Número total de visualizações de páginas

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Vítor Gaspar e Hernâni Lopes: tudo diferente, tudo igual

É bom lembrar, porque anda esquecido, que as medidas de austeridade tomadas por Mário Soares e Hernâni Lopes em 1983, no âmbito do Programa do FMI, foram bem mais gravosas do que as medidas agora em curso. Tanto mais gravosas que a própria proposta de aumento da TSU para os trabalhadores em 7% e a sua redução para as empresas, e que tanta contestação gerou, seria uma medida suavíssima no contexto das medidas aplicadas na altura.  
Em 1983, os cortes directos nos salários e no subsídio de Natal e o aumento de impostos, para além do congelamento de admissões na função pública equivaleram-se tendencialmente nos seus efeitos às medidas similares actuais. Para além disso, a desvalorização do escudo em 13% diminuiu substancialmente, e por si só, o poder de compra já de si abalado pelo corte nos salários. Mas aconteceu ainda que os salários reais tiveram ainda uma outra diminuição drástica de cerca de 12% em 1983 e 1984, pelo efeito inflação. Porque os aumentos salariais verificados não acompanharam a inflação, que atingiu os 30%, tal levou a uma transferência de fundos dos trabalhadores para as empresas, já que estas, através da inflação iam fazendo subir o preço dos produtos. Transferência essa em tal montante que torna ridículo o montante agora proposto pela TSU. A inflação da altura criou assim uma colossal ilusão monetária e, porque ilusão, razoavelmente aceite por todos, ao contrário de agora.
Mas se, no primeiro momento, a crise se acentuou, a economia entrou em recessão, os despedimentos aumentaram e o desemprego subiu em flecha e a fome apareceu, as medidas tomadas vieram rapidamente a melhorar o mercado de trabalho  e o emprego cresceu, a diminuição dos custos  empresariais levou a maior competitividade e aumento das exportações, no fim, a uma reactivação da actividade económica.
A grande virtude da política então seguida foi a de uma actuação fulminante. O que havia de ser feito foi feito de uma vez e de forma instantantânea. Foi possível fazê-lo graças ao génio (também incluindo mau feitio) do Ministro Hernâni Lopes, com o apoio do 1º Ministro, Mário Soares (e aqui reconheço-lhe mérito) e à cooperação do PSD que, num governo maioritariamente PS, deu suporte às medidas de austeridade tomadas. Por isso, em muito pouco tempo, as medidas mostraram a sua eficácia e o país saiu da difícil situação em que se encontrava.
Diferentemente de agora, em que o Partido Socialista se compraz em criticar toda e qualquer medida, sem apresentar uma única alternativa que dependa do Governo, e acusando-o até de não tomar as que única e exclusivamente dependem de terceiros, da União Europeia ao BCE.
Também, e ao contrário do que Mário Soares fez em 1983, o PS vai insistindo em prolongar a crise por mais tempo, como se esse prolongamento não trouxesse ainda mais austeridade.
Critica-se o Ministro das Finanças. E eu também. Mas não creio que se Hernâni Lopes fosse hoje o Ministro das Finanças tomasse medidas muito diferentes das de Vítor Gaspar. A não ser ter obrigado o 1º Ministro a diminuir mais rapidamente a despesa pública.

 

15 comentários:

Tonibler disse...

Sim, caro Pinho Cardão. Mas havia duas diferenças substanciais. Uma, como bem refere, é o corte automático dos ordenados em pensões da função pública por impressão de papel moeda. Outra a existência de um PR que, em respeito pela soberania popular que jurou defender, permitiu que isso acontecesse. Embora, como diz bem, os efeitos para os funcionários públicos fossem equivalentes a cortar salários em 40%, devemos sublinhar que o actual presidente da república não permitiu sequer esses 7%. Aquilo que seria o ajustamento automático da economia para o sector privado (como se existisse economia fora do sector privado...) foi truncado pelo actual processo revolucionário em curso. A diferença entre Hernâni Lopes e Vitor Gaspar é a existência de um presidente da república de inspiração soviética.

Tonibler disse...

...digo eu, aqui da Praça Afonso de Albuquerque...

Carlos Monteiro disse...

Caro Pinho Cardão,

Mais uma vez a governação de Mário Soares. Algo sempre muito actual...

Mas eu acrescentaria às suas palavras, que graças a Mário Soares, um político, coisa em falta agora, havia objectivos na sociedade portuguesa; havia a permanente "luz ao fundo do túnel", havia a CEE como objectivo... Havia um discurso motivador e havia competência em Hernani Lopes. E isso só um político consegue.

Não compare Mário Soares a Seguro. Compare-o a Passos Coelho. Pensando melhor, não compare também. Não há comparação possível...

Jorge Lucio disse...

Caro Pinho Cardão,

Anoto as suas expressões "actuação fulminante" e "feito de uma vez", que é dos livros desde, pelo menos, Maquiavel.

Uma grande diferença deste Governo e dos de Sócrates para o Governo do Bloco Central é que vamos andando de PEC em PEC, ou de OE recessivo para OE recessivo, sem perceber que caminho trilhamos, ou onde queremos chegar.

E o Governo não era "maioritariamente do PS". Era uma coligação PS/PSD em que, honra lhe seja feita, o Prof. Mota Pinto percebia o que estava em causa, ao contrário do que Paulo Portas evidencia.

E sobre o post do Carlos Monteiro, sobre a competência e definição de objectivos, acrescento outra diferença: coragem. Manobra política ou não, Mário Soares "levou" na Marinha Grande; os de hoje escondem-se no pátio interior da Câmara de Lisboa.

Não me considero saudosista, mas qualquer comparação com esses tempos...

Suzana Toscano disse...

Caro Pinho Cardão, uma das reconhecidas dificuldades da situação actual é precisamente a ausência desses mecanismos "fulminantes" e não é só por cá, pelos vistos os teóricos destas medidas também têm a maior dificuldade em avaliar o seu real efeito. Outra grande dificuldade é que essas tais medidas fulminantes eram transversais, atingiam todos, não dando margem a decisões cirúrgicas, a demagogias e a avaliações de justiça fiscal que, obviamente, dão origem a reacções. Não vejo que possa comparar-se nem presumir que é possível "reconstituir" os efeitos da inflação ou da desvalorização da moeda com essa precisão. Além disso, as consequências que tira sobre o efeito das decisões de 83 na recuperação económica omitem o contexto, não sei se é possível estabelecer com essa certeza uma relação causa-efeito. E não havia crise nenhuma de financiamento bancário, nem endividamento total das famílias e das empresas, do mesmo modo que não havia praticamente despesas de protecção social, a começar no sistema de pensões e a acabar nos subsídios múltiplos de apoio na pobreza, como não havia cobertura de saúde, ou de educação, e muitos outros benefícios que hoje são considerados parte integrante da capacidade competitiva de um País.

Pinho Cardão disse...

Caro Tonibler:
É muito injusto para com o Presidente da República. No que à função pública respeita, bem ou mal, o Tribunal Constutucional é o único responsável.

Caro Carlos Monteiro:
Um homem não tem só defeitos. Mesmo que seja Mário Soares...
Mas Mário Soares devia ter vergonha de dizer o que diz, quando praticou medidas tanto ou mais "gravosas", mas necessárias, e sofreu, por isso, o que sofreu.
No mínimo, devia calar-se.

Pinho Cardão disse...

Caro Jorge Lúcio:

Bom, então quer dizer que a actuação fulminante de Ernâni/Soares foi uma actuação maquiavélica? Creio que não, mas, se foi, deu resultado. Em pouco tempo.
Diz que Mário Soares "levou" na Marinha Grande; mas isso foi depois, na Campanha para as Presidenciais. E fazer qualquer ligação do facto às Comemorações do 5 de Outubro é uma lástima. Aliás, o próprio António Costa explicou, mas mal passou nos telejornais, que as Comemorações eram feitas no Salão Nobre da Câmara e só nos últimos anos na Praça do Municipio. Aconteceu que as condições de chuva, vento ou temperatura deram lugar a muitos protestos, pelo que decidiu que deviam ser feitas no novo Espaço do Pátio da Galé. Só isso.

Tonibler disse...

... que repetiu exactamente aquilo que o PR disse antes (após 6 anos de silêncio em que o Teixeira dos Santos andava a ser apanhado pelo Eurostat a meter dívida debaixo do tapete). E, que se saiba o TC não emitiu qualquer opinião sobre os 7% e sobre a TSU. Foi apenas o PR, por interpostas pessoas, e até chegar ao ponto de chamar ao soviete supremo o ministro rebelde que teve a coragem de tentar ultrapassar a decisão do TC. Este ponto da história, que deu origem à divisão do país e vai dar origem ao fim da república portuguesa, não vai ser reescrito caro Pinho Cardão, naquilo que depender de mim. E é este o ponto fundamental de diferença entre as duas situações, Hernâni Lopes não teve que lutar contra o estado português ao mais alto nível.

Pinho Cardão disse...

Cara Suzana:
1. Claro que há sempre dificuldade em avaliar os efeitos. Nesta matéria não funciona a matemática. Mas é possível prever que algumas medidas têm grande probabilidade de resultar, enmquanto outras não.
2. Para o que se pretendia na altura, as medidas tomadas tinham alta probabilidade de resultar. E resultaram.
3. Foram medidas de guerra, potentes, confluentes e adicionais umas às outras. Queira-se ou não, o reajustamento e a competitividade foram assegurados por diminuição do poder de compra e cortes nos salários por 3 vias: cortes directos, cortes indirectos por desvalorização da moeda, cortes indirectos pelo desvio entre a inflação e os aumentos nregocias.
4. Queira-se ou não, este último procedimento equivaleu a uma transferência de fundos dos trabalhadores para as empresas.
5. E havia uma fortíssima crise de financiamento bancário. Na altura, os juros ultrapassavam os 40%, nas letras eram pagos à cabeça e havia os plafonds de crédito. Era uma dificuldade o acesso ao crédito, muito pior do que hoje. Lembro-me bem desse tempo.
6. É facto de que existe causa-efeito no que respeita à recuperação a partir das medidas tomadas. Tanto houve, que, na realidade, resultaram.
7. Nas actuais circunstâncias, em que não é possível desvalorização, nem há inflaçlão, o instrumental teria que recorrer a outra medidas, mas que produzissem o mesmo efeito.
8. Como o efeito ilusão monetária não se poderia dar face ao ponto anterior, as medidas não podiam ser apresentadas tecnocraticamente, tal como foram. Tinham que ser bem "vendidas", bem embaladas, para que o produto fosse aceite. Tinham que ser estruturadas politicamente, porque um governo não é de tecnocratas, é de políticos.
9. Masd por melhor embaladas que fossem, e não foram, gerariam contestação, agora ampliada por uma comunicação social que não havia em 1983.
10. E porque já vou no ponto 10., termino, crendo que Ernâni Lopes não faria muito diferente do que agora goi feito. Teria até sido brutal. Numa da suas últimas entrevistas, e perguntado sobre a matéria, disse que diminuía da noite para o dia, e sem qualquer aviso prévio, o salários dos funcionários em 30%. O que significa que, àparte o que já não podia aplicar, faria exactamente como em 1983. O meu post, sujeito naturalmente a contraditório, apenas quis evidenciar isso.

Jorge Lucio disse...

Caro Pinho Cardão,

Não, Soares e Lopes foram apenas consequentes e objectivos: quando se tem de dar más notícias é de uma vez!

E desculpe a minha insistência, mas quanto à cerimónia na CML... quem anda à chuva sabe que se pode molhar, quem tem medo... vai para o Pátio da Galé.

E também me lembro que Soares "levou" na campanha das presidenciais; mas não terá sido pela política do Governo? Talvez os votos que ganhou nessa noite, em que preferiu não ficar dentro do carro tenham feito a diferença...

E, já agora, quando não reconhece a Soares o direito a protestar: será exagero meu, ou uma parte da necessidade de pedir ajuda em 1983 foi resultado da política dos Governos da AD? Não me parece que MS ande a utilizar este argumento para justificar a sua intervenção contra um Governo dos mesmos partidos.

Carlos disse...

Só uma correcção de forma, pouco importante dada a relevância e acerto do conteúdo. Ernâni Lopes (e não Hernâni).

Suzana Toscano disse...

Caro Pinho Cardão, e quanto é que já desvalorizaram os salários da função pública nos últimos 3 anos? e quanto é que aumentaram os impostos? E quantos apoios foram dados às empresas para que sobrevivessem? que me lembre, em 85 ainda não vivíamos num mercado aberto á China ou aos outros mercados concorrentes, nem havia a unificação alemã, nem os países emergentes, nem o escudo era uma moeda fortissima, nem a tinha caído o muro de Berlim. Demasiadas diferenças, creio eu, que devem ser consideradas para avaliar a receita e a causa-efeito que se pretende garantir.

Inquieto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Inquieto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Inquieto disse...

Santa Mãe de Deus
Não façam isto ao Prof. Êrnani!
A situação não é igual.
A desvalorização não é para somar à inflação.
A erosão monetária foi substituída pela redução da massa monetária disponível mas esta não é menos violenta: a sua percepção é que é diferente.
O Prof. Êrnani teve naturalmente que lutar para fazer valer o seu programa e a sua autoridade granjeou o reconhecimento dos objectores, favorecendo o acolhimento pelos restantes.
Mas, sobretudo, ele era um grande humanista.