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terça-feira, 10 de abril de 2012

A saga

Em princípios de Janeiro, a jovem recém chegada de 4 anos de emigração na Europa abriu a sua caixa de correio e estava lá uma carta da Segurança Social. O texto, praticamente indecifrável no seu linguarejar intrincado, concluía com a intimação para que pagasse quase 200 euros a título de contribuições em falta relativas ao ano de 2011. Impossível, pensou a jovem, nem sequer estive cá nos últimos anos, e dirigiu-se à repartição competente, armada da carta e de uma confiança que se veio a revelar absolutamente deslocada. A primeira vez correu bem, disseram-lhe que tinha havido um engano, aquelas cartas deram uma grande confusão, havia montes de reclamações, era simples, tinha só que ir às finanças pedir uma declaração em como estava isenta por não ter tido quaisquer rendimentos e quando é que tinha aberto actividade. Nas finanças deram-lhe a declaração e voltou à Segurança Social. Nesse dia, pelas 11h da manhã, já não havia senhas para o dia todo. Voltou no dia seguinte, esperou horas até ser atendida, fez um requerimento a pedir que revissem o caso e deixou os papéis. Um mês depois, para poder aceitar dar duas horas de aula numa associação pública, precisou de uma declaração em como não tinha dívidas à Segurança Social. Voltou à repartição, nova senha, toda a manhã de espera, dessa vez levou um termo com café, sanduíches e um livro. No guichet ficaram espantados, como é que queria tal declaração se tinha uma dívida, sim senhora, já notificada e por pagar, quase 200 euros, assim nada feito. Mas, dizia a jovem, deixei cá tudo, disseram que estava isenta, pensei que estava tudo resolvido, não, nem pensar, a prova é que nunca a notificaram disso, aliás não está cá nada, quando é que preencheu, quando é que entregou, enfim, se tem pressa o melhor é mandar 2ª via, mande tudo pelo correio registado, é mais fácil. Nova peregrinação às finanças, novo processo, correio registado, aguardou, torcendo pela resposta para poder então aceitar as tais aulas. Nicles, nada de resposta, mas chegou nova notificação da Segurança Social, que agora além dos 200 euros era uma multa e mais ameaças, correu à repartição, já não havia senhas mas deixaram-na perguntar no guichet pelo processo, tenho aqui o recibo em como o correio foi recebido, recibo? correio?, mas que ideia foi essa de mandar pelo correio, tinha que vir cá entregar!, mas foi aqui mesmo que me disseram para fazer assim, ah, percebeu mal, pelo correio não se resolve nada, tem que trazer tudo de novo, olhe que os juros vão crescendo. Por sorte tinha fotocópias de tudo, foi lá de novo no dia seguinte antes das 8h da manhã, a fila contornava o quarteirão, tirou a senha respectiva e esperou até às 11h para ser atendida. Aí a senhora que atendia ficou mal humorada, este assunto não é neste guichet, este é para os trabalhadores independentes, o seu caso é uma dívida, vá para aquele ali. Ela ainda tentou explicar que precisamente era por não ter a dívida mas de nada serviu, mais uma hora e no outro guichet a senhora ficou mal humorada, quem é que a mandou para aqui, isto é no guichet dos trabalhadores independentes, que incompetência, não percebem nada do que andam a fazer, levou-a ao outro guichet de novo, fazendo-a passar à frente da senha que ia ser atendida a seguir, o homem ficou a insultá-la num desatino. A senhora dessa vez viu o processo, não, isto não está bem, para estar isenta esta declaração das finanças não chega, já teve actividade, se a fechou temos que comprovar isso, se foi há cinco anos não sei, então traga uma declaração das finanças desde que passou o primeiro recibo, ah, foi em 2004?, se calhar tem dívidas desde essa altura, assim não se sabe, traga a declaração para analisarmos o assunto. O homem que aguardava a vez atrás dela começou aos gritos, se já estava tudo explicado era melhor ela sair da frente, ele tinha pressa, já tinha perdido a manhã ali. A jovem entrou em desespero e desatou a chorar, chorou copiosamente, eu faço o que me disserem para fazer, posso pagar já a dívida?, eu preciso da declaração, pago já tudo, passem-me a declaração!, mas não, isso de pagar é que não, aliás nem se sabia se ainda havia mais dívidas, os impressos já esborratados de lágrimas e uma outra funcionária a consolá-la, deixe lá, menina, isto realmente é difícil, mas deve ter impressionado porque lhe deram uma senha já para o próximo dia, a contar que nas finanças conseguissem passar a tal declaração a tempo e horas da nova senha. Nas finanças passaram a declaração, duvidando que servisse, se calhar o que eles lá querem é uma certidão, mas isso paga-se e leva uma semana, se tem um trabalho tão urgente duvidamos muito que vá a tempo. Foram simpáticos, se calhar foi porque lhe viram os olhos inchados, à beira de rebentar de novo em pranto.

17 comentários:

just-in-time disse...

E ainda há quem não tenha percebido que o Estado está a ser desmantelado! Pois é mais simples do que parece! Mas provoca muitos prejuízos e sofrimento.

Massano Cardoso disse...

Estes casos metem-me muito medo. Um cidadão com medo das estruturas como as finanças, segurança social e justiça sente que, no momento oportuno, a melhor forma de resolver o problema é através da violência, a "linguagem" mais universal e "justa" para resolver as injustiças e as humilhações a que está sujeito. Não é que faça apelo à violência, pretendo, apenas, dizer que é perfeitamente justificável se alguém não conseguir evitar a pressão humilhante.

Anónimo disse...

A forma como o estado Português trata os cidadãos é realmente algo do outro mundo. Incrível.

Cara Suzana, uma perguntinha. A tal jovem recém-chegada não teve vontade de fazer as malas e voltar para onde estava anteriormente, amaldiçoando o dia em que teve a infelicissima ideia de voltar a Portugal?

Catarina disse...

Fiquei com curiosidade: qual será a resposta da cara Susana ao comentador Zuricher?! : )))

Suzana Toscano disse...

Caro just-in-time,a ideia que dá é que está tudo doido, ninguém sabe como resolver os assuntos, os funcionários, imagino o ambiente, milhares de pessoas cheias de problemas, uma confusão, horas a fio naquilo, enfim, custa-me muito ter sido eu a escrever este post, mas a realidade é esta e, depois desta história - que ainda não tem epílogo - já ouvi muitas outras. Mas também acredito que seja terrível trabalhar num sítio assim, um caos de angústias e desespero, leis incompreensíveis, cada serviço a dizer sua coisa.
Caro massano, é incrível mas eu pensei exactamente o mesmo, quando vi a reacção da jovem. O que ela me disse foi que tem medo, tem terror de lá voltar, acha que de cada vez que se aproxima leva uma nuvem negra em cima da cabeça e o que diz, sem parar, é "eu não fiz mal nenhum, eu não fiz mal nenhum". É grave, concordo consigo, mas também não sei s eno lugar daquelas senhoras, ao fim de uns tempos, seria capaz de fazer melhor, não estou a desculpar, estou a angustiar-me, e muito.
Caro zuricher e Catarina, sim, a resposta é sim, mas por raiva e não por desejo positivo, a primeira vez que saiu foi com entusiasmo e esperança, voltou com confiança,achar que era capaz de fazer cá o que tinha conseguido aprender e fazer enquanto esteve fora, mas não é só o problema do emprego, é precisamente o problema de querer trabalhar e só encontrar obstáculos, receios, ameaças,hostilidade, a confiança foi-se e fica apenas uma insegurança que paralisa os mais corajosos. E fica também a nossa tremenda impotência de os ver partir por razões profundamente estúpidas, no sentido puro do termo, a estupidez é pior que a maldade porque de um acto estúpido resulta prejuízo para todos, é completamente destrutivo.

just-in-time disse...

Cara Suzana
É verdade, o caos está instalado, as pessoas estão desesperadas e é só obstáculos, receios, ameaças e hostilidades.
Pois, por isso, é que há que perceber quem e como nos trouxe a este ponto e como será preciso muito tempo e sabedoria para sair dele: sabedoria política e social, que não desembaraço tecnocrático.

Caboclo disse...

Eu cá ..ao contrário do Dr Massano faço a apologia da gasolina e do fosforo..
Se todos os portugueses regassem generosamente com bastante gasolina todas as repartições de finanças e soltassem um belo de um fosforo daqueles grandões ..bem aceso..se resolveriam todos os problemas ..
Aquelas "senhoras " mal ajambradas que lá fingem que trabalham ..iriam ficar em casa descansando para o resto das vidas ..

MAS NÃO É ISSO QUE ME TRAZ AQUI !!

O que me traz aqui é a noticia do fim oficial do estado de Direito em Portugal .

Lembro mais uma vez o silêncio cúmplice dos elementos deste blog.. 4ª republica ..

Sim ..quem cala consente ..lembra Dr.Massano ? que você se pôs aos palavrões (em siglas) quando o acusei de cumplicidade com socrates ?

Pois é !! Quem cala consente !! LOGO É CÚMPLICE !!



Estado de direito democrático posto em causa

A continuação do Dr. Fernando Pinto Monteiro no cargo de procurador-geral da República, após ter atingido, neste 5 de abril de 2012, os 70 anos do limite de idade de desempenho de funções dos magistrados, rompe o regular funcionamento das instituições democráticas e põe em causa o Estado de direito em Portugal.

Caboclo disse...

Aí vem o passarito da esquerda ..pôr o pé no bico do passarito da direita ..
Censuraaaa..apaga logo esse Caboclo Capiroba ..chato ..incomodo ..sempre com questões irritantes ..poxa ..este é um blog sério ..seríssimo.. cúmplice e tal ..politicamente correto .. corretíssimo...

Caboclo disse...

O Dr Massano fala "...Um cidadão com medo das estruturas como as finanças, segurança social e justiça..."

Medo Dr Massano? porquê medo?

Porque não Nojo?
Porque não Raiva ?
Porque não Desprezo?
Porque não Asco ?
Porque não ódio ?
Porque não abominação?
Porque não horror?
Porque não repulsão?
Porque não animosidade?
Porque não antipatia?
Porque não aversão?
Porque não cólera?
Porque não fúria?
Porque não gana?
Porque não ira?
Porque não malquerença ?
Porque não odiosidade?
Porque não rancor?
Porque não sanha?
Porque não desconsideração?
Porque não desdém ?
Porque não repulsa?
Porque não antipatia ?
Porque não aversão?
Porque não repugnância?

Lembre-se que a escória da sociedade está acantonada nestas estruturas pútridas e fétidas ..
Ninguém de cabeça saudável se imiscui com tal escória !

jotaC disse...

Conheço muito bem a realidade que encerra o post da Dra. Suzana, comecei a minha carreira nas ex-caixas de previdência social (hoje segurança social), não me lembro de situações semelhantes às descritas. Porquê? Porque quem dirigia era competente, o sentido de responsabilidade da função ia para além da escolha por catálogo de um bom carro para passear a famelga ao fim de semana, a expensas do contribuinte; e essa competência acabava por chegar cá muito abaixo, fazendo com que cada um de nós exigisse, também, de si próprio rigor e saber.
Hoje os serviços do estado, salvo raras excepções, são “governados” por gente que se julga acima do comum dos mortais, amigos dos amigos, gente que levita nos corredores e, por isso, não se dá conta das situações dramáticas de que são os principais culpados. E era tão fácil com as novas tecnologias aliviar o purgatório a que todos estamos sujeitos quando, por exemplo, tratamos da renovação da carta de condução...
A eficiência dos serviços do estado deveria ser aferida por padrões de satisfação dos cidadãos, sendo que o espírito gestionário teria de ser semelhante aos das empresas mais conceituadas. Estou a lembrar-me, por exemplo, da TAP. Que seria desta empresa se a cada nível de decisão não existisse competência!?

Pinho Cardão disse...

Estado a mais só pode trazer burocracia a mais. A burocracia tornou-se mero objectivo em si e dos funcionários, e não forma de resolver os problemas de quem a paga e lhes paga. No caso, é óbvio que, numa estrutura organizada, os serviços deveriam estar estruturados para darem resposta pronta ao cidadão. Não pertencem os Impostos e a Segurança Social a uma mesma entidade? O cruzamento de dados é só para pagar, quando deveria ser para servir. Essas questões de que a Suzana falou deveriam ser logo resolvidas no Balcão. Acontece no entanto, e foi a Drª Manuela Ferreira Leite que o disse, que metade do trabalho da função pública é para responder a questões da função pública. Os serviços andam a trabalhar em circuito fechado. O cidadão? Mas o que é um cidadão para este Estado burocrártico? Apenas um pagante que só causa transtorno e aborrecimento.
Contou-me há dias a empregada de um amigo meu que teve que contratar um advogado para lhe desbloquear um assunto junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. O processo jazia no monte há meses e meses. Nunca chegava a hora do despacho. Veio o advogado recomendado por pessoa que passou pelo mesmo problema: meia dúzia de dias e assunto resolvido. Um bom exemplo do serviço público que temos. Claro que há excepções. Excelentes. Em todas as áreas. Mas, excepções.

jotaC disse...

Caro Drº Pinho Cardão,
A Dra. Ferreira Leite demonstrou um profundo conhecimento da administração pública, do topo à base.
Se alguém se der ao trabalho de pensar a administração pública como uma grande empresa, com muitas filiais espalhadas pelo país com algumas rotinas comuns, concluirá que a concentração dessas rotinas num único departamento representaria uma diminuição drástica de postos de trabalho. Estou a pensar precisamente naqueles serviços que trabalham para dentro, como por exemplo os recursos humanos, os serviços de contabilidade, os serviços de contencioso e consultadoria, e muitos outros.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
A história da jovem recém chegada repete-se muitas vezes todos os dias, há anos. Tanta reestruturação e racionalização incapazes de ir ao centro do problema, alterar a mentalidade instalada.

Suzana Toscano disse...

Venho aqui contar o fim da história. Ontem, a jovem voltou à SS, munida da declaração das finanças que atestava os rendimentos auferidos desde 2004 !!!, onde era evidente que nos ultimos 5 anos não tinha recebido um tostão. Pois no "cadastro" da SS já constava uma dívida,não de 200 €, como tinha sido notificado, mas de quase MIL EUROS, uma vez que, zelosamente, em cada ano lhe tinham "atribuido" vá lá saber-se que dever de contribuição.Esclarecido assim o embróglio, ao cabo de SEIS idas à SS, com essa infinidade de horas perdidas, e de CINCO idas às finanças, onde foram rápidos e diligentes,a jovem tem já a sua declaração de não dívida. Entretanto perdeu pelo menos dois meses do tal trabalho com que contava, claro,se ainda o conseguir, o que não é certo.Assim se fazem as coisas, como diria o Gil Vicente.

Ilustre Mandatário do Réu disse...

Muito verosímil esta história. No meu caso um dia foi à SS e tive de ouvir comentários sobre a minha mulher que por acaso tem um nome que na altura estava na berra. Não me espanta nada que o funcionário SS que possivelmente era agente político de algum partido com tacho decunhado tenha entalado a menina por mera inveja.

A SS é um antro cripto-comunista-socialista-bloquista-central. Tudo quanto é lixo dos partidos vai lá parar. Basta ver que o secretário de estado da segurança social é o tal cônsul honorário da Bielorrússia. O sinistríssimo que lá andou antes metia medo. O que se vai sabendo que foi feito com os depósitos da SS nos bancos mostra a pouca vergonha instalada.

Mais pena dos que por azar tem contactos de primeiro grau com a SS, tenho dos funcionários honestos que habitam tal antro.

Rosa disse...

A SS pratica em GRANDE escala esse número do sumiço da reclamação, e não é só nos casos em que é enviada pelo correio, ou seja: As pessoas são notificadas para pagar uma dívida que não têm, depois de a tal jornada kafkiana nas informações - que a Susana tão bem relatou - são informadas de que têm de fazer a tal reclamação, reúnem os mil e um documentos que provam não poder haver dívida (esta parte é bastante trabalhosa e um gasto estúpido de papel, podia-se utilizar o mail mas a esta altura a pessoa já sabe que o sistema está sempre "em baixo" seja lá isso, de "estar em baixo" o que fôr), entrega a reclamação, espera meses por uma resposta que nunca chega (ou quando chega é notório que os documentos entregados não foram consultados) e quando volta a dispor-se a mais um dia nas informações...Ninguém sabe o que aconteceu à reclamação! O melhor é fazer uma nova, dizem-lhe...
Em duas palavras: Prepotência e desonestidade.

José Gonçalves Cravinho disse...

Esta mentalidade já é velha de séculos,já vem desde o tempo das três classes sociais-Clero,Nobreza e Povo.E o Povo alienado pelo Clero
está mentalizado para SERVIR a Nobreza e o Clero.Mesmo com a Rèpública,a mentalidade servil não mudou e até foi reforçada com a Ditadura clerical-fascista do Estado Novo.Em vez de ser o funcionalismo público a servir a população,é ao contrário,pois é a população que deve servir o Estado
e Portugal é um País de «doutores» em que se usa «Vossa Excelência».
Para comparar eu cito um caso passado com a falecida Raínha Juliana da Holanda.A Raínha Juliana foi inaugurar uma Casa de velhotes e uma velhota quiz «botar»
palavra para agradecer à Raínha, mas manifestou certa estranheza e disse que não sabia se devia dizer Vossa Alteza ou Vossa Majestade.
E a Rainha respondeu-lhe:-Pois diga simplesmente Minha Senhora!