O subfinanciamento da conservação da natureza e da biodiversidade está a provocar uma verdadeira revolução coperniciana em Espanha. El Pais dá conta da concessão de caça num dos mais emblemáticos parques naturais do país vizinho. A justificação é que se matam dois coelhos com um só tiro: aumentam as receitas à custa do controlo cinegético das espécies. Quintos de Mora era um dos habitats para reintrodução do lince, por exemplo. Reino de águias e outras espécies em risco. Será possível esta conciliação? Duvido. Para Espanha esta medida poderá poupar ao rei umas deslocações sempre perigosas a África. Em Portugal espera-se resistência a maus ventos...
7 comentários:
Em Portugal, caro Dr. José Mário, os nossos reis, quer os da monarquia como os da república, não precisam de se deslocar a áfrica, ou a uma reserva cinegética se quiserem caça grossa, ou simplesmente uma ou duas coelhinhas. Basta-lhes ir à Luciano Cordeiro 83-A e nos intervalos... entre as "fogachadas" ainda podem saborear uns uísques e ouvis uma musiquinha.
Até hoje, ainda ninguém saiu de lá com uma anca quebrada, mas se isso acontecer, não ha problema, existem pelo menos 3 hospitais ali logo à mão, nem é preciso mandar vir o elicópetero...
helicóptero escreve-se assim, não é?
Isto , é uma desgraça, nem com acordo, nem sem acordo lá vou... óh sorte marreca!
:)
Caro Ferreira de Almeida,
Acho que está do lado da emoção e não da razão, sem com isto querer desvalorizar a racionalidade das emoções.
Não conheço o caso em concreto, mas conheço os dados existentes sobre densidades de presas, em especial coelho, e os dados das dinâmicas das espécies, em especial as que cita, como Lince e Águias (há várias, mas podemos olhar para a imperial por ser a que esteve mais ameaçada nessas paragens).
Ora os dados são muito claros: existe uma correlação positiva entre densidade de coelhos e zonas de caça.
A razão é simples, embora contra-intuitiva: a caça suporta uma economia que tem interesse no coelho, portanto dá sustentabilidade a uma estratégia permanente de valorização do coelho através da gestão do seu habitat (e, complementarmente, da disponibilização artificial de alimento). O resultado é uma densidade de coelhos maior que fora das zonas onde esta economia não existe, em especial desde que o coelho está em franca expansão por, aparentemente, ter passado a pior fase das razias provocadas pela mixomatose e pela pneumonia hemorrágica viral (perdas de 90 a 95% da população).
E porque o coelho está em franca expansão, a águia imperial e o lince também.
Para lhe dar uma ideia, há três ou quatro anos houve um enorme sururu por causa do abate do macho do único casal de águia imperial a nidificar em portugal, sendo que este ano o número de casais a nidificar em Portugal está seguramente acima dos dez (refectindo a franca expansão da espécie em Espanha).
A população de lince está a aumentar há dez anos a uma taxa de 10% ao ano, se fosse uma empresa era um estrela ascendente conhecida em todo o lado. Ou seja, em dez anos a população de lince triplicou.
Perante estes dados é muito difícil continuar com o preconceito ideológico anti-caça em matéria de conservação.
E a razão teórica explica-se facilmente: o que comanda a dinâmica das espécies é mais a fecundidade (ou o número de crias que chegam a adultos) que a mortalidade. Ora a fecundidade varia directamente em função dos recursos existentes, na grande maioria das espécies.
E é isso que as zonas de caça proporcionam aos grandes predadores.
henrique pereira dos santos
Muito obrigado, HPS, pelas suas explicações.
Declaração de interesses: sou caçador há muitos anos. Não tenho qualquer preconceito quanto a práticas cinegéticas em áreas protegidas. E não tenho exatamente porque compreendo que, devidamente fiscalizadas, são uma forma de ajudar a equilibrios necessários à permanência em estado favorável de alguns habitats. Admito, porém, que a forma como me exprimi no post possa ter dado ideia do contrário.
Dito isto, deixe que lhe coloque algumas questões, admitindo que aqui volta entretanto.
Se leu a notícia do El Pais ficou com a impressão de que são razões como as que invoca que determinaram a mudança de doutrina (se é que mudou...), e consequentemente a prática até aqui seguida de restringir a caça e outras atividades em áreas sensíveis do ponto de vista da preservação de espécies em risco (apesar da recuperação, cujos números não conhecia), em especial da fauna, como as que citou? Ou, como eu, notou que a medida é porventura consequência do subfinanciamento das políticas públicas de conservação? E não receia que a coberto de uma racional gestão das espécies a escassez de recursos e a necessidade de cada vez mais receitas faça com que se regrida no esforço (pelos vistos bem sucedido) de recuperação, sobretudo porque se trata de uma área protegida singular sob este particular ponto de vista?
Caro Ferreira de Almeida,
A minha declaração de interesses também: não sou caçador nem nunca fui.
A motivação até pode ser a falta de recursos (ou sub-financiamento do Estado) mas o que me levou a comentar é que seja qual for a razão, onde houver uma economia capaz de obter resultados positivos de conservação, essa é uma situação preferível ao financiamento público.
É que as necessidades de afectação de recursos para conservação que não têm economia que lhes dê resposta são tantas, que só posso ficar satisfeito se num aspecto qualquer foi possível substituir financiamento público por economia sustentável.
Eu sei que é fácil dizer isto e esquecer os riscos que este princípio comporta, e são muitos.
Mas convenhamos que os riscos associados ao financiamento público da conservação da biodiversidade também existem, desde logo a falência dos Estados.
Era bom que fosse fácil encontrar os equilíbrios em cada momento, mas infelizmente não é.
henrique pereira dos santos
Percebo a sua ideia. E não estou longe dela. Obrigado HPS.
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