Hoje, em Portugal, os resultados do Euromilhões: 10 766 570
apostas em 4 250 mil bilhetes.
Num interessantíssimo livro “A Outra Europa” (Ed. Companhia
das Letras) Hans Magnus Enzensberger descreve o modo como viu diferentes países
e cidades europeias que visitou ao longo de 1985. Entre elas, Portugal, Lisboa
e, em particular os portugueses, as suas particularidades e idiossincrasias,
merecem-lhe uma análise notável e deliciosa, muitas vezes perplexa, outras
impiedosa, que deita por terra inúmeros estudos, pareceres e longuíssimas teorias
sobre os mistérios deste cantinho à beira mar plantado. A propósito das queixas
e confissões que ouvira a muitos portugueses, escreve o autor:
“De onde vem esta energia crítica (dos portugueses)? O que
nutre o seu espírito de contradição? E como se explica que, fora os
portugueses, não parece haver mais ninguém que abomine os portugueses? (…)Segundo a estatística, a maioria dos portugueses
já deveria ter morrido, (…)todos os indicadores apontam para uma miséria sem igual
na Europa. De que vivem as pessoas? Ninguém reclama, ninguém sai à rua aos
tiros, ninguém morre de fome. Este é o verdadeiro milagre português, um milagre
negativo. (…) a estatística é devastadora mas as coisas não são bem assim. O
gosto dos portugueses pelo fantástico não é só uma aberração romântica, pois
intervém poderosamente no seu quotidiano, na medida em que se torna uma
prática. Comparado com esta, o PIB assemelha-se a uma quimera abstracta, e a
economia nacional oficial, na qual acreditam em Bruxelas e no banco Mundial,
parece mera sombra (…)O princípio da realidade, ao qual outras sociedades se
venderam de corpo e alma, não é tão realista como crêem os seus servos fiéis. (…)
Não é só através da incapacidade que os portugueses se opõem à racionalidade
capitalista. Eles resistem a ela. É difícil distinguir onde termina a incapacidade
e começa a resistência. De qualquer forma, disso resulta uma espécie de
sabotagem silenciosa, que não é praticada, como noutros lugares, por raiva,
convicção, rancor, ideologia ou teimosia. A eficiência capitalista não é
combatida, é evitada naturalmente, “assim sem motivos”, porque ela não convence
os portugueses e porque as virtudes que exige não são as suas virtudes. (…) O
que os portugueses defendem, às vezes cega e espontaneamente, mas sempre com
tenacidade, não é nenhum património, são os seus desejos, ou seja, aquilo que
ninguém pode possuir. A crítica da razão encarnou neste povo”.
2 comentários:
Suzana
A ideia de incapacidade e resistência dos portugueses à "racionalidade capitalista" está bem apanhada. Falta-nos vontade de transformação, um certo imobilismo impede-nos de olhar mais para a frente. Talvez que a incapacidade resulte da falta de atenção direccionada para o essencial e de falta de uma ideia do que é o essencial.
Ora, esta não é seguramente a melhor forma de construirmos o que queremos ter, não o que nos é imposto pela inércia, pela falta de antecipação, pela falta de querer.
Margarida,é muito interessante ler os livros de História de Portugal que o Expresso está a publicar, da autoria de Rui Ramos. Com são de leitura fácil e fáceis de manusear, consegue-se ler de seguida o que foi acontecendo ao longo dos séculos e quais os factores de transformação. Lê-se como se se estivesse a ver um filme e realmente só por milagre é que esta manta de retalhos se compôs como um País, se organizou, conseguiu sobreviver quase sem passar por todos os grandes movimentos de transformação da Europa, tantas vezes quase por obstinação, outras por sorte, muito poucas por políticas sistemáticas e grande visão de futuro. Nunca tivemos fontes de riqueza, nunca conseguimos sobreviver apenas com base nos nossos recursos e produção, sempre soubemos aproveitar o que vinha de fora, fossem exércitos, fossem pessoas qualificadas, fossem interesses alheios em que nós éramos apenas um pequeno peão mas que nos deu grande proveito. Talvez todos estes improváveis e todos estes sucessos que racionalmente ninguém preveria tenham formado este povo de "crentes" em milagres e na divina providência, o que tiver que ser cá nos virá parar às mãos, o que não tiver que ser paciência, também não valia a pena o esforço. O que é engraçado é que as teses que nos querem transformar em Suecos, ou em Americanos, ou noutra coisa qualquer muito arrumadinha e lógica parecem especialmente ridículas quando se relembra a História assim de seguida.
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