Senhora Dr.a Joana Marques Vidal:
Os mandatos do seus antecessores decerto a fizeram já refletir na tarefa que a espera após tomar posse como Procuradora-Geral da República.
Nas últimas horas deve ter recordado, em especial, as palavras ditas nestes dias por quem a precedeu no alto cargo que vai, por reconhecido mérito, ocupar. O senhor Juiz Conselheiro Pinto Monteiro entrou, como V.Exa, com a vantagem de uma longa carreira de magistrado, alicerçada num prestígio sólido e inquestionável e da conhecida sageza e prudência na aplicação do Direito. Não lhe faltava, igualmente, mundo. Conhecia a máquina da justiça por dentro, as suas virtudes, as suas crónicas maleitas. Ele, que foi um dos pioneiros do movimento associativo dos juízes, tinha do seu lado a vantagem de perceber o que move os sindicatos e as corporações. Na hora da despedida, percebeu-se que o conhecimento jurídico, a experiência, o mapa que possuía de todos os interesses instalados e dos que se querem instalar ou reforçar, não foram bastantes - se não percebi mal -, para que o balanço do mandato pudesse ser julgado, pelo próprio, como positivo ou pelo menos satisfatório. Se bem alcancei o sentido da derradeira entrevista, sentiu-se até ao fim manietado por um estatuto que equipara o Palácio de Palmela ao de Buckingham, comparando-se com a rainha coabitante com os que verdadeiramente mandam na procuradoria, o conde, o visconde, a marquesa e o duque que quis identificar somente pelos títulos vitalícios.
Agora é a sua vez, Dra Joana Marques Vidal. O palácio é o mesmo. Conhece-o bem. Conhece os pares vitalícios e inamovíveis desse reino que foi sempre o seu. Conhece os sindicatos. Acompanhou seguramente atenta e preocupada as tristes vicissitudes por que passou a instituição nos últimos anos. Sabe que a Justiça não existe para satisfação de vaidades pessoais (a começar pela vaidade de quem teoricamente define as opções políticas que a vão condicionar) ou dos interesses das corporações que a tomaram de assalto.
Eu, e tantos como eu que vivem diariamente mergulhados neste mundo da justiça, espero porventura demais de V.Exa. Mas o muito que espero é fundamental. Espero que não se conforme com os crimes que adentro do sistema se toleram e, mais grave do que isso, se praticam. Espero que nunca alije a responsabilidade primeira de um Procurador-Geral,
lutar com independência e com coragem pela inviolabilidade da lei democrática e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Espero que nunca diga que existem escutas ilegais mas que não se consegue perseguir quem as faz. Espero que nunca se canse de defender o segredo de justiça enquanto a lei o tiver na conta de valor, e não encolha os ombros sempre que é violado por quem o deveria proteger. Espero que também diga, como o Dr. Pinto Monteiro o disse no final do seu mandato, que a justiça não se faz na rua nem nos jornais e TV, e para isso não caia na tentação de alimentar as correntes especulativas sobre casos que só existem para vender publicidade ou destruir reputações, servindo interesses que inteligentemente se escondem e que sabem que as luzes da ribalta tantas vezes fazem esquecer ao mais prudente e sensato, que o silêncio é de ouro. Espero que esteja convencida que o problema não está normalmente na lei, que carece de estabilidade, mas muitas vezes nas motivações e na falta de conhecimento, de capacidade ou de vontade de quem tem por missão aplicá-la. Espero em suma que, num País em profunda crise das instituições, V.Exa contribua para a reabilitação que tarda.
Por tudo isto, e por muito mais que aqui não cabe, lhe desejo, sinceramente, a melhor das sortes.
6 comentários:
Esta síntese, poderia com inteira credulidade, ser o discurso de emposse, proferido pelo Sr. Presidente da República...
Se houver bom-senso, a sorte chega por acréscimo...
1.Esta coisa dos juristas se babarem antes do trabalho...
2. Que tenha consciência que Não Há Dinheiro. Que tenha consciência que antes do DIREITO há a realidade e o valor. Que tenha consciência que o discurso dos direitos era exteriorizado quando o crescimento do PNB era superior a 2,5% (e mesmo assim, o Ocidente endividou-se)...
3. Por último, não se curve ao mediático, lugar da "média" nacional", num país sofrível.
Parabéns ao Drº Ferreira de Almeida, pelo amplo destaque que este post mereceu ontem na televisão, projetando ainda para maior sucesso o 4R.
Subscrevo inteiramente, mas, se permite, quando escreveu "não caia na tentação de alimentar as correntes especulativas sobre casos que só existem para vender publicidade ou destruir reputações, servindo interesses que inteligentemente se escondem e que sabem que as luzes da ribalta tantas vezes fazem esquecer ao mais prudente e sensato, que o silêncio é de ouro", eu substituiria "que inteligentemente se escondem", por "que manhosamente se escondem", formulação que me parece mais conforme com a realidade.
Desculpe a ousadia.
Eu,um simples operário emigrante na Holanda desde 1964 e já velho(88anos) digo simplesmente o seguinte:
-A Justiça de olhos vendados,
por vezes não «vê» a razão,
e tomando errada decisão,
faz dos inocentes,culpados.
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