Os universos são tantos e tão extensos, a ponto de nunca terem tido princípio, porque o vazio ou o nada representa apenas uma abstração humana comparando-o à sua não existência. Uma forma elegante que encontrou para se dar ares de alguma importância. Uma ninharia da qual se orgulha, e muito. Não sei para quê, confessou o meu amigo, um dia isto passa-me, não deverá demorar muito, e mesmo que demore ninguém vai dar conta. Que raio de ideia está a emergir no meu cérebro, disse, às tantas não devo ser eu, mas sim a minha alma que deve ter acordado para opinar sobre o assunto. Sabes, disseram-me que tinha uma, mas não sei para quê, então onde é que eu começo e acaba a outra? Ah, há qualquer coisa aqui que não bate certo. Tombou um discreto silêncio. Foi então que reparei que se tinha deixado ir na onda da sonolência estival, embarcando para o sossego do descanso, deixando em roda livre a sua alma, que, feita barata tonta, procurava alguém para falar. Dei-lhe troco, mas registar conversas de almas não é coisa fácil, não falam de forma convencional, exprimem-se em hieróglifos de emoções e em estranhas pinturas cujas formas e cores fariam inveja a um Monet ou um Van Gogh. Registei alguns esboços, um pouco difíceis de compreender, às tantas não devo ter percebido bem, mas fiquei com a sensação de que haveria uma espécie de rainha, à semelhança da rainha das formigas que não faz outra coisa do que parir ovos de almas. E depois? Onde são colocados os vossos ovos? Nos vossos ovos aquando da fecundação. Credo, pensei, isso são ovos a mais, o mais certo é terminar numa omoleta. Mas para quê tudo isso? Para podermos ser livres e independentes. E sabem ao que vão? Sabemos. Mesmo sendo um ovo de alma? Sim. Que coisa mais estranha. E aceitam tudo o que vos que quiserem dar, isto é, qualquer tipo de embrião ou proto ser humano serve? Bom, aí há divergências, nós, as almas, não somos todas iguais, muitas recusam-se a nidificar em ovos humanos que sejam deficientes, mas o pior é que os chefes, e talvez a nossa rainha, que foi encarregada deste parte deste universo, obrigam-nos e não há volta a dar-lhe. E por que razão fazem isso, por não quererem sofrer? Em parte sim, mas também por causa do ser humano que ingloriamente acaba muitas vezes num sofrimento atroz. Mas o ser humano e a alma não são a mesma coisa? Não é fácil traduzir as suas emoções e sentimentos, mas fiquei com a sensação de que são parecidos, influenciando-se simultaneamente, mas o que interessa à alma é fazer o tirocínio ou cumprir as suas obrigações de forma a poder autonomizar-se e partir para onde entender. Vocês, almas, proto almas, ovos de almas, sejam o que forem, não poderiam fazer um "nascimento vital"? Está bem abelha. Assim sempre poderiam evitar certas situações. Mas que raio de conversa ou coisa parecida. O meu amigo desperta, depois de um curto sono e disse-me, soube-me tão bem, dormi profundamente e sonhei, sabes com quê, com uma omeleta gigantesca feita de milhares de ovos espalhados pelo céu. E devia estar saborosa, então o cheiro, nem te digo nem te conto. E tu que fizeste? Nem te digo nem te conto. Fazes bem. Olha lá e se fossemos petiscar qualquer coisa? Estou cá com uma larica, deve ter sido o efeito da omeleta. Vamos, sempre é uma matéria mais comezinha.
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