1. Muito tem sido escrito, nos últimos dias, a propósito da situação de atraso no pagamento de dívidas de Angola a empresas portuguesas, dada a relevância que este tema mereceu nas negociações realizadas no âmbito da visita, ainda em curso, do Presidente da República àquele País.
2. Não deixa de ser curioso notar que um assunto de que quase se não falava até agora, de repente se tenha tornado num tema tão dominante como se fosse uma situação inteiramente nova.
3. E também é curioso notar que do lado de responsáveis oficiais portugueses não exista ainda uma noção clara da natureza do problema e das possíveis implicações da sua eventual resolução.
4. Assim, por exemplo, o Presidente da AICEP declarava há 2 dias em Luanda que, caso este assunto se resolva isso será bom para a economia portuguesa pois “é dinheiro que entra na nossa economia”, sugerindo que se trata de pagamentos a efectuar a empresas residentes em Portugal.
5. Ora isto está longe de ser exacto, como vamos ver.
6. Importa dizer, para começar, que este problema tem origem no início de 2009, quando a economia de Angola sofreu um duro choque externo, decorrente da quebra acentuada dos preços do petróleo, traduzido numa perda de termos de troca superior a 40%.
6. E recordar que a economia de Angola vinha de um período de muito forte expansão, com um ritmo de crescimento do PIB de 15% no período 2003-2008, com as exportações de petróleo (+ de 90% das receitas de exportação de Angola) sustentando um também muito forte crescimento das importações.
7. No início de 2009 tudo mudou, as receitas das exportações caíram a pique e tornou-se necessário impor um travão às importações sob pena de um rápido esgotamento das reservas cambiais do País que, a acontecer, teria posto em causa a solvabilidade externa e causado uma situação de penúria como a vivida nos anos 80.
8. Uma das formas de travar as importações consistiu exactamente na suspensão dos pagamentos nos grandes contratos de obras públicas, o que atingiu sobretudo as grandes construtoras e indirectamente muitas outras empresas, nomeadamente PMEs.
9. Mas importa notar que estas dívidas são dívidas domésticas (não são dívidas ao exterior) de que são credoras empresas residentes em Angola de cujo capital as empresas portuguesas são detentoras na totalidade ou em parte.
10. Assim, os pagamentos que o Estado angolano vier a fazer serão utilizados para satisfazer compromissos no mercado local em primeiro lugar, tanto em USD como em Kwanzas – nomeadamente à banca local, que terá refinanciado parte destas situações de atraso – só sendo exportável para Portugal uma parte das verbas a receber, para pagamento de serviços em especial (rubrica dos invisíveis da Balança de Pagamentos de Angola).
11. A parcela exportável para Portugal poderá vir a ser talvez da ordem de 1/3 ou 40% do total (é difícil apontar um número certo), não sendo pois exacto dizer que tudo o que vai ser pago “é dinheiro que entra na nossa economia”.
12. Importa ainda referir que se tratou de uma situação que afectou empresas de outras nacionalidades, nomeadamente grandes construtoras brasileiras.
13. Em qualquer caso, as notícias de que estes atrasados vão ser pagos é boa, até porque reflecte uma normalização da situação cambial em Angola que abre perspectivas para um crescimento – não ao ritmo frenético do período 2003-2008 é certo – das relações económicas entre os dois Países.
14. Caso estas notícias se concretizem é tb justo dizer que o PR prestou um bom serviço ao País.
6 comentários:
Caro Tavares Moreira:
Parabéns pelo texto, que foi mais esclarecedor do que toda a informação que a comunicação social tem veiculado a propósito das relações financeiras de Angola com as empresas portuguesas.
Dr. Tavares Moreira
Faço minhas as palavras do Dr. Pinho Cardão.
Não querendo abusar do seu tempo gostava de perceber a notícia de que "O pagamento da dívida angolana às empresas portuguesas, perto de 2 mil milhões de euros, pode passar pela cedência de títulos da dívida pública". Obrigada.
Li esta notícia em:
http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/nacional/actualidade/angola-cede-titulos-de-divida-publica
BASTANTE ESCLARECEDOR DE FACTO..
contudo gostaria d deixar p reflexao o seguinte: como se sentirão os outros empresários portugueses q lá teem lá os seus calotes só que a privados ou até a pseudo-privados(politicos, autarcas, empresas d autarcas..)?
e pergunto isto por causa da abertura da dita linha d crédito da cgd ao governo angolano p pagar estas dívidas.. confesso q tenho alguma dificuldade em digerir isto..
..esta linha d crédito d cgd ao governo angolano p pagar a empresas ports não equivale a um seguro d crédito?
a mim parece-me q sim ..
qd e exactamente qt desta divida à cgd irá o governo angolano pagar?
a propósito disto deixarei o link http://jornaldeangola.sapo.ao/19/42/a_porta_errada
p.s. keep up the fine blogging
Agradeço vossas amigas palavras, cros Margarida e Pinho Cardão.
Relativamente à questão colocada pela Margarida, só tenho conhecimento dessa eventual solução - de pagamento de uma parte das dívidas em incumprimento(60% segundo tem sido referido)- através da comunicação social.
Noto que, para além de se tratar de dívidas domésticas, elas são na sua quase totalidade resultantes de incumprimentos por entidades do sector público (Instituto Nacional de Estradas de Angola,´só para dar um exemplo).
Se uma parte for regularizada através da entrega de títulos de dívida da República de Angola, vencendo uma taxa de juro de mercado (ou quase) e com maturidades aceitáveis (direi que até 3 naos)...poderá ser uma boa solução.
Mas admito que a respectiva implementação demore mais tempo do que tem sido referido pois há várias tarefas a cumprir até chegar à fase da entrega dos títulos.
Não é tão simples como muitos poderão pensar (as autoridades portuguesas, por exemplo, que já se viu não terem uma noção muito real deste problema).
Caro andrecruzzz,
O problema qu refere tem a ver com dívidas transfonteiriças, aquelas que relacionam empresas residentes em Portugal, como exportadoras de bens ou de serviços e entidades angolanas importadoras.
O assunto que aqui temos tratado, como procurei acentuar, refere-se a dívidas domésticas, de entidades (públicas) angolanas a empresas residentes em Angola - empresas estas que podem ser sucursais ou filiais de empresas portuguesas ou empresas por estas participadas maioritariamente.
no meu comentário focava dois pontos:
1. tomemos 2 tipos de empresas portuguesas em angola: as q teem negócios c o estado angolano e as q nao teem. nos dois grupos existem problemas semelhantes, diferindo o tipo de cliente.
facto: o estado portugues através d uma linha d crédito d seu banco vai propiciar q o primeiro grupo receba o seu dinheirinho.
pergunta: o q fez o estado portugues para q o segundo grupo possa ter a sua vida mais facilitada? foram feitas algumas conversações no sentido de agilizar cobrança judicial de dividas em angola? nada ouvi, nada li...
quer queiramos quer não , mais uma vez, temos o mesmo tipo de empresas a ser indirectamente ajudado, como alvo principal das autoridades portuguesas.
2.no segundo ponto, aonde fornecia o link do jornal de angola, pretendia sublinhar a aparente fraca posição negocial q portugal tem perante angola (quanto a mim por mta inépcia dos nossos governantes) . tenho sérias dúvidas de q angola venha a pagar este empréstimo da cgd na sua totalidade ce capital e juros. pelo padrão angolano tal acontecerá sob uma provável chantagem para que as grandes empresas portuguesas continuem a ter adjudicaçoes e outro género de negócios com o estado..
todo o dinheiro q angola nao pague à cgd terá sido portanto, um subsidio a fundo perdido a algumas empresas portuguesas.
IMHO: julgo q as autoridades portuguesas devem procurar intermediaçoes mas sem por o dinheiro de todos (cgd) á disposição de uns poucos. somos demasiado pequenos para tal. e temo q isto se repita de novo..corremos o risco d ficar numa posiçao semelhante à d um fornecedor de alfaces d uma grande superficie, e, q volta e meia para continuar a vender tem q esquecer umas facturas.
Como compreenderá, caro A. Cruzzz, não é a mim que compete dar respostas às suas dúvidas, por muito pertinentes que elas possam mostrar-se.
Não deixo de notar, entretanto, que o "grosso do pelotão" das dívidas está nas do 1º tipo que refere, compreendendo-se por isso que lhes tenha sido dada prioridade na busca de uma solução...
Pode aliás acontecer que a solução para as dívidas do 2º tipo que refere venha um pouco por arrasto da solução para as do 1º tipo.
Isso não me surpreenderia.
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