Por vezes, ao ler certas coisas sou obrigado a associá-las a
experiências já vividas e até tentar encontrar justificações para certos
comportamentos. Coisas simples, mas a simplicidade é a mãe da descoberta e da
inovação.
Quem diria que viver na vizinhança de restaurantes de
"fast food" constitui um fator de risco para ter um índice de massa
corporal elevado. Foi o que os investigadores "descobriram" em negros
norte-americanos com baixo poder de compra. É evidente, pensa o leitor. Pois,
pode ser evidente, mas é preciso estudar o fenómeno que, neste caso, está em
relação com o raio da distância onde ficam estes restaurantes. Então, os que
estão num raio de meia milha estão "tramados". Só os que vivem para
lá de um raio de cinco milhas estão a salvo! As explicações são interessantes. Maior acessibilidade,
alimentos mais baratos, menos tempo no intervalo do almoço e dificuldade em
usar transportes são as mais importantes. Aqui está mais um "fator de
risco" de obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e de cancro.
Enfim, nada que surpreenda, poderão pensar.
Sendo assim que tal começarmos a fazer estudos semelhantes,
analisando a proximidade e o nível económico, que está a descer abruptamente,
entre certos estabelecimentos e patologias? Igrejas, tabernas, sedes de
partidos políticos, bombeiros, estádios de futebol, mercearias, retretes
públicas, quartéis da GNR, tribunais, hospitais, ministérios, parlamento,
apenas para dar algumas sugestões. Às tantas éramos capazes de encontrar
interessantes associações. E depois? Depois, dávamos trabalho a novos
especialistas em ordenamento urbano. Faziam-se cálculos e os responsáveis
acabariam por colocar a uma distância bastante razoável muitas dessas unidades
de forma a não fazerem mal ao pobre cidadão, que está cada vez mais pobre e,
por isso, mais sujeito a certas influências.
Voltando aos negros norte-americanos pobres, que ficam mais
gordos por viverem nas cercanias de restaurantes "fast-food", recordo
o que é viver na proximidade de uma padaria. O cheiro do estabelecimento, o
calor do forno, a brancura da farinha a tentar esconder-se na alvura das batas,
os odores fortes e estimulantes das ripas de madeira a transpirarem resina e a
permanente salivação face ao estalar do pão sorridente e provocador, levou-me à
perdição. Uma perdição que hoje me penaliza, não poder fazer o que mais
adorava, comer pão, pão de todos os tipos, formas e sabores, a toda a hora, pão
com qualquer coisa ou pão com nada. Nada me sabia melhor do que o pão. Anos a
fio a passar em frente e dentro da padaria. Retenho todos os odores possíveis,
sabores inimagináveis e deliciosas ondas de calor que, sobretudo no inverno,
convidavam-me a entrar para ver o forno a ser aquecido, participando no ritual
do fabrico do pão, à espera da primeira fornada e do meu pão. Cuidado. Está
muito quente. Não o comas muito quente porque vai fazer-te mal. Caía-me nas mãos
praticamente a arder o que me obrigava a saltitá-lo de mão para mão soprando
para que arrefecesse o suficiente. Quando via que tal, com três ou quatro
mandibuladas, a boca era ainda pequenita, mamava-o num ápice. Oh maravilha das
maravilhas. Venha lá outro. Pois é, viver na proximidade de uma padaria
constitui um "fator de risco" para certas patologias. Eu que o diga.
Vá lá, na altura não havia restaurantes de "fast-food", nem eu sabia
o que era isso...
1 comentário:
na travessa por detrás do pátio da minha casa da aldeia norte alentejana havia um forno de poia.
tinha pão mole todos os dias até aos 10 anos.
tínhamos consciência que éramos classe média dum país pobre
hoje convenceram-se que são ricos e, no entanto estão falidos durante este século
'haja saúde e coza o forno'
'abaixo a xitefude'
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