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segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

Circular até ao fim

Sei que é cedo para fazer o balanço dos mandatos do Sr. Dr. Jorge Sampaio como chefe do Estado. A análise sobre a importância do exercício concreto de um qualquer cargo público - ainda para mais numa função com a relevância da presidência da república - exige algum distanciamento no tempo para ser objectiva e assim permitir uma avaliação justa.
Mas a última intervenção do senhor Presidente, pela oportunidade que poderia ter sido para marcar o devir, reclama por uma breve reflexão.
É que a mensagem de ano novo do Dr. Jorge Sampaio, eventualmente uma das últimas em que naquela qualidade se dirige aos portugueses, tornou a revelar a tendência para o discurso fechado, circular. O Dr. Jorge Sampaio sempre se convenceu que a palavra difícil atirada ao ar no momento certo teria um efeito profiláctico face aos conjunturais problemas do País.
Convenceu-se disso até ao fim. Mesmo agora que o seu mandato cessa e nenhuma desvantagem decorreria para si se as palavras fossem ditas, claramente, para as pessoas e não para o ar, herméticas e como habituialmente, redondinhas. Mas não. O Dr. Jorge Sampaio referiu-se uma vez mais à crise da Justiça. Uma vez mais. E de novo diagnosticou os males de que padece que são do conhecimento do mais desatento do cidadão. Esperava-se, assim, não uma quase lamentação, mas nesta oportunidade final a denúncia de situações e de responsáveis. E não cairia a Constituição das escadas de Belém abaixo, se se apresentassem propostas para inverter um estado de coisas que aos olhos do Presidente é especialmente grave.
Retive, em particular, esta parte do discurso presidencial: "A própria democracia é posta em causa quando a justiça não protege suficientemente as liberdades e direitos fundamentais, que são a razão de ser a primeira do Estado de direito".
Como entender esta parte da mensagem?
Está a democracia em perigo porque Portugal é formalmente um Estado de Direito e não um Estado de direitos? Se assim é porque não revela o Dr. Jorge Sampaio em que casos isso se verifica? Nalgum, ou nalguns dos mais mediatizados que têm afinal revelado a crise? Ou será em todos os casos que chegam à justiça? E porque é que é assim, no seu superior entendimento? E quem são os concretos responsáveis pelo desrespeito do princípio da separação de poderes que refere igualmente no seu discurso? O Executivo? Os magistrados? Quem?
Fica a República na mesma, ante a linguagem oracular do Sr. Dr. Jorge Sampaio...
Na boca do cidadão comum é uma banalidade, que soa a verdade, que nesta justiça se não deve confiar.
Mas pode admitir-se sem incómodo que um Chefe do Estado diga - mesmo sem a necessidade de respeitar conveniências políticas porque está de partida - que a "democracia é posta em causa" pela justiça que temos, e depois...deseje bom ano?

8 comentários:

Adriano Volframista disse...

Aproveito para lhe desejar a si, e aos seus companheiros de bloque um Bom Ano de 2006.
Talvez seja importante realçar alguns pontos do seu post:
a) Se as declarações do (ainda) PR fossem proferidas por ACS (Anibal Cavaco Silva), 30 segundos depois, teríamos o Pai da Pátria (PPMS), (Mário Soares)a prerorar sobre a agenda escondida de ACS, JS e FL muito provavelmente apresentariam queixa junto do PGR contra ACS por crime de traição à pátria.
b) Desde há quase ano e meio que o actual PR se desmultiplica em discursos e comentários, críticas e avisos, alertas e profecias, mas, curiosamente ninguêm lhe presta mais do que a atenção delicada que se deve ao cargo que exerçe. Recordo, por exemplo o discurso de 5/10/04, como um dos mais violentas jamais proferidos por um PR, sem que tenha abanado, senão levemente, o governo de então. Este último discurso é outro importante, sintomático e revelador: o principal magistrado da nação alerta para o perigo real que podemos estar a correr com o actual estado do aparalho judicial em Portugal, resultado? nenhum.??!!

Sabe, se fosse rei teria o cognome do EXTEMPORÂNEO, porque disse certo, falou claro, falou verdade, mas fora de tempo.
Que tenha uma boa reforma e muitas conferências para os próximos anos é o que lhe desejo.

Cumprimentos
Adriano Volframista

josé disse...

FOi este mesmo presidente quem afirmou que as leis que temos,algumas vezes ( ou sempre?) "são meras sugestões". Disse-o e ficou assim mesmo- como mais uma boutade, sem consequências.

Agora, no discurso, lembrou a separação de poderes, sem indicar quem o pôs em causa.
Poderia ao menos, lembrar que o actual ministro da Justiça já por diversas vezes afirmou a prevalência do poder executivo sobre o judicial, por causa da legitimidade eleitoral que um terá e o outro não...

josé disse...

E poderia muito bem lembrar a vergonha que consistiu em ver um partido político em peso, sair da Asembleia da República, para o exterior e acolher em apoteose um "perseguido" pelo poder judicial.
Se há imagem mais perniciosa para a manutenção da validade do princípio da separação, não me ocorre nesta altura.

Tonibler disse...

Ora, bom ano a todos!

Facto 1: A justiça portuguesa é uma nódoa.

Facto 2: Os direitos e liberdades individuais são violados de forma grotesca em Portugal onde qualquer cidadão fica preso sem culpa formada durante 4 anos.

Facto 3: Qualquer amanuense decide sobre a escuta de qualquer cidadão e qualquer licenciado em direito a aprova desde que seja juiz. E o mesmo amanuense se sente à vontade de pôr o que quer, quando quer, na posse de quem quer, sem que o seu emprego possa ser questionado.

Isto são factos! Não é uma invenção de Jorge Sampaio, nem uma percepção errada do cidadão. É assim. E o PR não disse que a democracia está em perigo, disse que está em causa, que é muito pior. Não está a dizer que pode acabar amanhã, está a dizer que não há desde ontem.
Agora, vá dar uma volta mais a preocupação dele. Há anos que se entende que não vai ser por via dos deputados que a coisa se vai resolver. Preocupados estamos todos, mas com poder para fazer alguma coisa só há um. Só o PR pode chamar a justiça militar para resolver a civil. E há anos que se sabe que a única forma de recolocar nos eixos o estado de direto é envolver a justiça militar enquanto se deita fora boa parte da civil. É a revolução? É, e depois?

Adriano Volframista disse...

Estimado Tonibler
Concordo em grau, género e número, com o seu comentário, salvo na solução que aponta:"justiça militar".
Sabe, o problema é a máquina,o aparelho que se encontra gangrenado, em completo colapso.
O problema, (sob pena de ser considerado frio), não são os senhores que estão presos muitos meses, ou pelo menos não é o principal. O problema é que uma acção civil normal demoara mais de 1 ano a ser julgada e, caso tudo corra bem, mais um a um ano e meio a ser executada(???!!!); voçê não consegue implementar estratégias comerciais modernas com estes prazos, salvo se tiver uma capacidade financeira apreciável.
Ora os senhores juízes, ainda criticam o poder político porque lhes quer transformar em "cobradores de fraque" quando é função da Justiça. fazer cumprir os contratos civis????!!!!(Nem o Prof Salazar se atreveu a tanto???!!!).
Porque o problema é geral, não é o aparelho de justiça militar que vai solucionar, porque, como calcula não estão preprarados para acarcar com os problemas da justiça civil.
Há trinta anos os controladores franceses fizeram uma greve, Degaulle, substituiu-os por militares, as consequências forma trágicas: uma colisaão aérea em que morreram mais de 100 pessoas; porquê? porque os controladores militares tinham muita experiência para controlar aviões em formação e não para aviões em rotas diferentes. (Tanto é assim que nem Reagan ousou substituir os controladores civis por militares durante a greve do início de 80 nos EUA).

Aqui estamos no mesmo barco e os juízes não perceberam que são parte do problema e que este tem de ser resolvido antes que o navio se afunde.

Aliás, proponho um exercício de futurolgia para os próximos nove meses, verá que juízes, polícias e forças militarizadas serão o centro das atenções.

Cumprimentos e Bom Ano
Adriano Volframista

josé disse...

Voltamos sempre ás mesmas questões.

Simplifiquemos:

Que podem os juizes fazer em tribunais com 5000 processos pendentes?!

Nem a trabalhar dia e noite...

Enquanto se quiser atirar a responsabilidade dos atrasos na Justiça, para quem nela trabalha como profissional, estar-se-á sempre a léguas da compreensão dos problemas.

Querem perceber melhor?
Apareçam num qualquer tribunal e façam perguntas!
Perguntem a qualquer advogado ( há advogados neste blog)!

E deixem de continuar a chover no molhado.

josé disse...

Um dos organismos com incumbência específica para estudar os motivos de bloqueio do sistema judicial é o Observatório Permanente da Justiça.

Dos vários estudos publicados ( e com atraso, alguns deles...)nenhuma conclusão aponta para que o problema da Justiça possa ser sindicado aos profissionais que nele trabalham!

E já se apresentaram soluções. É ver AQUI
Recorrer à justiça militar...seria uma solução se afastássemos todo um sistema de direitos liberdades e garantias. Perguntem a qualquer advogado o que pensa da sugestão. Perguntem ao Marinho e Pinto ou ao Celso Cruzeiro...

Tonibler disse...

Caros José e Adriano,

Dizer a alguém que se arrisca a estar preso quatro anos sem culpa formada e que não tem qualquer garantia de confidencialidade ou privacidade na sua vida, que a justiça militar punha em causa direitos, liberdades e garantias é, no mínimo, cómico. Aliás, quem está na situação a que um português se arrisca, quase qualquer coisa é aceitável.

A justiça militar não é por uma questão de direitos, porque esses já sabemos que estão à disposição da boa vontade alheia. É por uma questão de termos quem cumpra ordens, durante uns tempos, para a reposição da legalidade democrática.

E, José, concordo consigo, porque o que é importante são aqueles 12 ou 13 artigos primeiros da constituição. Toda a restante porcaria produzida em papel pode ser deitada para o lixo porque já se provou muitas vezes que não vale as árvores que se sacrificaram para o papel onde estão impressas. Agora, para resolver o que quer que seja, onde NÃO vou perguntar é aos advogados, aos juízes ou a quem quer que seja dentro do sistema.