A história de Anne Frank faz parte do
imaginário de muitos ao ajudar a compreender mais aprofundadamente a ignomínia da
ideologia nazi. Li o diário em pequeno e li o diário em adulto. A história de
uma jovem alemã-judia que registou em livro o drama e a vivência da sua curta
existência, terminada um pouco antes de fazer 16 anos no campo de concentração
de Bergsen-Belsen, vítima de tifo.
Lê-lo ajuda a saber que o ódio e o racismo são duas
constantes que estão sempre prontos a manifestar-se provocando dor no corpo,
sofrimento na alma e destruição da dignidade humana. Lê-lo ajuda as crianças e
adolescentes a compreender melhor a condição humana e relembra aos adultos que
o ódio e o racismo não dormem, apenas fingem que estão a passar pelo sono para
despertarem com violência a qualquer momento.
A divulgação da sua obra tornou-se numa verdadeira epidemia
pela riqueza, profundidade, beleza e sofrimento espelhados através de um estilo
agradável que atrai qualquer um.
Fiquei surpreendido com a atitude de alguns pais
norte-americanos ao considerarem o seu diário como "pornográfico". De
facto, a versão definitiva tem algumas páginas, inicialmente retiradas pelo
pai, em que Anne descreve a descoberta do corpo. Pais indignados exigem prévia
autorização para que os filhos tenham acesso à versão completa ou à versão sem
os "capítulos pornográficos".
Compreende-se esta atitude num país eivado de correntes
puritanas. No entanto, ofende um pouco a supressão de capítulos em que a
natural descoberta do corpo se faz na idade própria. Mesmo que os pais proíbam
os seus filhos de lerem o diário, por causa da pretensa "pornografia"
de alguns capítulos, escrito por alguém superior, não deixarão de descobrir o
corpo por eles próprios ou através de leituras menos recomendáveis.
É incrível esta dualidade de comportamento, promover a
leitura de uma obra que denuncia a guerra e todos os males relacionados com ela
e impedir curtos e "inofensivos" capítulos porque giram à volta do
sexo, que continua a ser um tema "sujo" em contraste com as outras
coisas, mais explícitas, mais dramáticas e mais dolorosas, a guerra, o ódio e o
racismo. Pode-se falar da morte, da guerra, do ódio, do racismo, da dor e do
sofrimento da alma, mas falar da descoberta do corpo, no momento da sua
transformação e explosão de sensações, então, tem de imperar o silêncio, começa
a reinar o pecado e tenta-se matar o desejo de amar.
Deixai que leiam a obra completa. É duplamente bela...
Sem comentários:
Enviar um comentário