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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Ao invés...

Revelando uma súbita epifania, o senhor secretário da administração pública anunciou que o Governo vai redefinir funções do Estado para cortar despesa. Não seria de tentar fazer ao contrário, i.e., cortar na despesa para redefinir as funções do Estado?

28 comentários:

jotaC disse...

Caro Drº Ferreira de Almeida,
É a primeira vez que discordo de si, não levará a mal com certeza...
Pois eu acho que é assim mesmo que se faz: - Verifica-se à lupa os serviços que trabalham para dentro; suprime-se o "trabalho", os apêndices, o espaço físico, tudo. O que sobra é redução da despesa.

Anónimo disse...

Meu caro jotaC, não posso estar mais de acordo com o meu Amigo. Estou tão de acordo que posso dizer que tem sido essa a motivação do meu voto. Confio-o a quem se propõe fazer esse exercício. Acontece que os últimos sucessos dizem bem da dificuldade em fazer como na epifania se revelou ao senhor secretário de estado. E por isso a minha proposta é inverter o esquema teoricamente virtuoso e ensaiar o seu contrário. A ideia é matar as células gordas à fome já que o corpo não se livra delas por mero querer ;)

Pinho Cardão disse...

Tem toda a razão o Ferreira de Almeida. O primeiro método já se viu que não resulta.
Só me lembro de um episódo, o dos Governadores Civis. Alguém se lembra que fazem falta?

jotaC disse...

Bem lembrado, caro Drº Pinho Cardão...

Joao Jardine disse...

Caro JMFAlmeida

Pessoalmente, considero que uma abordagem pragmática é a mais adequada, por isso a forma como coloca a questão não resolve o problema e, será sempre difícil obter consenso alargado e é pouco flexível.
A pergunta correcta será: o que (produto e serviço) estamos de acordo em pagar através dos nossos impostos?
Se reparar, desde que se tenha o consenso sobre o financiamento, será sempre mais fácil encontrar a solução mais adequada para fornecer o produto ou serviço; na sua abordagem já é mais complicada.
Repare, pessoalmente entendo que, dado o nosso tamanho, a educação é um serviço que deve ser público; mas o fornecimento do serviço não tem porque o ser.
Infelizmente, o governo opta por uma metodologia que não permite ter a flexibilidade que, o mundo actual assim o exige.
Cumprimentos
joão

Tonibler disse...

Não consigo entender o que é que as funções têm que ver com a despesa. Alguém está a pedir Lamborghinis? Está a pedir-se serviço. Façam-no. Não entendo o que o dinheiro tem a ver com o assunto.. Se é para reduzir a depesa reduz-se os salários.

Arnaldo Madureira disse...

Não se reduz os salários. Corta-se a totalidade dos salários.

Pinho Cardão disse...

Caro Joãop Jardine:
Diz que "a educação é um serviço que deve ser público; mas o fornecimento do serviço não tem porque o ser".

Não posso estar mais de acordo; só faria uma precisão; a educação é um serviço que tem que ser assegurado pelo Estado, mas a prestação concreta do serviço não tem de o ser.
Deve sê-lo, acrescento eu, por que faça melhor e mais barato. Para que não restem dúvidas: MELHOR E MAIS BARATO.

Tonibler disse...

Há o caso de Arruda e de Manique a demonstrá-lo. Claro que nas contas do sindicato chama-se gastar dinheiro com privados....

Stoudemire disse...

V. Exas., que percebem mais do assunto do que eu e alguns estão / estiveram perto do Poder político, expliquem lá o que são 13 mil milhões de euros destinados a «Despesas excecionais».

Por outro lado, para que são mais de 3 mil milhões de euros para o PR e a AR?

E mais de um mil milhão de euros para comunicações e transportes? Porra, o PR não viaja... Quem sobra? Ah, só se for o Portas.

Meus amigos, se cortarem 500 milhões aos telemóveis e popós de deputados, ministros e outra tralha e 1, 5 mil milhões ao PR e à AR, já temos 2 mil milhões, o equivalente ao corte dos SF e SN dos FP. E naqueles 13 mil milhões (!!!) dedicados às despesas excecionais, não se pode cortar nada?

E as empresas públicas do Estado? Estou a pensar nas metros, carris, etc.?

Há, de facto, muita gordura no Estado, só que muita gente quer é uma espécie de vingança contra o FP. E, a bem dizer, muitos deles já deveriam estar no desemprego há décadas, pois são péssimos funcionários. No entanto, a treta da avaliação de que toda a gente falava e reclamava há um par de meses, em muitos casos, ao ser implementada, veio premiar os mais relapsos. Por exemplo, em serviços como os da Justiça, quem recebe as classificações mais elevadas são os que estão à bica para subir na carreira.

Vá lá que as carreiras estão - e estarão - todas congeladas «ad aeternum».

P.S. Graças a Deus, ao Diabo, ou à Natureza simplesmente, chove torrencialmente. De outro modo, a agricultura entraria em colapso. Por exemplo, a castanha está a render muito abaixo do habitual, pela falta de chuva no seu devido tempo.

O que percebe a menina Cristas disto? ZERO!

Jorge Lucio disse...

Caro Tonibler,

Também há o caso da Autónoma... e o da Independente...

Quanto à escola da Arruda, o que me foi contado por locais é que será uma escola de qualidade. Mas também questionavam ver o Estado (sim aquele monstro de que fala em todos os seus posts) a dar perto de 100 mil euros/ano/turma a uma privada para os meninos terem aulas de equitação...

Longe de mim defender o nivelamento por baixo, mas será discutível a definição destas prioridades. Porque não pagam os Pais?

Especialmente quendo em visita a Manteigas soube que a escola secundária local ia fechar. Quem conheça os locais, que compare fazer 10 km de Arruda a VF Xira, com os 40 km de Manteigas para Guarda.

Tonibler disse...

São 80. Mas se pensar que no estado são 10 alunos por professor significa a que cada turma tem 3 professores full time. O que significa que o custo é muito inferior (lembre-se que 50% do custo é reabsorvido pelo estado em impostos sobre o trabalhador) pelo que 90 mil deve dar cerca de 70% do custo no estado. Com resultados muito superiores. Não conheço o caso de Manique mas sei que boa parte da população da terra vem disso.

Joao Jardine disse...

Caro Pinho Cardão

Queria apenas frisar que, a educação é apenas um exemplo; o mesmo se pode aplicar a outros serviços e produtos que são disponibilizados pelo estado, como a saúde, por (outro) exemplo.
Não se trata, nem de privatizar a saúde, nem de acabar com o SNS.
Dos serviços ou produtos os que é culturalmente complicado autonmizar o financiamento do fornecimento, encontra-se a defesa e a justiça. Nos restantes serviços/produtos é perfeitamente possível autonomizar o financiamento do fornecimento; com esta autonomizaão consegue-se um sistema que permita manter o financiamento sob controle, algo que, o passado recente, vem demonstrando não é possível realizá-lo no sistema actual.
Não queria terminar sem fazer notar que a solução que eu preconizo só é eficaz se se reunirem duas condições
primo que a entidade que financia é completamente autónoma da que fornece o serviço;
secundo que a entidade financiadora assegure a cumpra o montante a financiar pelo período de, pelo menos cinco anos;
Para termos mais hospitais empresas ou parque escolar, basta os que já temos.
Cumprimentos
joão

Guilhotina disse...


e o que dizer dinheiro do estado aos partidos políticos? e o gasto em eleições? poderíamos poupar muito dinheiro!

Anónimo disse...

Estou de acordo, Bonaparte. Como alguém dizia há dias, a democracia é um regime caro. Não precisa, no entanto, de ser de luxo. E os desperdícios com as campanhas eleitorais são, no atual contexto mas também fora dele, verdadeiramente chocantes.

Unknown disse...

Só o esquecimento do que é ser professor pode explicar a defesa de autonomizar o financiamento do fornecimento em educação. O Estado deve assegurar a autonomia do professor para que este possa cumprir do forma independente a sua função, doa a quem doer. Por vezes dói aos pais, outras vezes aos alunos, outras vezes ainda à direcção e aos pares. Paciência. Fundamentando aberta e publicamente a sua actuação, um docente deve usufruir da autonomia científica e pedagógica reconhecida no Estatuto da Carreira Docente para levar a bom termo a instrução dos seus alunos.
O «esquecimento» do ser professor é de tal ordem que corro o risco de ser imediatamente apelidado de sindicalista (nos tempos que correm, parece constituir um insulto).
Vejamos, em traços largos, o que o interesse em fazer da educação mais um negócio excretou de desvio de atenção. De um modo geral, todos os aspectos que serão referidos, tendem a obliterar propositadamente a centralidade do ensinar e do aprender que ocorre entre o professor e o aluno, relação sem a qual pura e simplesmente não há escola - o resto, director, associação de pais, sindicatos, direcções regionais, instalações físicas da escola, livro de ponto, etc. é acessório.
1. Começemos pela banha da cobra do director como representante da escola. Não representa coisíssima nenhuma pois não foi eleito directamente por quem e apenas por quem pode responder pela qualidade do ensino: os professores. A escola deve ser, nesta idade das trevas educativa, a única instituição pública governada maioritariamente (com capacidade de decisão em questões técnicas, como a aprovação do plano anual de actividades) pelos seus potenciais utentes. Para avaliar a dimensão do escândalo, perpetrado quer pelo socialismo pro rich quer pelos traidores da social-democracia, imagine-se os potenciais utentes de um hospital integrarem o seu orgão máximo de gestão, em maioria, e priorizarem determinados procedimentos cirúrgicos. Só será legítimo responsabilizar os professores pela sua actuação e pelos resultados da sua escola se forem eles a escolher quem dirige a escola (são os mais qualificados para fazer essa escolha).
2. O mito do Projecto Educativo, que os «cientistas» da educação, entreabençoando-se, elegem como condição sine qua non da escola respondente aos novos desafios da sociedade (estes fiéis adoram esta retórica dos novos desafios, esquecendo que «a carne nova come-se com velhos garfos»). Em rigor, o PE não serve para nada. No dia-a-dia do fazer docente nem sequer existe. E em boa verdade, o que é que dá bom nome a uma instituição educativa, universitária ou não? Não é o Projecto Educativo. Países em que funciona o mercado de transferências de docentes, como nos EUA ou no Reino Unido, são os professores A, B e C que constituem a mais-valia dessas instituições. O PE é apenas mais um desvio de atenção ao justo reconhecimento da importância do professor e uma desculpa para fazer entrar em cena outros poderes que não cuidam da escola pública: município, associação de pais e encarregados de educação, supostos representantes dos interesses da região, e outros exemplares do Portugal profundo (uma coisa é participar na escola, outra coisa é constituirem maioria de poder no orgão máximo da escola).

Unknown disse...

3. A avaliação do desempenho docente. Não visa o aperfeiçoamento do sistema e dos professores mas apenas a sua subjugação. O cerne desta avaliação radica no seu segredo: sob a desculpa da protecção da privacidade do docente, o avalidor fica imune à fiscalização dos avaliados. A arbitrariedade (que, deste modo, facilmente suplanta o poder discricionário) silencia o professor, diminui a independência da sua actuação e uniformiza procedimentos. Como a selecção do avaliador assenta em critérios de antiguidade e não de competência científica, objectivada em graus académicos e em publicação de trabalhos, é o âmago da função docente - a de tramsmitir conhecimento - que é vilipendiada. Como é que é possível, na indústria do saber (o valor mais precioso da contemporaneidade), que alguém com mais qualificação académica seja avaliado por outrem com menor qualificação (num país em que o chefe de Estado coma os testículos dos seus adversários políticos ainda se entende, mas no Portugal europeu)? Nem sofrendo um duro golpe da CADA (Comissão de Acesso a Documentos Administrativos) e dos tribunais administrativos, decidindo que a avaliação de desempenho não é um documento nominativo e que, portanto, o seu conhecimento deve estar acessível a quem o solicitar, parece fazer estremecer o passo a esta avaliação-confissão. O ME teima em atrasar o cumprimento das decisões dos tribunais nesta matéria. É a «indesejada» transparência de toda a avaliação da administração pública que está em causa.

Unknown disse...

4. A inexistência de um estatuto profissional único da carreira docente, desde o pré-escolar ao universitário. A manutenção de um fosso entre ensino universitário e pré-universitário, reservando o reconhecimento do saber apenas aos primeiros, degrada a função docente de todos os professores em todos os níveis de ensino. Desde logo, o prestígio da actividade docente não decorre da qualidade dessa própria actividade, sem complexos, mas de aspectos exteriores ao próprio saber. Na Finlândia, é altamente prestigiante ser professor no 1.º ciclo, o qual mantém um contacto permanente com a universidade ao longo da sua carreira, coadjuvando teorica e praticamente na formação de novos docentes.

Todos os aspectos focados contribuem para a degradação da figura do professor, com o intuito de justificar a correspondente degradação do custo da sua actividade e a privatização da gestão e funcionamento das escolas públicas. A procissão anual dos rankings das escolas vai nesse sentido, mascarando de cientificidade leituras de um senso comum orientado. Esquecem, por exemplo, que as escolas com contrato de associação não atingem um desempenho superior ao das escolas públicas (pois também são obrigadas a aceitar todo o tipo de alunos); que há várias escolas públicas com notas máximas superiores às notas dos melhores colégios privados, cotados a nível nacional (o que prova que essas escolas públicas souberam potenciar a excelência nos melhores alunos, sem excluir os mais desfavorecidos, ainda que, com isso, a média global diminua).
Mas nada disto conta para a sofreguidão do negócio educativo e das clientelas à espera de lá entrar - mesmo que isso implique a destruição do que de excelente se faz na escola pública, com os restos de uma gestão democrática que ainda se faz sentir e com os restos de um concurso público nacional que coloca os professores melhor qualificados nas escolas públicas.

Joao Jardine disse...

Caro Robert Musil

Uma parte substancial do leite consumido em Portugal é-o realizado de uma forma gratuita pelo consumidor final. Uma parte do financiamento do consumo é com dinheiro público oriundo de impostos, outros de contribuições privadas.
O leite e a educação são dois produtos de primeira necessidade. Porque será que, no caso do leite ninguém considera necessário nacionalizar a cadeia de valor do mesmo e, na educação, uma parte da população considera necessário manter toda a cadeia de valor nacionalizada?
Por isso, os seus comentários, em minha opinião são laterais à questão central.
Cumprimentos
joão

Tonibler disse...

Caro Robert Musil,

Isso que está a dizer deveria levar à completa privatização do professor que poderia ser pago em função dos alunos que tivesse. Eu não seria tão radical...

Unknown disse...

Dos objectos referidos, o «produto» educação, ao contrário do «produto» leite, envolve directamente agentes pensantes e volitivos. E isso faz toda a diferença. A relação leite-consumidor não é da mesma natureza que a relação professor-aluno. A dimensão simbólica desta última faz toda a diferença quando ponderamos sobre a não coincidência do financiamento-fornecimento. Desconhecer esta diferença de produtos é verdadeiramente passar ao lado da questão.

Unknown disse...

Além disso, a cadeia não está toda nacionalizada. Um Estado de Direito democrático reconhece a pluralidade na educação. Não pode é aceitar uma fragmentação tal dessa pluralidade que ponha em causa o direito da República em assumir um papel substancial na educação, para além de canalizar o dinheiro dos impostos.

Ctos.
O homem sem qualidades

Unknown disse...

Caro Tonibler

Antes pelo contrário. Pelo seu modo de contratação de recursos humanos, a privada não garante a independência e a serenidade do exercício da docência. Antes desempregado do que professor castrado. É uma contradição nos termos.
A escola pública deve é livrar-se de uma tutela que a quer destruir há mais de vinte anos. Traem o juramento logo na tomada de posse do cargo, pois nunca tiveram a intenção de valorizar a escola pública. A universidade pública conseguiu resistir graças à autonomia. às escolas impingiram-lhes a autocracia... Temos tido deputados e oitavos de chefe das estruturas centrais e regionais do ministério da educação com interesses pessoais na privada.

Joao Jardine disse...

Caro Robert Musil

Esclarecimento
No meu comentário "passou-me" o advérbio quase. Nesse sentido, agradeço a sua precisão. A cadeia de valor da educação não está toda nacionalizada.

A diferença educação-aluno e leite-consumidor em termos puramente económicos apenas tem efeitos directos no preço que pago. Um é mais caro do que o outro por isso, dos meus impostos 13% vão para a educação e,possivelmente, menos de 1% para o leite social. E, um é mais caro do que o outro, porque utiliza materiais intermédios mais caros. (Estou a utilizar o exemplo educação mas, o mesmo serve para a saúde).
Mas isso não afecta, isto é, não modifica ou altera o financiamento do produto (isto é o modo -impostos) nem impede (ou limita) que o fornecimento de ambos os produtos seja (só) privatizado,(só) cooperativizado ou (só) estatizado.
Nesse sentido, para a nossa sociedade, ambos produtos, são essenciais e, não vejo porque o fornecimento do mesmo não possa ser realizado do mesmo modo.
O "simbólico" e a "relação entre agentes pensantes e volitivos" apenas torna o produto final mais caro, não altera a necessidade de dos mesmos.
Já sobre o direito da Republica de assumir um papel substancial na educação deixe-me dizer que, aquela, já o faz, porque, como afirmo acima, 13% dos meus impostos vão para a educação e, pago isso não porque seja um direito mas, porque, a educação é um bem de primeira necessidade e porque o partidos de turno no poder assim o consideram.
Cumprimentos
joão

Tonibler disse...

Então lá terá que ser desempregado. Temos pena.

Unknown disse...

Caro João Jardine

Insiste na absolutização do discurso económico, subtraindo à esfera do político, o que lhe é devido. Dramaticamente, essa menorização do político já aconteceu antes, na história. Com Marx e com o marxismo ortodoxo, as alienações políticas não passavam de um reflexo das alienações económicas. A ausência de uma reflexão política autónoma deixou o campo livre ao experimentalismo político, incluindo o totalitário.
Hoje, com a constituição de um mercado internacional e com a mundialização da organização do trabalho, a exaltação de um discurso puramente económico surge a muitos como inevitável e até suficiente. Trata-se, no melhor dos casos, de uma fase juvenil do pensamento, saciada com o poder unificador da realidade complexa a partir de umas quantas ideias mais simples (na aurora do pensamento ocidental não é que Parménides negou a realidade do movimento à frente dos seus olhos, fiel à razão que o impelia a identificar o Ser com o Mesmo. Só o ser é e o não ser não é. O que se move não permanece idêntico a si próprio e por isso não é).
Urge, contudo, ultrapassar rapidamente esta adolescência do pensamento neoliberal e uma certa arrogância que o acompanha, se quiser sobreviver a si próprio. Se o pensamento neoliberal tiver pernas para andar, se for fecundo (e não uma simples doença ideológica, um crime contra a Humanidade), haveria de encontrar no seu processo de unificação conceptual a necessidade de se articular com conceitos provenientes de outras áreas das ciências e do pensamento - a interdisciplinariedade como condição de aprofundamento de novas especializações e unificações.
De outro modo, o «económico» não conseguirá responder à insatisfação do homem contemporâneo:
1. Uma sociedade que se define prioritariamente em termos económicos é uma sociedade de luta, de competição, em que a maioria dos indivíduos se vê impedida de aceder aos frutos do seu trabalho. O sentimento de injustiça suscitado pela racionalidade económica vigente potencia a insegurança das pessoas entregues à mecânica social.
2. A organização tecnicamente racional do trabalho na actual economia é vivenciada como humanamente insensata. Não encontrando sentido na organização social do trabalho, as pessoas procuram sentido fora do trabalho, nas comunidades históricas concretas que a mundialização da economia procurou dissolver.
A dimensão imprevisível e não controlada da actual contestação política nasce deste divórcio perpetrado pelo económico em relação ao político.

Joao Jardine disse...

Caro Robert Musil

Primo: o ponto essencial que quero apresentar reside exatamente no político: porque será que duas realidades economicamente, equivalentes têm um tratamento político diverso?
Era importante notar este ponto de modo a levar as pessoas a analisar por este ângulo porque, numa sociedade com natalidade declinante e compromissos futuros incrementantes, a eficiência económica no fornecimento de produtos públicos é uma questão de vida ou de morte.
Secundo: o totalitarismo não é um experimentalismo mas o triunfo da ralé. (Por todos Hanah Arendt).
Terzo: o liberalismo económico exige escala, algo que os membros locais dessa "seita" não percebem.
Veja bem, Portugal tem o tamanho de uma cidade grande e ninguêm, nem mesmo os membros da "seita" defende que a Câmara Municipal deva desaparecer; mas já estão à espera que custe o menos possível.
Por isso, em França, Alemanha ou nos EUA, serei liberal mas, nunca, em Portugal, Austria ou Dinamamrca.
Se a Autoeuropa sair de Portugal será uma tragédia económica, social e política; foram necessárias quase 10 Autoeuropas estarem na eminência de fechar para o Governo federal dos EUA agir.
Quattor: no planeta em que vivo em especial na região em que me encontro, o que tenho pela frente é uma sociedade em permanente envelhecimento sem que se encontrem asseguradas as necessárias condiçoes de sustentabilidade futura; por outras palavras, uma sociedade de velhos crescentemente dependentes da caridade ( e da compaixão) das gerações futuras.
Quinque:na região do planeta em que vivo, o divórcio reside no facto dos eleitores se terem dado conta, apesar dos avisos que se foram dando ao longo de mais de duas décadas, que as promessas dos políticos que elegeram são incumpríveis e/ou irrealizáveis.

Cumprimentos
joão

Unknown disse...

Caro, caríssimo

Porque são politicamente diversas! E não o reconhecer, como tem acontecido, traduz enormes perdas de eficiência.
A acção concertada de décadas contra a escola pública, obriga a um esforço suplementar por parte dos seus professores, ao nível da intervenção cívica e do esclarecimento, com meios muito menos amplos de expressão, para além do esforço quotidiano da docência. A título de exemplo, a procissão anual dos rankings, intelectualmente pouco séria, a par da imposição da degradação das condições de aprendizagem (aumento de alunos por turma em relação às privadas, por exemplo), é bem ilustrativa. Os poderosos meios de comunicação repetem à saciedade que as privadas, por terem melhores resultados num ranking absoluto são melhores escolas. A inferência é falaciosa, mas quando as famílias tiverem o cheque-ensino na mão é para lá que vão correr - um mentira mil vezes repetida torna-se verdade. Ignora-se que o percurso dos alunos na universidade pública é idêntico, em termos de aproveitamento, independentemente da proveniência ser pública ou privada. Uma coisa é o behaviorismo dos exames, outra coisa é a prendizagem de saberes estruturantes. Ignora-se que há várias escolas públicas com notas máximas superiores às notas máximas dos «melhores» colégios privados (a média global desce, pois a amplitude do que se analisa é maior na pública - o que, longe de constituir um defeito, evidencia que a escola pública é capaz de fazer sobressair a excelência ao mesmo tempo que pratica uma política de inclusão).
Tudo isto (e muito mais poderia ser relatado nestes 30 anos de patifaria) nos leva ao pouco eficiente e nada louvável «espírito de iniciativa empresarial» de lucros assegurados à partida. Há em Portugal um conjunto de calaceiros, frequentadores de universidades de verão, que nada produz mas que se especializou em viver à custa do Estado. Esta dependência é disfarçada, desprezando publicamente a manjedoura em que se alimentam e louvam a coragem que não evidenciam. Em vez de produzir riqueza, acrescentando à riqueza existente, pretendem destruir o que existe - neste caso, a escola pública - para, à custa da patifaria mais mentirosa, desviar o dinheiros dos impostos em seu proveito. Utilizam profusamente jargão economês (não será o caso de V. Exª) para disfarçar uma «aprendizagem» aturada de equivalências.
Só num país suicidário se avilta tanto aqueles que têm a missão de nos ensinar - que é o único ouro negro que temos. Em mais nenhuma profissão conheço blogues criados para desfazer de um conjunto de profissionais (profblog).
Só uma ideologia sem futuro, que não reconhece nenhum poder a não ser o do dinheiro, pode nutrir tamanho o ódio à independência alicerçada apenas no capital do conhecimento. Engasgados com a independência dos juízes, envidam todos os esforços para que não sobrevivam outras esferas de influência.
E, depois, sentados no saco do dinheiro, onde enterramos a cabeça, já que das estrelas não queremos saber?
Conta-se que Ludwig van Beethoven retribuiu o cartão de visita do seu irmão, rico «Proprietário de terras» (era assim que se apresentava) com um guardanapo manuscrevendo o seguinte: LvB, proprietário de um cérebro.