é muito mais grave que a ameaça da dívida financeira.
Considera que a nomeação de Monti a um domingo, para acalmar a abertura dos mercados no dia seguinte não faz sentido, uma vez que estamos a tentar dialogar com autómatos, porque a maioria das transacções financeiras mundiais são hoje programadas e geridas ao segundo, ou ao nanosegundo, por robots (trading algorítimico) e o tempo democrático nunca é suficientemente rápido para eles. Dizemos “acalmar os mercados” porque ninguém acreditaria se disséssemos “acalmar os robots”, daí esta “novilíngua do jargão financeiro que, pela sua opacidade, tem um papel estruturante na negação da democracia”.
É preciso que as pessoas percebam quem se trata de “convencer” e a importância destes autómatos na “psicose maníaco-depressiva” em que se encontram os financeiros uma vez que, como dizia o Wall Street Journal em 1987, os mercados só conhecem dois sentimentos: o pânico e a euforia, constituindo hoje um problema de saúde internacional.
Já quanto à pluralidade de orientações e à gestão dinâmica das divergências, inerente à democracia, os mercados não a suportam, porque a sua lógica financeira vive de regras de ouro e de governos de união nacional dirigidos por tecnocratas. Citando Paul Krugman, Viveret diz que os programas de austeridade seguem a lógica sacrificial dos Maias que, baseados em puras crenças, tentavam apaziguar os deuses com sacrifícios humanos, hoje traduzidos em destruição de riqueza real e humana, pressionados para irmos sempre mais e mais longe nos sacrifícios e que, tal como com os Maias, não impedirão o afundamento.
Viveret considera que esta lógica sacrificial, levada longe demais, porá em causa não só a democracia mas também a paz, porque uma economia autónoma da política e da ética cria formas de guerra interiores, os germes da revolta social, mas também de guerras internacionais, porque a melhor forma de canalizar essas revoltas é construir inimigos, internos, como em tempos foram os judeus, ou externos, provocando conflitos graves. Segundo Patrick Viveret, as políticas económicas actuais são igualmente bombas ao retardador planetárias.

Is this really the end?


EVEN as the euro zone hurtles towards a crash, most people are assuming that, in the end, European leaders will do whatever it takes to save the single currency. That is because the consequences of the euro’s destruction are so catastrophic that no sensible policymaker could stand by and let it happen.
(...) This cannot go on for much longer. Without a dramatic change of heart by the ECB and by European leaders, the single currency could break up within weeks.
(...) Can anything be done to avert disaster? The answer is still yes, but the scale of action needed is growing even as the time to act is running out. The only institution that can provide immediate relief is the ECB. As the lender of last resort, it must do more to save the banks by offering unlimited liquidity for longer duration against a broader range of collateral. Even if the ECB rejects this logic for governments—wrongly, in our view—large-scale bond-buying is surely now justified by the ECB’s own narrow interpretation of prudent central banking. (...)

domingo, 27 de novembro de 2011

A crónica ilusão do "crescimento económico"...

1.Face à vaga de medidas de austeridade associadas ao OE/2012 e ao cumprimento dos objectivos consignados no Programa de Assistência Financeira (PAF), têm-se repetido os apelos ao “crescimento económico”: muitos comentadores e conhecidas figuras da política nacional clamam que não basta a austeridade, que “não nos podemos resignar ao empobrecimento”, que são indispensáveis “medidas” (sem nunca as especificar, certamente) que promovam o crescimento económico…
2.Na linguagem de veteranos dirigentes sindicais, esse apelo dirige-se à necessidade de “políticas alternativas” (?), que devem dar prioridade ao crescimento, rotulando as medidas de austeridade de opções de política neo-liberais…
3.Existe neste apelo ao “crescimento económico” uma miopia de análise que muito me impressiona pois foi exactamente essa obcecação pelo crescimento a qualquer custo que nos atirou para a situação catastrófica em que a economia portuguesa se encontra...mas parece que esta gente nunca mais aprende…
4.Foi a ideia “desvairada” de que para a economia crescer era necessário gastar, gastar sempre mais, à revelia de qualquer critério de racionalidade económica na escolha dos investimentos – atingindo níveis de grave delírio nos últimos 6 anos - que nos trouxe à situação de total asfixia financeira em que nos encontramos mergulhados…
5.Em consequência dessa política de “crescimento” totalmente irracional, a economia portuguesa não só não cresceu como se endividou a um ponto tal que agora ninguém nos dá crédito…e por isso carece, desesperadamente (é o termo) e sem perda de tempo de corrigir os desequilíbrios que acumulou e que, apesar das medidas já tomadas continuam a manifestar-se…
6.Para corrigir esses desequilíbrios – basicamente entre o que conseguimos produzir e o que gastamos – precisamos que as exportações (de bens e serviços) cresçam e que as importações diminuam ou pelo menos não aumentem…
7.Para que as exportações cresçam, é necessário, simultaneamente (i) produzir mais, o que requer investimento produtivo e (ii) que os mercados externos respondam, comprando mais daquilo que produzimos (por decreto não podemos obrigar os mercados externos a comprar-nos)…
8.Como não controlamos a variável exportações, temos de agir, sem perda de tempo dada a situação aflitiva em que nos encontramos, sobre a variável importações, contraindo a despesa, sobretudo a despesa de consumo, tanto público (com prioridadade) como privado. A única forma de conseguir isto chama-se, precisamente, “austeridade”…
9.Para tentar estimular o investimento e produzirmos mais e melhor, aquilo que ao Governo compete fazer – uma vez que infelizmente não conseguiu evitar os agravamentos de impostos sobre quem produz - é tornar muito mais eficientes os mercados de factores de produção (trabalho, em especial) e de produtos (com relevo para a introdução de maior concorrência em diversos sectores protegidos)…
10.Para além de melhorias importantes na provisão de serviços públicos, sendo o caso da Justiça o mais emblemático…
11.As medidas mencionadas nos 2 pontos anteriores são as famosas “medidas estruturais” do PAF, cujo desenvolvimento parece estar mais difícil mas que não poderão tardar muito…
12.Fora disto, os apelos ao “crescimento económico” não passam de uma crónica ilusão… mas são pior, pois confundem os cidadãos e ecoam como um trágico convite à repetição das loucuras que nos trouxeram até ao pesadelo que estamos a viver…

Abaixo o fado!


Fado português

De canção fascista a Património Imaterial da Humanidade!...

Ou de como a cretinicice e imbecilidade tantas vezes tomaram conta do país, como no PREC, em que era classificada de canção fascista. Mas também é esse o nosso fado!...

Nota: Por oportuníssima sugestão do nosso comentador Tonibler, vejam o quadro, ouvindo também o enorme Fado Malhoa http://www.youtube.com/watch?v=ZNCfktEU5L8

sábado, 26 de novembro de 2011

"Oásis"

A rotina dos sábados sofre de tempos a tempos alguns estremeções, por vezes violentas, que me leva a ruminar velhos acontecimentos ou a despertar para novos achados.
O sol estava muito bem disposto e convidou-me a sentar na esplanada oferecendo os seus deliciosos raios, que bem se esforçaram por aquecer-me. Peguei no jornal e comecei a navegar pelas páginas, mais à procura de algo que me interessasse do que preocupado com as habituais e esperadas notícias. Quando cheguei vi apenas um velho amigo sentado. Bom dia, Manel. Bom dia. Sentei-me virado para a ribeira. Passado algum tempo ouvi, nas minhas costas, uma pequena conversa. Alguém falava com o Manel. Morreu o Arlindo. O Arlindo? Qual Arlindo? O que tinha o café. Sobressaltei-me, fechei o jornal e pus-me a pensar nos "Arlindos" da terra. Será que é o Arlindo do Oásis? Virei-me e disparei, qual Arlindo? O Arlindo que tinha o café junto do rio, o do Oásis. Não me diga. Trabalhava em Aveiro. Eu sei, há muitos anos que não o vejo, muitos mesmo. O funeral foi ontem. Que idade é que ele tinha? Setenta e quatro. Pois deve ser isso deve. Continuámos a esticar a conversa, como é típico destes casos, enquanto que refazia mentalmente todo um percurso da adolescência durante o qual o meu amigo me marcou de forma particular. Tinha um café na estação, onde íamos ver a televisão em miúdo. Foi nesse café que aprendi a jogar bilhar, era um exímio jogador e ninguém conseguia derrotá-lo, a ponto de ele jogar sempre às três tabelas e os adversários bilhar simples. Ensinou-me muitos truques e técnicas. Adorava jogar com ele. Dava-me muitas vezes vinte tacadas de avanço em vinte e cinco e eu acabava por perder. Fazia palavras cruzadas e obrigava-me também a fazê-las, uma espécie de concurso, para ver quem acabava primeiro. Ele era sempre o primeiro. Tinha um gravador, o único da terra, com o qual abrilhantava pequenas festas e bailaricos. Sabia dançar muito bem. Tinha uma moto potente que andava sempre a montar e a desmontar. Quando me dava boleia para ir à vila ficava sem ar. Andava muito depressa, com segurança, mas eu não sentia grande prazer. Talvez fosse por isso que nunca gostei de motos. Agarra-te bem, ouviste? Nas curvas deixa-te ir, não faças nada que eu controlo tudo. Pois, pois, o pior é quando fazia um ângulo inferior a 45 graus e via os paralelos a aproximarem-se. Mais tarde mudou-se para junto da ponte onde havia um jardim mal cuidado. Pediu autorização e remodelou aquele espaço de árvores frondosas. Transformou-o num verdadeiro oásis onde construiu um pequeno e discreto estabelecimento. O Oásis foi o melhor e mais importante espaço de convívio da terra, permitindo, durante muitos anos, debater ideias, desfrutar festas, numa socialização única fazendo crescer os novos e deliciando os mais velhos. Discutia-se tudo em tertúlias mais ou menos espontâneas. Os grupos ansiavam pela chegada dos diferentes elementos. Os mais novos, apesar de serem, por vezes, objeto de escárnio, eram estimulados a associar-se às velhas e experimentadas raposas. Não havia assunto que não fosse passível de debate, havia apenas muito cuidado quando se tocava na política. O espaço era aberto, olhava-se para o lado, via-se que não havia desconhecidos, baixava-se mesmo assim a voz e falava-se por enigmas, com segundas e terceiras intenções, até porque nunca se sabia se algum dos presentes não poderia ser informador ou bufo. Todo o cuidado era pouco. Só havia desacatos quando era abordado o desporto, sobretudo o futebol. Perdiam as estribeiras. Cada um fechava-se no seu clube e era o momento de discussão a ponto de alguns desaparecerem durante dias e ficarem mesmo zangados. Com o Arlindo não se podia falar mal do Sporting. Ficava possesso. De elétrico passava quase para um estado convulsivo capaz de destruir o Oásis. Chiça! Até o Pinóquio, o cão malhado, desaparecia durante dias, não sei se era por causa do Sporting ou se era por medo do dono. Então, o Pinóquio desapareceu outra vez? Foi às cadelas. Hum! É certo que o cãozito deveria sofrer de satiríase canina, mas daí a desaparecer durante tantos dias. Depois voltava fazendo jus ao termo escanzelado.
As lembranças não ficam por aqui, ensinou-me a jogar xadrez, que ganhava a toda a gente, e a quem um dia comecei a impor empates, o que era para mim o equivalente a uma vitória. Meu Deus, passei o resto da manhã a recordar tantas coisas que aprendi naquele espaço, onde também me diverti em comunhão com muitas pessoas e com o rio Dão, o rio da minha infância e adolescência, enterrado pela albufeira que acabou por afogar o Oásis. Resta-me um pequenino oásis na minha memória onde me refugiei ao escrever este texto.
Morreu o Arlindo!

A função social da empresa, liderança e produtividade...

Devemos valorizar os bons exemplos. Não o fazer é uma perda de oportunidade para retirar alguns bons ensinamentos e corrigir visões, tantas vezes deturpadas, que temos ou nos fazem crer sobre coisas tão simples ou invulgares como, por exemplo, liderança e produtividade.
A Sicasal - uma empresa portuguesa dedicada à indústria e comércio de carnes - sofreu a semana passada um grande incêndio que destruiu a zona das instalações fabris, pondo em causa o emprego de 150 dos seus mais de 600 trabalhadores.
Perante a tragédia e o desespero que rapidamente tomou conta dos trabalhadores, a administração veio assegurar que ninguém seria despedido nem haveria perdas salariais para ninguém. Rapidamente os trabalhadores deitaram mãos à obra para ajudarem 24 horas por dia a Sicasal a retomar a produção o mais depressa possível, oferecendo-se para fazer os trabalhos necessários.
Este episódio mostra-nos que as empresas para além de serem centros económicos e de negócios têm uma função social importante a desempenhar. A melhor forma de assegurar que uma empresa tem sucesso económico é garantir que os trabalhadores estão em primeiro lugar. Sem pessoas empenhadas, motivadas, envolvidas nos objectivos e reconhecimento do seu valor as empresas são locais frágeis, em latente insatisfação. Este caso, também, nos revela como a liderança é importante para ganhar confiança e produtividade.
Depois de ler as notícias, fiquei com vontade de voltar a folhear alguns apontamentos que, ainda recentemente, recolhi numa conferência interessantíssima em que participei sobre liderança. Escolhi este:
If you want to build a ship, don’t drum up people to collect wood and don’t assign them tasks at work, but rather teach them to long for the endless immensity of the sea. (Antoine de Saint Exupery).

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

"Que o envelhecimento me faça esquecer estas tristezas..."

Os sinais de envelhecimento não são as rugas, a perda da elasticidade da pele, a luta pela recordação do nome de um amigo, as dores nas juntas, o cansaço, a perda de cabelo ou a rebeldia distópica das gorduras, enfim, tudo isto é natural e corre, de uma forma geral, devagar, devagarinho, para que possamos habituar-nos sem grandes sobressaltos ao anúncio do fim, temido umas vezes desejado outras tantas. Os verdadeiros sinais são a falta de pachorra, a intolerância crescente à mediocridade, a revolta contra a falsidade e a iniquidade e um sentimento nauseabundo despertado pela vigarice protagonizada por muitos.
A vigarice é altamente lucrativa para um certo número de pessoas ao sugar a riqueza e a boa vontade colectiva.
É incrível que a sociedade da cultura, sociedade fortemente mediatizada, não consiga por travão a tamanhos fenómenos causadores de angústias, de mal estar social e, até, mesmo de sofrimento físico. É horrível. De ano para ano aumenta a agressividade publicitária e a conivência de interesses económicos, em que vale tudo, desde chupar o tutano dos pobretanas a alienar o pouco juízo que reina por aí. Caiem como tordos ou como tralhões sequiosos das lagartas presas aos costilos. Ao fim do dia os predadores recolhem as mais valias de uma prática mais do que milenária, eterna, perene, abençoada pelo sol e pelos deuses. Quantos movimentos religiosos se regem por estas práticas? Tantos, negócio seguro. Quantos produtos alimentares são caracterizados por princípios saudáveis, mesmo que não o sejam? Tantos, negócio seguro. Quantas figuras da televisão conseguem vender a alma ao diabo, enriquecendo à custa do reconhecimento publico? Tantas, negócio seguro. Quanta publicidade enganosa em curso está a revelar-se perante a idiotia humana? Tanta, negócio seguro. Mas há mais, muita da política e da economia que se consome e se produz não são abandonadas ao acaso ou ao capricho de alguns, não, devem ser vistas num outro contexto como formas eloquentes de enganar o máximo número possível de pessoas, reduzidas muitas vezes para a esfera da cretinice, mesmo sem ser cretinas, antes pelo contrário. Mas são impotentes. Negócio mais do que seguro, seguríssimo, porque são os patetas que irão pagar as loucuras de quem governa. Colchão para as dores das costas? Negócio seguro. Extorsão praticada por encartados e, curiosamente, protegidos pela lei, negócio seguro. Estamos perante negócios seguros, e sempre dentro da lei, mesmo que à partida saibamos que são atentados à esperança e aos legítimos desejos dos cidadãos que acabam por ser canibalizados por quem sabe da poda. Para mim é talvez a mais grave da economia paralela. Ao encherem os bolsos esvaziam não só a carteira de muitos mas, também, o alimento da alma de quem se entrega confiante ao cuidado do próximo.
Ver certos programas televisivos provocam-me um mal estar profundo. Vejo frequentemente apresentadores(as) das televisões sem qualquer sentido ético, sem a mínima noção de responsabilidade, abusando do poder mediático que alcançaram e provocando apreensão ao promoverem "curandeiros" sem escrúpulos. Mais eficientes do que os camaleões, os mesmos mostram facetas de um pretenso humanismo ante situações pungentes e dramáticas. Deveria haver códigos de ética para essas pessoas, às tantas até há, mas esquecem-se naqueles momentos particulares, que não são raros, mas são lucrativos.
Cada vez deteto mais casos de vigarices encapotadas e travestidas de mil e uma formas, sinal de que devo estar a envelhecer rapidamente. Que fazer? Que o envelhecimento me faça esquecer estas tristezas...

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O grande especulador nacional

Dívida Pública Directa do Estado- Fonte: Instituto Gestão do Crédito Público
Março de 2005- 92,7 mil milhões
2005- 102 mil milhões
2006- 109 mil milhões
2007- 113 mil milhões
2008- 118 mil milhões
2009- 133 mil milhões
2010- 152 mil milhões
2011( 30 de Junho)- 172,4 mil milhões
Sócrates cometeu a proeza inimaginável de praticamente duplicar a dívida nos seus seis anos e três meses de governação. Aos 92,7 mil milhões que recebeu juntou mais 80 mil milhões, à razão de 10,6 mil milhões por ano!... E, para coroar a façanha, só nos últimos 25 meses do reinado, endividou-nos em mais cerca de 40 mil milhões!...Claro que teve que começar a pedir emprestado até para pagar os juros.
A especulação tem um nome e é nacional. Mas agora fazem as greves contra o governo e os especuladores internacionais!...

Já nem as palavras têm sentido! III

Greve Geral= Greve dos funcionários públicos= Greve de alguns funcionários públicos.
Geral= Alguns funcionários públicos

O particular tomado como geral. Quem não aderiu não existe. Neste país em crise, até as palavras deixaram de ter sentido.

Greve geral

Já nem as palavras têm sentido! II

As Centrais Sindicais, Carvalho da Silva e João Proença utilizam as televisões, rádios e jornais que não estão em greve para proclamar o êxito da greve geral!

Já não são as palavras que têm sentido. Já nada tem sentido neste movimento sindical.

"Tratamentos de inverno"!


Estou a ver um senhor, Pedro Choy, no programa da manhã da RTP1, com o comediante/apresentador Jorge Gabriel. Incrível. Como é possível usar este espaço público para publicitar práticas esquisitas de saúde. Estou enjoado. Tanta mistificação. Tanta asneira a coberto da televisão pública. Acabem com o programa, acabem com a RTP, é demais, não enganem as pessoas. Falta de ética, falta de sentido de responsabilidade, abuso do poder mediático.

As traduções da greve

Ouvi hoje alguém (não cheguei a perceber quem era) classificar esta greve de “estúpida” porque, no seu entender, não vale a pena protestar contra o que não tem remédio. E dava como exemplo a seguir um breve diálogo com um varredor de ruas que lhe teria dito, logo pela manhã, que não fazia greve porque tinha conseguido esse trabalho há dois meses, depois de um largo e aflitivo período de desemprego e que agora a sua única preocupação era não perder um único dia de salário. O tal comentador exultava com o caso, que assim é que era, este homem é que tinha compreendido a situação.
Discordo em absoluto desta análise, o tal homem é um exemplo do extremo desespero a que se pode chegar, não é a sensatez nem o conformismo que o detêm mas apenas o estado de absoluta necessidade. E é este sentimento de derrota que nos deve alertar. Em primeiro lugar, as greves não têm que ter uma “utilidade” imediata em termos de solução de problemas ou de alteração do rumo que causa descontentamento. As greves e outras iniciativas sindicais são uma forma legítima de expressão de um sentimento colectivo, por isso é tão importante apurar-se os níveis de adesão, os sectores mais afectados e o modo como as populações simpatizam ou não com a iniciativa. Parece-me, de resto, incrível, que se venha à liça considerar que as iniciativas de protesto devidamente organizadas e ordeiras são inúteis, ou prejudiciais, porque a situação que vivemos é absolutamente imperativa e não há forma de lhe fugir. Acho muito grave que se confronte abertamente as pessoas revoltadas com a total impotência da sua manifestação de vontade, ou da capacidade de agir daqueles a quem o clamor se dirige. Acho mesmo intolerável que se assuma que mais vale sofrer em silêncio porque tudo está determinado, a via única e indiscutível veio para ficar, por cá e em todo o lado, as regras são para aplicar tal e qual, sejam justas, sejam injustas, sejam lógicas ou sejam inconsequentes, “alguém” (que não nenhum de nós nem dos nossos representantes eleitos) zela pelo andamento das coisas e não há tempo nem paciência para ouvir protestos, a não ser o dos “mercados”, vagamente interpretáveis, porque esses, mesmo que impossíveis de prever e entender, doem de imediato.
É bastante evidente, para mim, que as pessoas têm plena consciência da gravidade da situação económica, e também acredito que não precisamos que se explique que não é com greves que se progride nesse campo, como se as pessoas fossem tolas e não soubessem isso. Mas é importante que as pessoas exprimam as suas angústias e o seu desespero de uma forma organizada e através das instituições próprias, as organizações sindicais, que não devem ser desvalorizadas mas sim respeitadas e ouvidas, sob pena de um dia qualquer o silêncio e a passividade, que hoje tantos consideram recomendáveis e atilados, explodirem de repente em tumultos sem que ninguém os consiga enfrentar.
A política não é só economia e a gestão das sociedades nem sempre obedece à lógica dos discursos racionais e do “tem que ser”. Em democracia, se é que ainda vale a pena não desistirmos dela, a expressão dos sentimentos não se esgota apenas no voto livre, ela exige um exercício permanente de diálogo para que se atenue o que for possível atenuar, mesmo que só valha pelo esforço. E, neste clima de inevitabilidade, todos os esforços são úteis, mesmo que não falem a mesma linguagem das equações orçamentais. Nem sempre o silêncio e a quietude são tranquilizadores, nas situações graves é essencial saber ouvir e saber traduzir.

Já nem as palavras têm sentido! I

Xtraordinária greve geral, na qual as televisões estão a passar a manhã, com grande afã, a reportar a greve que dizem geral!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O céu será de novo azul!...

Neste momento de crise, uma instituição se mantinha forte, vigorosa e vencedora, no país, na Europa e no mundo, capaz de dar alento e prodigalizando alegrias a muitos milhões de portugueses de gema: a eterna e sempre invicta equipa azul e branca!

Pois também agora a gloriosa instituição dá mostras de algum cansaço. Mas hoje, daqui a pouco, o facho será de novo erguido, e com bravura, coragem e trabalho, não escapará mais uma vitória retumbante na Ucrânia. Que alegrará os corações acabrunhados e indicará ao mundo que Portugal, se também assim lutar, estará no caminho da redenção!...

Nota: Não estou lá muito convencido...mas haja esperança!...

Greve geral: "à la recherche du temps perdu"? Já é tarde!

1.Recordo aqui um número que já citei em anterior Post: as Necessidades Brutas de Financiamento do Estado em 2012, equivalentes ao défice previsto + dívidas financeiras que se vencem ao longo do ano (o chamado “roll-over da dívida), totalizando perto de € 50 mil milhões, terão de ser cobertas em 61,5% pelos empréstimos concedidos pela Troika pois o estado não tem fontes alternativas de financiamento, estão todas cortadas...
2.A concessão desses empréstimos requer que as 4 avaliações do cumprimento do PAF agendadas para 2012 – Fevereiro, Maio, Agosto e Novembro – tenham um resultado positivo, se tal não acontecer o Estado português poderá entrar em incumprimento do serviço da dívida, arrastando consigo todo o sector público empresarial que depende dos seus apoios e tb o sector bancário...
3.Para que essa avaliação tenha um resultado positivo é indispensável que as medidas de contenção orçamental inscritas no EO/2012 sejam escrupulosamente cumpridas e tb que a realização das medidas de natureza estrutural prometidas no mesmo PAF sejam realizadas em grau satisfatório...
4.Pois bem, é contra o cumprimento das medidas previstas no PAF – tanto medidas de contenção orçamental como de natureza estrutural (privatizações em especial) - que a greve geral agendada para amanhã é justificada e promovida...
5.Não deixa de ser irónico e trágico ao mesmo tempo que os principais agentes da greve sejam os assalariados das empresas públicas cujo desmantelamento e agonia, em caso de incumprimento do condicionalismo a que o PAF nos obriga, estariam traçados...
6. Pois, impossibilitado de acudir financeiramente a todas as necessidades, ao Estado não caberia outra opção que não fosse suspender todos os apoios financeiros à CP, aos METROS de Lisboa e do Porto, à CARRIS, aos STCP, à SOFLUSA, à REFER, aos Hospitais Públicos etc,etc...
7.Privadas desses apoios, as empresas e Hospitais em causa entrariam em colapso total, deixando de pagar os salários, de assegurar a manutenção dos seus equipamentos, de pagar a fornecedores e aos bancos credores - sendo por consequência forçadas a uma paralisia da sua actividade por tempo indeterminado...até irem a leilão por qualquer preço...
8.Analisada por este prisma, esta greve geral não tem outro móbil que não seja satisfazer as premissas ideológicas dos dirigentes sindicais que enquadram os assalariados do sector público, permitindo a estes alimentar um sonho falso de que existem “políticas alternativas” (cuidado para não ter de as especificar) radicalmente distintas das que estão em curso, políticas que “apontem ao crescimento e não à recessão”, como tão bem sabem enunciar sem saber como fazer...
9.Há dias perguntei por curiosidade a um jovem empregado do El Corte Ingles em Lisboa como é que iria ser no dia da greve geral; a resposta não poderia ser mais esclarecedora: “no dia da greve vimos todos trabalhar, só não virão aqueles que ficarem privados de meio de transporte, mas não serão muitos...a greve é só para quem não precisa de trabalhar!”...
10.Do Dr. M. Soares que apoia moralmente e dos dirigentes sindicais que comandam a operação grevista, bem se pode dizer que andaram a dormir durante pelo menos 6 anos (mais, seguramente) - acordando agora estremunhados, lançando-se “à la recherche du temps perdu”...mas agora é tarde! Deveriam ter acordado há muito mais tempo e não ter embarcado nas fantasias que nos conduziram a esta situação...

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Dúvida metódica

O Procurador-Geral da República acabou de nomear inspector para averiguar responsabilidades em eventuais fugas de informação nas buscas da semana passada a Duarte Lima, Pedro Lima, Vitor Raposo e a dois outros advogados.

SIC Notícias/Sapo

O nosso PGR é um cartesiano. E cultiva a dúvida metódica até à exaustão.

Mas, felizmente, nada disso! A informação é que comunicou aos agentes da justiça que já lá podiam ir!...

Será que é desta?

Até parece que é a primeira vez que há fugas de informação e espectáculos mediáticos de operações judiciais. Mas o problema não é apenas da mediatização das buscas e detenções. É o rastilho para o que se segue, o julgamento público e o desrespeito pelo funcionamento da justiça.
Aguardemos para ver - se até lá não cair no esquecimento - se o inquérito determinado pelo Procurador ao caso Duarte Lima não acaba como os outros, sem resultados. É que, segundo a notícia, o Procurador notou no anúncio da decisão que são "raros" os inquéritos desta natureza que produzem resultados. Fica a ideia de que faltou dizer mais alguma coisa. É que se há essa constatação então fica a pergunta sobre o que foi feito para que a culpa não morra solteira...

Mata e esfola

Nós por cá é assim, ou bem que achamos que tudo o que se gasta é pouco, ou bem que tudo o que mexe é mal gasto. Ora, nem uma atitude nem a outra nos levarão a bom porto, porque nem se deve gastar no que não vale nem se deve poupar no que pode render. Vem isto a propósito do coro escandalizado que se levantou contra os gastos previstos na Madeira com as iluminações e decorações de Natal. O euro tem destas coisas, vai tudo dar milhões ou milhares e soa sempre aos milhões e milhares que havia “dantes”, o equívoco é alimentado de propósito e tanto basta para se arrepelar os cabelos. A fórmula que está a dar é atirar um número para cima da mesa, acrescentar-lhe “obsceno”, “milionário”, “dourado” ou “privilegiado” e logo se clama aos céus por justiça. Mata e esfola há para todos os gostos, sem olhar a consequências.


Três milhões de euros é, por muitos, considerado um valor “obsceno” e a prova provada de que aquilo na Madeira é tudo um disparate de despesa deitada à rua. É claro que ninguém faz notar que o Natal e o fim de Ano na Madeira são uma inestimável fonte de receitas de turismo, é um ex libris que compete de pleno direito com os melhores destinos nessa época, sempre gostaria de saber o que fariam os turistas se soubessem que não se achou necessário preparar a ilha, como de costume, para os receber em festa. Quanto custaria em quebra do turismo a falta de iluminações ou de fogo de artifício no fim do ano? Não estamos em tempo de luxos? Pois não. Por isso mesmo não nos podemos dar ao luxo de confundir despesa com investimento, ainda por cima num sector tão competitivo como é o turismo. Mas pensar nisso dá muito mais trabalho do que falar em milhões e pronto.

"Deixa de jogar aos dados!"

Ia fazer quatro anos, um menino lindo, cabelos dourados, lábios rosados, olhar divertido, língua já atrevidota, léxico tipo salada com palavras próprias, originais, que nunca irão fazer parte do idioma que o acolheu, mas que ficarão a perdurar na mente e nos corações de quem teve oportunidade de o ter como um novo sol que não foi a tempo de aquecer a humanidade. Um dia o sol não acordou e o mundo ficou privado de um linda estrela. Tinha adoecido. Os esforços dos familiares e amigos foram em vão. Ainda tentaram criar uma onda de solidariedade, que ondulou um pouco, embora sem crista, apagando-se na areia do esquecimento.
A forma como a solidariedade humana se manifesta é muito interessante. Ela existe, mas precisa de ser estimulada, precisa de publicidade, de "marketing"(?), que palavra tão estranha para abordar num pequeno texto. Não há volta a dar, as grandes manifestações de solidariedade são previsíveis, quando se centram em redor de uma figura pública e são mais comezinhas nos outros casos. Os seres humanos são muito esquisitos. Emocionam-se sempre com a doença de uma criança ou com uma catástrofe colectiva, mas "ignoram" ou "distraem-se" com tragédias discretas ou pequenos dramas infantis que circulam como folhas de outono, caem, são pisadas e passam a alimentar o esquecimento dos vivos. Talvez se apercebam desta aparente incongruência, e rematam muito bem, se não ajudar este menino pode ser que outros possam beneficiar desta onda.
Relativamente à onda de solidariedade e de generosidade que está em curso apetece-me dizer: Deus queira que o menino, mais um menino sol, consiga encontrar um dador. Mas será que Ele quer? A lotaria imunológica é uma realidade inquestionável, havendo por vezes alguém que é compatível com as necessidades do doente. Lotaria, jogo, mais duas palavras que não queria utilizar e ainda por cima associadas a Deus. Nunca acreditei na célebre frase segundo a qual "Deus não joga aos dados". Não joga? Joga pois, deve ser mesmo viciado no jogo, a única forma que deve ter encontrado para se entreter na eternidade, essa substância de que deve ser feito, olhando para este pobre e desgarrado planeta como se fosse uma espécie de pano verde em que as crianças são utilizadas como dados. Joga e não faz batota, mas deveria fazer, sobretudo quando está em jogo a vida de um menino sol que corre o risco de apagar-se antes de ter a oportunidade de aquecer a humanidade. Sempre calado e sempre indiferente à dor e ao sofrimento, resta-nos apenas os homens e as mulheres de boa-vontade que não se vergam e não se entretêm a jogar.
Deixa de jogar aos dados!

domingo, 20 de novembro de 2011

Justiça: a única alternativa

"...Alguns magistrados do Ministério Público é assim que gostam que as coisas aconteçam. Incapazes de produzir prova irrefutável, não desarmam. Para eles a maior prova é a sua própria convicção. Não serve em tribunal, mas serve-lhes a eles...
...Perder soberania para os funcionários de 7.ª linha da troika é coisa pouca comparada com esta prepotência de uns quantos senhores da justiça em relação a todos os portugueses. Prefiro ouvir os disparates dos funcionários da troika, mesmo quando eles se metem onde não são chamados,
do que ver milhões de portugueses acreditarem que podem julgar alguém com base no circo a que assistem nos órgãos de comunicação social...
... Eu não quero cidadãos do meu país com a opção de serem condenados, por serem poderosos, na praça pública ou nos tribunais.
A única alternativa que pode haver é a de serem condenados porque se prova a sua culpa ou inocentados porque não se prova a sua culpa..."
Paulo Baldaia, no DN de hoje

Coisa de especuladores e do capital financeiro...

"...Por vezes no estaleiro da empresa M&M, SA, há trabalho. Surge uma encomenda para a construção de algum yate ou ferry-boat e nunca faltam candidatos (isto é, trabalhadores) que aceitem as condições. Mas só até entrarem nas instalações, sem convite, os homens dos Sindicatos. Chegam, em grande algazarra, e mandam parar tudo...".

Paulo Moura, in Nos Estaleiros de Perama..., reportagem da Grécia, Público de 19 de Novembro

"...É uma pessoa particular que quis aquele barco. Eu fiz-lhe um orçamento e um prazo e ela aceitou. Mal começámos, os Sindicatos mandaram parar....Apresentaram uma lista de condições: salários elevadíssimos e um máximo de 6 horas por dia de trabalho...O cliente cancelou o contrato..."

Dimitris, dono do estaleiro, citado por Paulo Moura

Assim vão as coisas, na Grécia. Coisa de especuladores e do nefando capital financeiro internacional...

Poupança, um motor de mudança...

Foi recentemente publicado um estudo sobre "A Poupança em Portugal", da autoria do Professor Fernando Alexandre da Universidade do Minho. É um estudo muito interessante que, por um lado, faz uma viagem no tempo sobre o enquadramento macroeconómico da poupança em Portugal e, por outro lado, evidencia os impactos negativos que as políticas públicas das últimas décadas - designadamente as políticas orçamentais - induziram nos comportamentos das famílias e das empresas, incentivando-as a consumirem e a recorrerem ao crédito e a não pouparem, a começar pelo exemplo do próprio Estado.
As baixas taxas de poupança da economia portuguesa são simultaneamente causa e efeito da crise financeira que estamos a atravessar. O contexto de grande incerteza da crise em que estamos mergulhados e as dificuldades de financiamento nos mercados internacionais tornam o financiamento do investimento produtivo - essencial para a recuperação do crescimento económico - muito dependente da poupança nacional.
Com um Estado falido, a indução à poupança não poderá vir de benefícios e incentivos fiscais. O próprio Estudo levanta, aliás, a dúvida sobre o impacto positivo destas medidas fiscais no aumento da poupança, colocando mais em evidência o seu efeito na redistribuição da poupança entre instrumentos financeiros.
De entre várias hipóteses adiantadas, o Estudo chama a atenção para o impacto negativo na poupança do desenvolvimento do Estado Social, que ao promover o acesso gratuito e universal à educação e à saúde e ao garantir um sistema de pensões assente num sistema de repartição transmite às pessoas o sinal errado de que não têm que se preocupar com o seu futuro.
Com efeito, “Quando não se consegue avaliar devidamente as consequências de um consumo excessivo no presente, o indivíduo está a pôr em causa a sua capacidade de consumo futuro, facto de que se arrependerá mais tarde. Suspeitando dessa possibilidade (…) os Estados adoptam uma atitude "paternalista” perante os seus cidadãos e obrigam-nos a “poupar" via contribuições para o sistema de Segurança Social”.
É que no caso português não existe verdadeira poupança, apenas se verifica uma transferência entre pessoas – trabalhadores e reformados – mediada pelo Estado. O nosso sistema de Segurança Social não incentiva a poupança, pois elimina a necessidade de as pessoas pouparem para precaver o futuro, convencidas que o Estado gere bem as suas contribuições e lhes garantirá a reforma.
É por isso que os governos têm a responsabilidade de informar e explicar às pessoas que o sistema de Segurança Social não tem como lhes garantir as pensões prometidas. Já por várias vezes o Estado quebrou os contratos sociais existentes, fazendo reformas como a de 2007 que provoca reduções muito significativas nas pensões que podem chegar aos 54%.
As pessoas estando informadas sobre os problemas e as incertezas estarão mais conscientes da necessidade de acautelarem elas próprias o seu futuro, poupando, no caso concreto poupando para a reforma, e estarão mais interessadas em que parte dessa poupança não continue a ser entregue a um sistema público que não tem como assegurar o pagamento das pensões prometidas.

sábado, 19 de novembro de 2011

Um, dois, três...e o céu deixou de ser azul!...

Um, dois, trêsfoi a conta que deus fez! Estava nos astros, mas aconteceu que o papa não conseguiu desta vez antever o cruel destino que muitos há muito profetizavam!...
Confiando cegamente no mal preparado cardeal que em Julho promoveu, devido à fuga de um outro para terra de protestantes, o papa tem sido mais paciente …muito mais paciente, pois já leva cinco a contar...***

Entretanto, o povo ergue os olhos ao céu e clama a substituição do cardeal, por só lhe ver enormes e graves defeitos. E não entende que o papa lhe mantenha a virtude, abandonando assim o seu povo às injúrias e ao gozo dos povos infiéis.
Mesmo exibindo e publicamente acarinhando os novos troféus que, ano a ano, foi coleccionando, o papa sempre se preocupou com o futuro do reino e sempre soube escolher os chefes que lhe dessem a maior glória.
Mas o povo agora teme que o papa, assoberbado com a gestão da última cidadela conquistada, esteja a descurar vitórias futuras.
Já esvoaçam lenços brancos e vão rufando os tambores. Bem alto, pois não há tempo a perder. ***(Zenit (1-3), Apoel (1-1), Apoel (1-2), Olhanense (0-0), Académica (0-3)

Académica...


Não é por nada, mas às vezes é preciso. Sabe bem. Não é que a vida se altere muito, mas os pequenos também sabem ser grandes, logo podem vencer...

"Canção do ceguinho"

Ultimamente tenho sido agredido por imagens do passado. Uma delas remonta aos tempos de criança. Tinha ido visitar umas tias velhas no concelho vizinho. Como era "especialista" em andar de comboio, apesar da pouca idade, fui vê-las a conselho dos familiares e aproveitei para lanchar um valente pão de centeio barrado com manteiga deliciosa e beber uma caneca de café a fumegar, cujo aroma não consigo, e nem quero, libertar-me. Havia alturas, sobretudo durante o verão, em que uma delas, a mais simpática, e às escondidas, trocava o conteúdo negro pelo rosado "morangueiro", a outra nem se apercebia, e sempre acompanhado de um piscar de olho maroto, mas no inverno achava que seria mais conveniente atestar-me com o café de mistura.
Naquela tarde, cinzenta, triste, a prenunciar chuva e com a luz a fugir a grande velocidade, despedi-me para poder ir apanhar o comboio a apenas três centenas de metros, onde o meu tio era o chefe da estação. Não tinha receio, por esse motivo, de perder o comboio que me levaria até à estação vizinha onde morava. Calcorreei um caminho de cabras e, no momento em que cruzava com outro, vindo de um pequeno aglomerado de casas escondidas atrás de uns pinheiros, mesmo junto à via férrea, deparei-me com um casal. A mulher, cega, alta, magra, com uma sacola de pano ao ombro, como usavam os ardinas, empunhava com uma das mãos um bordão e na outra uma folha amarela como se estivesse a vender um jornal, cantava, acompanhada de um homem, mais novo, mais magro, mais baixo e mais escanzelado, a tocar acordeão. Olhei em volta para ver se havia alguém a assistir à cena, mas não. Aproximei-me e parei em frente dos dois cheio de curiosidade. A mulher entoava, com voz agradável, a "canção do ceguinho", declamando um drama ocorrido lá para o norte, em que o pai matou a filha por causa de amores. Empunhava a folha onde estava todo o drama, em verso, que qualquer um podia comprar. Não me recordo quanto custava. Lembro-me de procurar no bolso algumas moedas e vi que tinha o suficiente para adquirir a folha e levá-la a fim de me "deliciar" e fazer as delícias dos outros com uma tragédia real que andava a ser cantada pelas aldeias. Eu já sabia que em tempos havia pessoas que andavam de terra em terra a cantar dramas e episódios de "faca e alguidar". A minha avó contava muitos episódios desses que viu e ouviu em miúda, relatando-os com muita facilidade, alguns ainda em verso, o que lhes conferia uma sonoridade única. Foi a primeira e a única vez que assisti a tal cena. O progresso da comunicação, rádio, jornais e a recém nascida televisão substituíram esta forma de comunicar. Mesmo sendo mais requintadas, rápidas e acessíveis, as novas formas de informar mantinham vivas o desejo das pessoas em se deliciarem com o grotesco, com o trágico, com tudo o que fosse coscuvilhice. Não se conseguia descortinar mudanças de comportamento com as novas tecnologias, nem tão pouco com a aquisição de mais e melhor nível de cultura ou de instrução. Pelo contrário, a rapidez de transmissão das notícias deste jaez começou a originar uma verdadeira dependência trágico albarranista, obrigando à divulgação de tudo o que pudesse alimentar esse estranho sentimento, que nos caracteriza de forma ímpar, fome de tragédias alheias. A epidemia está instalada e não há meios de a conter. Agressiva, despudorada, parcial às vezes, insultuosa outras, incapaz de contribuir para a melhoria do comportamento humano, rola nos diferentes mundos da comunicação sem conseguir alcançar a estranha sonoridade e poesia das "canções do ceguinho". Quase que apostaria, que os equivalentes atuais dos protagonistas da "canção do ceguinho" o que pretendem é cegar-nos. E estão a conseguir!

Delícias de Outono



Hoje foi dia de ir ao mercado, logo pela manhãzinha, período em que se compram as coisas da terra mais frescas e apetitosas. Com um odor inebriante, tinham sido apanhados no nevoeiro da vinha, umas horas antes, aqueles magníficos "agasalhos". Oportunidade para um petisco de Outono, arroz de agasalhos com o incomparável salpicão de Lamego. Nada de mais apropriado para aquecer um dia frio e cinzento de Outono.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A nacionalização dos filhos

Em Esparta, as crianças eram retiradas à família e entregues à cidade-estado, que as educava e delas passava a cuidar. Os pais eram meros progenitores de soldados para a cidade-estado.
Há quem sempre tenha desejado trazer o modelo para Portugal. E ter um Estado que tome conta de tudo e de todos.
Hoje, é o Bloco a propor que a Escola substitua os pais no pequeno-almoço dos filhos. Amanhã, alguém proporá que durmam nas instalações escolares.
Só ficará a faltar a nacionalização. Por este andar, lá chegaremos.

"Equidade" na austeridade: "delírio" é para continuar?

1. Continuamos a assistir a uma torrente de comentários e de sugestões em torno da mítica ideia da "equidade" na distribuição dos sacrifícios para enfrentar a crise financeira do Estado e económica do País, pondo em confronto os assalariados dos sectores público e privado.
2. Ao mesmo tempo, todos os dias tombam dezenas de empresas na insolvência – com o inevitável cortejo de desempregados que essa dinâmica arrasta - e também dezenas de famílias são”acolhidas” a esse virtuoso instituto da insolvência, umas e outras por manifesta impossibilidade de satisfazerem os seus compromissos financeiros...
3. Curiosamente, porém, ospaladinos da “equidade” na repartição da austeridade, parecem não considerar essas situações como custos da austeridade...parece que os custos da austeridade se resumem aos cortes nos subsídios de férias e de Natal previstos para 2012 e 2013 - aquelas outras formas de padecimento económico e financeiro das famílias serão, ao que parece, simples produto de jogos de azar...
4. Curiosamente ainda, ninguém nesse universo considerável de promotores da "equidade" salarial, reparou que no imenso cortejo de insolvências empresariais a que há vários anos assistimos, lançando centenas de milhares de pessoas no desemprego e na emigração forçada, não existem empresas públicas estatais, regionais ou municipais...
5. Menos ainda reparam que do imenso cortejo de desempregados não fazem parte funcionários públicos ou de outras entidades públicas...isso é um pormenor irrelevante, ao que parece - para análise da temática "equidade" salarial, como acima referi, parece só contarem os cortes nos subsídios...
6.Tive esta semana oportunidade de me deslocar ao consulado geral de Angola em Lisboa, para cumprir a formalidade da obtenção de visto, uma vez que a presença do interessado, mesmo em vistos de curta duração como é o caso, passou agora a ser obrigatória...
7....E qual não foi o meu espanto ao deparar com muitas centenas de pessoas, distribuídas por dezenas de filas para outros tantos guichets de atendimento, todos tratando do visto para Angola, na maior parte dos casos vistos de trabalho...dizem-me que este cenário se repete todos os dias...
8.Serão portanto milhares de pessoas, residentes em Portugal, que todos os meses procuram encontrar trabalho...só em Angola...é este o triste País real, destes “privilegiados” que não estão sujeitos ao corte dos subsídios de férias e de Natal...pela simples razão de que não se pode cortar o que não existe !!
9.No entanto, os justiceiros não desarmam e insistem no delírio dos cortes no sector privado: agora é a vez do Sec. Geral do PS que, apesar de ser uma pessoa sensata (opinião minha), não raro parece sentir o dever oficioso de entrar, com afinco, no disparate geral: vem agora desafiar o PM a dizer se está contra ou a favor de cortes no sector privado...que grande oportunidade perdeu para estar calado!
10.Quando é que esta gente pára um pouco para pensar e não percebe que, em nome da equidade, está a propor a mais dura das iniquidades? Quantas centenas ou milhares de contemplados por esta forma de “equidade”, caso a ideia avançasse, iriam ser lançados no desemprego ou na emigração forçada nos próximos 12 meses? Ou este "delírio" é para continuar?
11. Nota metodológica: não incluo no conceito de sector privado, para efeitos desta “análise”, as empresas integradas em sectores protegidos, já referenciadas de resto pela própria Troika...certo que quanto a estas subsiste o problema jurídico de o Estado não poder decidir quanto às condições de trabalho dos seus colaboradores (mas há outras soluções para obter um desejado resultado orçamental)...

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A nostalgia do Terreiro de S. Domingos



Houve tempo em que os condenados seguiam acorrentados para o cadafalso ou para a fogueira, no trajecto eram injuriados e ofendidos, e a morte constituía espectáculo festivo para as multidões ululantes. Houve muito tempo desse, tempo de negação civilizacional.
Voltou-se a esse tempo. Com uma diferença. É que o mesmíssimo trajecto é agora percorrido por quem ainda não foi condenado e é presumível inocente, à face da lei, dos direitos humanos e da civilização.Com uma segunda diferença: é que já não é necessário ir ao Terreiro de S. Domingos assistir à fogueira do inquisidor. O espectáculo entra em directo na casa de todos nós. Uma informação ululante poupa o incómodo da deslocação.
Na traficância da informação tudo se tornou possível e natural: uns traficam a data e o local do espectáculo, outros traficam o melhor cenário, o melhor ângulo, os melhores figurantes e a melhor retórica para a comercialização. Selvajaria sem critério e em estado puro. Dos que querem voltar ao Terreiro de S. Domingos.

Dia péssimo para a Justiça

A Justiça saltou para as páginas dos jornais e para todos os canais de televisão durante esta semana, com o pico máximo no dia de hoje. Lamentavelmente, nenhuma das razões deste súbito despertar é de molde a tranquilizar as pessoas. Primeiro foi o espectáculo deprimente do Congresso da Ordem dos Advogados do qual, por muito interessantes que tenham sido as comunicações que possa ter havido, apenas sobressaiu a imensa crispação, - para ser branda -, entre a titular da pasta e o Bastonário da Ordem. Depois parece que se passou à intriga pessoal, com cunhados para cá e para lá, nomeações cheias de suspeições que afinal o que pretendem é expor a vida privada com a qual ninguém tem nada que ver. Infelizmente, não houve a frieza suficiente para dar ao desprezo tais insinuações e hoje, na entrevista à TVI, a titular da pasta não resistiu a entrar no dá cá toma lá que se estava mesmo a ver que ia acabar mal. Logo a seguir, uma alta representante da Ordem dos Advogados entrou a matar, atingindo o grau frígido do comportamento que esperamos de quem assume estes cargos, espraiando-se em detalhes da vida da ministra que nem numa conversa de esquina no bairro são admissíveis.
Também hoje houve a notícia estrondosa da detenção de Duarte Lima e do seu filho, logo pela manhã. Ninguém percebe por que razão se fez tal detenção, ninguém consegue explicar qual seria o risco de fuga, muito menos há qualquer relação com o processo do Brasil, que formalmente não existe em Portugal. Mas o que se percebe, se bem que não se compreenda, é que as autoridades foram à casa da Quinta do Lago às 7.00 da manhã e estava lá uma equipa de reportagem. Foram à casa dele pouco depois das 9.00 da manhã e estavam lá outras equipas de reportagem. Foram a casa do filho, noutra rua diferente, e lá estavam postadas as câmaras, a filmar em directo. No meio de tudo isto, declarações dos magistrados a parecer incomodados com as perguntas, entrevistas a magistrados brasileiros a dizer que sim, que esperam que ele seja julgado cá e inúmeras, inúmeras e ininterruptas mesas redondas, em todos os canais, a dizer que tudo se explica se alguma explicação aqui couber e que nada é o que parece mas que é, é, podemos ficar descansados, veremos. A Ministra da Justiça, na entrevista da noite, disse duas vezes que não comenta o caso Duarte Lima mas foi explicando uma trapalhada técnica que diz que afinal há acordo de extradição com o Brasil mas que o Estado só extradita quem quiser. Isto apesar de não se ver qual a relação entre a prisão de hoje e o caso do Brasil, note-se bem.
Nada tem a ver com nada, nada tem explicação nenhuma, embora possa haver várias explicações, um cidadão é preso com um aparato mediático absurdo e inexplicável e, definitivamente, ninguém comenta coisa nenhuma, apesar de não se conseguir ver outra coisa senão comentários.
Dia péssimo para a Justiça. E para o jornalismo, mas esse apenas aproveita as oportunidades que lhe dão.

O drama da injustiça...

Começou hoje, em Lousada, o julgamento do alegado raptor de Rui Pedro, a criança de 11 anos que desaparecu há 13 anos para nunca mais ser vista. Mais vale tarde do que nunca. É um momento de possibilidade de esclarecer o que se passou e de se fazer alguma justiça.
É muito chocante e revoltante a lentidão do funcionamento da justiça. Como podemos aceitar que burocracias, leis e meios impeçam a celeridade da actuação das autoridades policiais e judiciais, ainda para mais em casos de desaparecimento de crianças. E o que dizer da eficácia dos sistemas de alerta para estas situações. Que evolução terão tido estes sistemas de lá para cá.
Nunca será feita verdadeira justiça porque a demora da investigação, ainda que seja encontrado um culpado, deixa a dúvida se o Rui Pedro não poderia ter sido recuperado havendo capacidade e celeridade de actuação. Com a passagem de tantos anos, a esperança de encontrar o Rui Pedro foi-se reduzindo, mas o desejo da Família de o reencontrar foi crescendo, pode ser que aconteça...

Assassinos de embriões!

Quando li o artigo na Nature idealizei algo do género: "amanhã será executado no estado do Mississipi mais um médico por ter assassinado um embrião congelado. A execução será realizada através da tradicional injecção letal". Hipótese estúpida? Não propriamente, porque se a Emenda 26 fosse aprovada seria um risco, na medida em que, constitucionalmente, no momento da conceção, o embrião passaria a ter o estatuto de "pessoa", e como a destruição dos seres humanos é um homicídio passível de condenação, que nalguns países é paga com a morte de quem a pratica, então, a minha notícia futurista teria alguma razão de ser.
Mas afinal o que é que se está a passar? Certos movimentos defendem que a condição de pessoa é um atributo inerente ao preciso momento em que um óvulo é fertilizado, nem mais.
A Emenda 26, Emenda de Personificação do Mississipi, concederia direitos legais como pessoa ao embrião, "incluindo qualquer ser humano a partir do momento de fecundação, da clonagem ou do seu equivalente funcional". O movimento que defende este princípio sabe perfeitamente que com esta medida alcançaria muitos objetivos, desde a proibição total do aborto, à impossibilidade de utilizar as células estaminais dos embriões, assim como criar enormes dificuldades a algumas técnicas de procriação medicamente assistida. Ou seja, em termos práticos ninguém seria autorizado a mexer na "vida" deixando à "vontade divina" o futuro ou o não futuro de muitos seres humanos, desrespeitando os direitos das mulheres e dos homens. Confrange-me estas iniciativas que não deixam de ser perigosas, porque poderiam estender-se a outras áreas da atividade humana.
Também não posso deixar de comentar alguma hipocrisia por parte destes movimentos fundamentalistas que não se preocupam minimamente em lutar conta a pena de morte no seu Estado com a mesma "determinação e coragem", ou melhor, são pateticamente silenciosos perante a morte de seus semelhantes.
A Emenda foi a votos no dia oito deste mês. Respirei fundo com o resultado, o "Não" à emenda ganhou. É mesmo para dizer: Graças a Deus! Vou adiar por mais algum tempo a minha imaginação quanto à eventual execução de um médico por assassínio de um embrião, congelado ou fresco.

A justiça e a rua

«O que está a decorrer e que devia decorrer com menos aparato e mais discrição, que é aquilo que eu pedi e que não está a ser cumprido…”
«Deviam ser feitas buscas discretamente, para respeitar a privacidade do cidadão - infelizmente não estão a ser feitas como eu pedi - e não com este aparato televisivo…»
Pinto Monteiro, PGR, em declarações sobre o aparato mediático que rodeou a detenção de Duarte Lima
O PGR pede e é desobedecido. Não só é desobedecido, como comunica aos media que o seu pessoal não lhe obedece.
E confirma o que dizia uns tempos após ter tomado posse: “…o Ministério Público é um poder feudal. Há o conde, o visconde, a marquesa e o duque…”, dizia Pinto Monteiro.
Da auto-gestão, depressa a justiça passou a ser moldada pelas televisões. E o público a ser o juiz.
Os Tribunais são apenas um sítio onde se juntam advogados e jornalistas e câmaras para exibir os réus à populaça, que sumariamente os condena. Mesmo que absolvidos, nunca mais deixarão de ser culpados. Mudou apenas o linchamento. Porque a justiça há muito que está na rua.

O regresso ao futuro, pelo velho Eça

"Quando os meios faltarem e um dia se perderem as fortunas nacionais, o regime estabelecido cairá para deixar o campo livre ao novo mundo económico".

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Parece mesmo que eles estão a pedir

A senhora hesitava em sair do balcão dos serviços da Câmara, que ficam no cemitério, como se lhe faltasse ainda tratar qualquer coisa além da data da exumação. Já ia para a porta quando ganhou coragem e voltou atrás.
- “Desculpe, mas tenho que perguntar uma coisa que está a atormentar-me. Os meus pais estiveram casados 65 anos, conheceram-se de pequeninos, foi sempre um grande amor e eu fui testemunha dessa felicidade que ambos viveram até ao fim da vida. Ela morreu há 14 anos, um dia depois do aniversário dele, parece que não quis estragar-lhe o dia, ele morreu há cinco anos no dia dos anos dela, parece que esperou por esse dia para ir ao seu encontro. Por duas vezes tentámos levantar as ossadas dela e até hoje não foi possível, como se ela estivesse à espera dele, vamos agora tentar de novo, os dois no mesmo dia, algo me diz, não me pergunte porquê, mas tenho a certeza de que nessa data estarão os dois prontos para se fazer a mudança dos ossos. Por isso eu queria saber se é possível juntar os dois na mesma sepultura, sabe, é que parece mesmo que eles estão a pedir, eles estão a pedir para os deixarmos juntos para a eternidade…
O funcionário ouviu respeitosamente mas aí a meio da conversa começou a abanar a cabeça, como a prepará-la para a conclusão. Que compreendia, mas nunca ninguém tinha feito tal pedido, um pedido estranho, de facto, porque aos mortos tanto faz onde ficam e com quem, tanto quanto sabia, e assim de repente, não era possível, só falando com o chefe...
A senhora ganhou novas forças e insistiu, o senhor vê, foi uma vida inteira, acho que tenho que tentar tudo para ter paz de consciência, não vê?, eles estão a pedir, que diferença fará ao cemitério, pelo contrário, é menos espaço ocupado, eu pago como se fosse dois, eu escrevo uma carta a quem for preciso, adia-se tudo até haver alguém que autorize, tenho tempo, só quero fazer-lhes esta vontade. Fico então à espera.
Ela saíu, a conter a emoção, e ainda eu não tinha o meu assunto tratado quando entrou o chefe, não seria o chefe máximo, como se viu, porque ouviu calado o extraordinário pedido, o que as pessoas inventam, cada um tem direito à sua fé, mas regras são regras e não é possível, claro que não é, mas pode-se perguntar ao Director, ele que decida.
Entrei então na conversa, não resisti, a história da senhora e as suas razões pareceram-me imperiosas e, sobretudo, um raro sinal de grande respeito e amor pelos pais e pela sua memória. A saudade tem destas coisas, dá-nos a ilusão de que podemos continuar a amá-los como dantes, a provar-lhes que ainda não os abandonámos e que podem contar connosco para todo o sempre, como se ainda teimássemos em fazê-los sentir o calor do nosso afecto. Perguntei porque é que não seria possível, que interesse se estaria a defender, e o chefe interessou-se, também não sabia, enfim, nunca tinha pensado nisso, mas vamos que alguém, nunca aconteceu, claro, mas vamos que queira daqui a uns anos levantar os ossos só de um e mudá-los para outro lado, já não seria possível separá-los, já viu o sarilho?
Bem, insisti, se formos sempre a pensar em tudo o que pode teoricamente acontecer então é tudo proibido, o chefe admitiu que sim, mas sabe a senhora?, isto com os filhos é tudo possível, nem imagina os problemas que há com as guerras entre os filhos, vamos perguntar ao Director, pode ser, mas duvido muito, terão que ficar cada um na sua campa e no talhão em que calharam, a vida em conjunto acabou-se e no caso tiveram sorte, porque foi longa e feliz, quantos não há a quem só a morte dá sossego!
Não sei se resisto a ir lá um dia destes perguntar o que é que ficou decidido. É que, quanto a mim, a filha tem toda a razão, pelos sinais parece mesmo que eles estão a pedir…

Vigaristas "quânticos"!

Parece que já descobriram mais uma maneira de chular os papalvos, agora estão a usar um colar "quântico", "que contém uma célula de ressonância que está programada com as frequências saudáveis do corpo". Dizem, os vigaristas, que quando se coloca junto do coração "reforça e equilibra o sistema energético". As explicações pseudo científicas não ficam por aqui multiplicam-se no arrazoado habitual. Mas vende e bem! Às tantas vai destronar a "pulseira do equilíbrio" usada por tantas pessoas, algumas das quais ditas "eminentes". Tenho algumas dúvidas se estas personalidades, bem conhecidas do grande público, acreditam nessas balelas, estou seguro de que não, deve ser uma forma de publicidade encapotada. O papalvo, ao ver aquele adorno no pulso do seu ídolo, vai a correr comprar uma pulseira. Se ele usa é porque deve ter propriedades medicinais. Agora, é só esperar para ver os pescoços compostos pelos colares quânticos. Sim, porque quando se fala de "quântica", uma palavra sagrada e cheia de mistérios, que só alguns cientistas são capazes de compreender, é sinal de máxima respeitabilidade cientifica. Pobre ciência que anda nas ruas da amargura, ao redor do punho, à volta do pescoço, no interior de um iogurte ou de uma garrafa de água mineral. Pobre ciência que é utilizada, e cada vez mais, para fins não científicos. Pobre ciência que acaba por ter lugar de destaque em certos programas, alimentando pessoas pouco escrupulosas. Pobre ciência que preenche o espaço publicitário ao ser abusada, digo mesmo violada, através de um Malato, de um Marco Paulo, de carrinhas larocas, sobejamente conhecidas do grande público, quando fazem publicidade a águas, a alimentos e outras coisas. Pobre ciência que não consegue penetrar nos neurónios de alguns, que arvoram, como alarves, as suas soberanas incapacidades para a matemática, como se dissessem: essa merda não nos serviu para nada e, como vêem, somos mesmos bons e conhecidos de todos. Arrepio-me perante esta arrogância "artística". Arrepio-me perante certos programas conduzidos por profissionais do entretenimento promovendo determinadas figuras de uma forma descarada, não revelando qualquer sentido ético, não obstante a tremenda facilidade com que conseguem arrancar um suspiro ou uma lágrima na primeira oportunidade, o que lhes confere uma aura de filantropos e de pessoas de bem. Mais valia que não se deixassem sucumbir ao compadrio estéril ou enveredassem pela via do engano do pobre ouvinte.
Vivem e exploram, até dizer basta, a ignorância do próximo.
Que é que eu tenho a ver com isto? Ou melhor, o que é que eu ganho com esta reflexão? Nada de especial. Vai tudo continuar na mesma ou ainda pior, mas se puder evitar que alguém seja enganado por alguns artistas e certas individualidades que conseguiram o "estrelato" através de alguns programas televisivos, e que não se importam de "alugar" ou "vender" a imagem, enganando os seus semelhantes, então, já fiz alguma coisa de útil.
A estupidez humana é infinita e o universo também. As duas únicas coisas que possuem esta caraterística, mas o autor desta ideia, Einstein, não tinha tanta certeza quanto ao universo, mas não duvidava quanto à primeira. Não é preciso qualquer demonstração para provar este comentário, basta ver os que andam por aí a abusar do próximo, enganando-os, "quanticamente"? Dizem eles que não sabem, nem nunca souberam matemática! Foi a "sorte" deles e o azar de muitos outros...

Outra vez a água da torneira...

Foi chumbada proposta para se beber água da torneira no Parlamento e aprovada proposta para o Parlamento estudar se vale a pena trocar a água engarrafada pela água da torneira. Mais um estudo para fazer, quando recentemente o Parlamento elaborou um relatório sobre esta discussão a propósito de uma iniciativa idêntica no final de 2010. Mas porque é que é preciso uma lei para decretar um assunto desta natureza? Porque não começam a beber água da torneira?

Grécia abandona o Euro: Cenário de Terror...

1. Nestes dias de frenética agitação em torno de um possível “break-up” da zona Euro, com muitos investidores, nomeadamente asiáticos, a desfazerem-se de dívidas soberanas europeias com excepção da Alemanha – a segurança máxima, por definição – será interessante apreciar as consequências possíveis do cenário “saída da Grécia do Euro”, que tem sido o mais aventado...
2. Esse cenário, que irei apresentar sintéticamente, desenvolver-se-ia de forma sequencial, avisando desde já que a leitura dos pontos 4 e seguintes não é recomendável a pessoas que padeçam de insuficiências cardíacas ou de hipertensão...
3.Não vou entrar na questão de saber se a saída do Euro implica tb o abandono da União Europeia, como parece ser a opinião jurídica mais consistente, uma vez que essa circunstância apenas agravaria as perspectivas, reforçando a nota de Terror deste cenário.
4.A 1ª etapa deste cenário consistiria na decisão do Governo grego de avançar, ainda sem confirmação, para a saída, começando de imediato os rumores sobre o tema e o consequente levantamento de dinheiro (notas) dos bancos gregos por particulares, as empresas ordenam transferências de fundos para contas no exterior. Os financiadores externos de empresas sediadas na Grécia cancelam as linhas de crédito, os bancos gregos são forçados a suspender a actividade por falta de recursos...
5. 2ª Etapa, o Governo grego reúne de emergência, anunciando o regresso ao drachma, impondo controlos de capitais, incluindo o controlo das saídas de dinheiro (notas e outros valores) através das fronteiras. A dívida pública é redenominada para drachmas, o valor externo do drachma cai a pique, a inflação dispara...
6. 3ª Etapa, começam as disputas jurídicas para saber, por exemplo, se um empréstimo que tenha sido concedido por um banco alemão à Filial grega de uma multinacional alemã, passa a ser denominado em drachmas ou se continua ser denominado e exigível em drachmas...se o entendimento for no sentido do drachma, então o banco alemão passa a ter um sério problema pois o seu activo passará a valer muito menos...
7. 4ª Etapa, aparecem fenómenos de contágio, pois os cidadãos portugueses, italianos e outros, pensando que o mesmo pode acontecer no seu País, começam também a fazer levantamentos em massa das suas contas bancárias e as empresas transferem fundos para o exterior enquanto é tempo, colocando a banca entre a espada e a parede, forçando alguns bancos (para começar) a suspender a actividade...
8.5ª Etapa, espalha-se a confusão acerca da magnitude da exposição dos bancos europeus em geral ao sector privado da periferia atingida pela brutal crise de confiança, pelo que as transacções entre bancos são suspensas, as acções representativas do capital dos bancos, já muito depreciadas, tombam vertiginosamente...
9.6ª Etapa, em resposta a uma entrada maciça de capitais, a Suíça decide impor taxas de juro negativas aos depósitos de não-residentes...
10. 7ª Etapa, o crédito concedido pelos bancos por toda a zona Euro fica praticamente paralisado, a economia entra em abrupta recessão...
11. Não me vou estender mais, esclareço que este “Cenário de Terror” não é criação minha, foi publicado na edição do F. Times de 8 do corrente, num interessantíssimo artigo assinado por Robert Jenkins, membro do ínterim Financial Policy Commitee do Bank of England...para quem queira ler, o título do artigo é “Greece will restructure but it must do so within the Euro”.
12.Pela minha parte, direi apenas mais o seguinte: vai ser preciso termos todos (europeus) muito “juizinho”, pois apesar de não ser certo/garantido, a simples possibilidade deste Cenário se verificar é de molde a deixar-nos os cabelos em pé...

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Falta de honestidade

São quase horas para ir almoçar, pensei. Eis que o telemóvel toca estridentemente, fruto da velhice e de avarias a prenunciar a sua morte, mas mesmo moribundo consegue inquietar-me. Olho para o écran e verifico que é um telefonema do meu serviço. Qualquer banalidade, pensei. Após umas trocas de impressões, a confirmar que eram as trivialidades do costume, estava prestes a desligar quando do outro lado me avisaram: - Estão aqui dois alunos que querem urgentemente falar com o senhor professor, quando é que pode recebê-los? Não gosto de adiar nada e, quase que imperceptivelmente, dei a entender que poderia falar já com eles, afinal, os meus colaboradores já me conhecem suficientemente. - Posso passar o telefone? - Pode. Mas o que será que os alunos querem tratar tão urgentemente, se ainda ontem tive uma aula com eles? Fiquei ansioso, como é meu timbre, e quando comecei a ouvi-lo, dizendo que ontem à tarde, no decurso de uma aula teórico-prática, tinha ocorrido um problema, pus-me logo de atalaia, com os neurónios a saltitarem, as glândulas suprarrenais a hipersecretarem e a preparar-me mentalmente para mais um quadro de confusão que teria de resolver. - Será que algum assistente cometeu algo de errado que pudesse ferir os direitos dos alunos, sabendo quão reivindicativos e, até, mesmo intolerantes se tornaram nos últimos tempos? Não! Afinal foi o aluno a comunicar-me que ele e um outro colega, devido a sobrecarga de trabalho e à necessidade de apresentar trabalhos para outras disciplinas, pediram a um outro para que assinasse pelos dois. Só que a minha assistente, que não é nada burra, procedeu no final da aula à chamada dos alunos. Os dois que tinham "assinado" não responderam, como é óbvio. Perante tão inusitado comportamento informou que iria dar conhecimento ao regente da disciplina. Um acontecimento verdadeiramente insólito, até porque legalmente os alunos têm direito a dar as faltas previstas no regulamento sem qualquer problema, mas iriam perder as benesses decorrentes dos que não faltassem às aulas. Tiveram a consciência de terem cometido uma fraude e, por esse motivo, anteciparam-se, denunciando-se. Ouvi e nem quis acreditar. Deu as explicações que entendeu sem conseguir justificar a falta. Ouvi, respirei fundo, em silêncio, e perante a situação tive que tomar uma decisão. Em primeiro lugar, o sermão habitual nestas coisas. Blá, blá, blá. O que seria de esperar. Em seguida disse-lhe que ele, e os outros dois colegas, deveriam, publicamente, ou seja, em frente dos colegas da turma a que pertencem, pedir desculpa à assistente. Espero, não tenho a certeza, que tenham aprendido alguma coisa e que esta história não seja mais tarde contada como um episódio de irreverência estudantil, porque não foi. Espero que nunca contem a ninguém, que guardem só para eles e que os ajude a não usar estratagemas do género no futuro. Ninguém deveria proceder como procederam, mas vão ser médicos e, como tal, irão defrontar-se com muitas responsabilidades. Não lhes contei o que vou fazer em seguida, não vão poder beneficiar do facto de não terem nenhuma falta, tal como foi previsto no início do ano, mas, legalmente, não serão privados dos seus direitos, porque podem dar até vinte por cento de faltas.
Acabei de almoçar há pouco e tive que escrevinhar este pequeno apontamento. Não escolhi o sítio, foi o local que me obrigou a escrever. Pela primeira vez na vida escrevi um texto numa igreja. Gosto deste espaço acolhedor, silencioso e tranquilo. Sentei-me perto do local onde durante muitos anos esteve sepultado o marquês de Pombal, de acordo com a lápide que se encontrava à minha frente, sob o olhar atento da Senhora do Cardal. Não sei qual dos dois me inspirou, mas pouco interessa, talvez tenham sido ambos.
Acredito que os tais alunos tenham, hoje, crescido um pouco. Quero mesmo acreditar, acreditem, porque se não cresceram...