Trinta e oito anos é muito tempo. Por isso soa estranho aos ouvidos de muitos adultos de hoje o que quererá dizer essa misteriosa frase, sempre repetida nesta ocasião festiva, de que “não se cumpriu Abril”. Escusado será mesmo tentar explicar que é um remake de trazer por casa do pessoano “falta cumprir Portugal” , porque então a confusão é ainda maior. E o que é que se queria “cumprir” com Abril? Depois, ouvem-se, nos estafados discursos que se esquecem dos 38 anos e se repetem desde os 10, 15, 19, 23, 34, que se lutou pela Liberdade, também alguns lutaram pelo “fim do capitalismo, “da opressão”, alguns, muito poucos, falam vagamente do fim da guerra colonial, como se tivesse sido um episódio breve de uma grande confusão. Cumpridos a rigor todos os clichés que há muito se esvaziaram de sentido para quem os ouve, logo se retoma o linguarejar do dia a dia político do combate terreno entre partidos, ora estás tu no Governo, ora estavas tu anteontem, e há 11, 17, 24, 31, 36 anos e disparam em acusações mútuas para que o pobre e perplexo ouvinte possa talvez tirar alguma conclusão sobre quem afinal é que não cumpriu o tal Abril. As imagens de arquivo recuperam chaimites, homens barbudos, umas mulherzinhas nos campos, cravos, muitos cravos, e homens fardados, umas mesas de gente nervosa e assustada a fazer proclamações ao povo, e tudo acaba em bem, ficámos livres, viva a liberdade. Continuamos, passados 38 anos, a mostrar a História dos 38 anos anteriores tal e qual a víamos com os olhos desse dia, tal como ouvimos falar do país de hoje como se ainda estivéssemos a tempo de o mudar de novo, a partir daí. Qual Penélope, o 25 de Abril desmancha o País até então, e volta a discutir como é que o vai refazer, cada ano, cada ano, ainda e sempre, a partir de Abril. Mas o tempo pode ser muito duro, Abril passou e muita coisa sucedeu por causa de Abril, apesar de Abril, depois de Abril, ouvimos e pasmamos que a “esquerda” e a “direita” esgrimam com palavras parecidas os mesmos argumentos de sempre, os mesmos factos, os mesmos falhanços, as mesmas recriminações. Mas já quase ninguém sabe do que falam. Eu sei que é um lugar comum, mas de facto não serve de nada comemorar o passado se isso só servir para recriminar o presente e para nos fazer crer que não merecemos um futuro.
15 comentários:
Já não era criança quando o 25 de Abril se deu, já tinha 19 anos, já tinha participado em manifestações estudantis, já tinha corrido algumas vezes à frente dos bastões da polícia e já tinha ajudado a distribuir propaganda política e colado cartazes durante a noite.
Mas até àquele dia, nenhum capitão de Abril me havia dito, quais eram os ideais que suportavam o movimento.
Por isso, naquele dia, encaminhei-me normalmente para o emprego e, só chegado muito perto, é que um colega esbaforido me vem dizer que o escritório estava fechado, porque tinha havido uma revolução e que estavam a mandar toda a gente recolher às suas casas.
-Recolher a casa?! Isso é que era bom!
-Então o que é que vais fazer.Vais ver a revolução?
-Não, também não, vou até S. Pedro de Moel ver uma namorada.
-Não faças isso!!! Olha que os tipos prendem-te!
- Prendem-me, quem? Nem sabem que eu existo, pá!
-Então e amanhã? como é que vens para o emprego?
- ÓH pázinho, hoje é quinta, se essa coisa da revolução for para a frente, ninguém trabalha a té segunda-feira, portanto... é um fim de semana em grandareles, topas?!
E lá fui, à boleia até Leiria, depois outra boleia até à Merinha Grande e o autocarro de carreira até S. Pedro. Chegando a S. Pedro e passada a surpreza da minha aparição, constatei que ninguém estava a par da revolução. E para explicar àquela gente o que era uma revolução e quais poderiam ser as consequências da mesma?! Isso aí é que foi o cabo dos trabalhos.
;)))
Grande post, Suzana! Não que me surpreenda a lucidez, pelo contrário. Mas há textos que gostaríamos de ter escrito. Este é um deles.Parabéns.
Excelente!
Reflectindo sobre os discursos comemorativos do 25 de Abril, penso que continuamos a ter a mesma postura das “velhas do soalheiro” (espelhadas no post do Drº Pinho Cardão, aqui escrito em 16 de Setº de 2007), sempre a mesma conversa, embora matizada nestas ocasiões com cores e cenários diferentes, pomposos e ainda mais ridículos. Reveja-se a este propósito a entrada (triunfal, ou protocolar!?) das individualidades a caminho dos lugares presidenciais dentro do hemiciclo, conduzidas por figurinhas a lembrar a corte de Luís XV, ou será o espelho de uma república retrógrada, saudosista, carente de mordomias bizarras!?…
Em “falta cumprir Abril” cabe tudo o que queiramos - sonhos e objectivos, individuais e colectivos.
E, talvez por isso, ainda não conseguíssemos acertar o passo rumo a um objectivo, nobre e colectivo, bem definido, que não se quer miserável como o presente a que chegamos…
O 25/4 é uma data, o Dia da Liberdade. Daqui a 100 anos, quando estiver a fazer tijolo (sempre gostei da imagem), acho que as pessoas estarão a festejar o livre arbítrio, os direitos individuais e a independência pessoal como o ponto óptimo do bem comum. Falar-se-à do socialismo como hoje se fala do geocentrismo, dos personagens revolucionários como se fala do Mestre ou do Conde d'Andeiro. E isto é o que interessa do 25/4 ao fim do dia.
O passado não se comemora. Só se comemora o bom que se tira dele. E, quando a data deixar de ter a "nossa" carga, ela será linda e não estará entre aquelas que se questionará se devem ser feriado ou não.
O insondável passado é relevante, caindo em clichés instaurados por mentes mui mais subtis que a minha, é o passado que nos permite evoluir, criar o futuro envolve conhecer e compreender os sucessos, os erros, os crimes, o heroísmo daqueles que nos antecederam.
Só se comemora o bom do passado?, nada mais longe da verdade, sim se fores restrito em relação à expressão, mas quantos de nós não relembram e comemoram a recordação que levou ao acto consequente de libertação, comemoras datas marcantes da II Grande Guerra intrinsecamente ligadas a genocídios, anti-semitismo, eugenia, e outros termos aqui vazios do seu impacto numa sequência interminável, comemoras o desembarque na Normandia com a mesma certeza que foi ele que marcou a mudança de ritmo na Grande Guerra, mas em simultâneo comemoras os milhares que tombarem em cargas caóticas para praias altamente defensáveis.
Celebras tudo o que a história dá, o bom, o mau, o catastrófico, o mágico, pois tudo teve uma consequência, pois tudo isso abriu portas para algo mais, mesmo que se completamente inócuo só por si o acto releva a intenção como algo bom, a aplicar pelos vindouros, ou em algo fétido para a condição humana e destituído de uso a não ser pela sua absorção para nunca mais ser repetido.
O único erro é a celebração anacrónica, os mesmos gritos de ordem, as mesmas palavras que sozinhas e cheias de pó não se adaptam à conjuntura actual, história vive de mais dadas com e evolução por mais paradoxal que pareça, os seus festejos também devem crescer para que os valores se interligam com os conceitos e o seus significados actuais,
Cumprimentos.
Caro Tonibler...
"(...) Daqui a 100 anos (...)".`
Longevidade assim, só com muita saúde, faço votos por isso!...
Caro jotaC,
aqueles que, como nós, que por obras valerosas, da lei da morte se vão libertando, só falam nessa escala de tempo... Até porque a modéstia nos impede de falar de outra maneira.
Caro Tonibler, registo com agrado o seu bom gosto em recordar aqui o brilhante pensamento de Camões... Mas a minha obra, certamente, não irá perdurar, neste exacto sentido... Talvez a do meu amigo, quem sabe!...
:)))
Caro bartolomeu, isso é que são memórias!, então não estava politizado aos 19 aninhos? faz-me lembrar a pergunta do Batista Bastos, onde estava você no 25 de Abril? Mas não se preocupe, ainda agora a rever o filme sobre o 25 reparei naquele diálogo espantoso entre oGeneral Spínola e um grupo de capitães, o general a cumprimentá-los pelo sucesso do golpe de estado e a prometer-lhes uma promoção como paga, e eles a dizerem que não, que agora tinhamq ue falar sobre o exercício do poder, o general responde que o poder era para os politicos, não era para os militares,levou tempo a compreender o que era afinal aquilo tudo.
Zé Mário, é que estive todo o dia a fazer companhia à minha mãe, por isso vi vezes sem conta as celebrações em todas as suas variantes. Foi dose.
Caro jotac, isso dos objetivos bem definidos para décadas, ou para o "futuro" é coisa rara e difícil, ainda mais difícil com a instabilidade política que vivemos durante tanto tempo e as profundas contradições na interpretação colectiva do que possam ser esses desideratos. Mas nem tudo foi mau, pelo contrário, não podemos ignorar tanto caminho só porque achamos que ainda não encontrámos o caminho dos milagres.
Caro Tonibler, isso é que é fé!, se cada um tratar de si ficam todos bem tratados, duvido, tal como duvido que se houver um Estado a tomar conta de todos seremos todos iguais e não haverá injustiças. Mas num ponto concordo, sem dúvida, a liberdade individual é parte integrante do progresso e do equilíbrio colectivo.
Caro James Dillon, a História é indispensável para compreendermos o presente e para podermos ir desenhando o futuro, pena que muitos se esqueçam disso e se fixem no presente, esquecendo que são poucas, muito poucas,as decisões que marcam a História e que é uma responsabilidade dar-lhes sentido em vez de as deixarmos desaparecer no pó.
Cara Drª Suzana; quem é que no nosso país - tenha a idade que tiver - se pode considerar politizado? (penso que terá utilizado o termo, no sentido de "possuir uma consciência política, um sentido global da utilidade da política na responsabilidade da governação")
Aos 19 anos de idade, tal como hoje, a minha noção de política, no nosso país, resume-se a uma pintura abstracta que vai adquirindo alguns tons mais ou menos definidos, conforme os interesses dos pintores, em determinada época.
É obvio que aos empurrões e aos tropeções, o nosso país tem sido sempre governado, umas vezes melhor, outras pior, tanto quando fomos livres, como quando fomos oprimidos, tanto quando nos governámos, como quando fomos governados, tanto em monarquia, como em república, tanto quando a maioria não sabia ler, nem tinha acesso a informação, como hoje que em cada lar existe um computador com ligação À internet, uma janela aberta para o mundo.
Não, realmente aos 19 anos, não me achava politizado, aos 19 anos, sofria já de uma anomalia auditiva-visual-cognitiva que me fazia, tal como hoje, perceber as "coisas" antecipadamente. Foi por isso que rumei a S. Pedro de Moel, para namorar, enquanto os meus amigos e amigas de Lisboa, se esganiçavam a dar vivas à liberdade, empoleirados nos chaimite, convencidos de que estavam a transpor um portal do tempo. Penso que hoje já perceberam que afinal, mantêm-se onde sempre estiveram... em parte nenhuma.
Caro Bartolomeu, e fez muito bem, é claro que naquela altura a grande maioria dos jovens não tinha qualquer envolvimento político nem fazia sequer ideia do que seria a "revolução".
Tem toda a razão, cara Drª. Suzana; naquela altura, os jovens, hoje cinquentões e sessentões, possuíam ideais, projectavam construir um país-modelo, entusiasmados pelas ideologias socialistas que proclamavam a igualdade e fraternidade, com uma componente musical muito profunda que contribuiu para cinzelar nas jovens mentes, as imágens idealistas da democracia.
Sonhos que os sucessivos governos que tivemos desde então, se encarregaram de tornar num colectivo pesadelo.
Quando refiro a componente musical, estou concretamente a pensar em grupos da época como, Pink Floyd e Supertramp, cantores como Bob Dylan, etc.
Mas nem tudo está perdido, os jovens de hoje escutam heavy metal e música gótica, o que faz renovar as esperanças perdidas aos jovens do meu tempo...
;)))
(agora fui um bocadinho ácido, eu sei, mas.... impõe-se)
Cara Dra. Suzana Toscano,
Não soube fazer-me entender.
Não se trata de acreditar, ou não, em milagres!. Trata-se, de objectivos exequíveis, aqueles que à partida animam as sociedades, sem os quais há perigo de nos tornarmos amorfos, embora com fado e fátima…
São 38 anos ..de longa noite socialista ...
Luz ? No fundo do túnel ?
Fooooggeee é um trem bala ...aaiiii mainha ..e agora ???
Eu,um simples operário emigrante na Holanda desde 1964 e já velhote (88anos)digo que estava atrabalhar na Fábrica,no turno da noite, quando o Chefe me veio dizer que tinha ouvido na Radio que havia uma Revolução em Portugal.Eu depois comprei um radio portátil com onda curta para poder ouvir notícias de Portugal,mas depois que a contra-revolução tomou conta do Poder,nunca mais liguei o Radio.
A Pátria-Mãe p'ra mim madrasta/ empurrou-me p'rà emigração/
maldita seja a Governação/ e Portugal p'rà miséria arrasta.
Enviar um comentário