1. As notícias recentes que dão conta de uma situação insustentável (mais uma...) de atrasos de pagamento dos hospitais públicos à indústria farmacêutica – ultrapassando € 850 milhões no final de Junho e com um ritmo de crescimento de € 25 milhões por mês - constituem a ponta de um “iceberg” que vem afectando as condições normais de funcionamento da economia portuguesa.
2. Por força desse atraso crescente dos pagamentos a indústria farmacêutica terá decidido ou irá decidir passar a aplicar uma taxa de juro legal de 8% aos montantes em dívida que ultrapassem 90 dias (o “grosso da coluna”, na verba acima mencionada).
3. Desde há tempos que se vem falando insistentemente nas crescentes dificuldades que as empresas dum modo geral sentem para cobrar os créditos comerciais sobre clientes, que se atrasam cada vez mais nos seus pagamentos...
4. Não parece errado admitir que este fenómeno, típico de uma economia com uma insuficiência estrutural de liquidez, seja o resultado de dois grandes factores:
- Os atrasos crescentes de pagamento por parte do Estado, pois não são apenas os atrasos de pagamento à indústria farmacêutica que estão em causa - os hospitais devem cada vez mais a outros fornecedores, as câmaras municipais pagam com atrasos cada vez maiores, empresas públicas doutras áreas (transportes, por exemplo) estão igualmente sujeitas a graves restrições financeiras por insuficiência das indemnizações compensatórias, etc;
- As restrições ao crédito bancário cada vez mais notórias, traduzidas numa real escassez de crédito e num brutal encarecimento do pouco crédito bancário disponível (“spreads” sobre a taxa de juro de 5% ou mais são hoje linguagem corrente para as empresas de risco médio).
5. Esta situação, a prolongar-se ou até a agravar-se (o que não é de excluir), acaba por produzir o chamado “efeito-dominó”: A não paga a B, B não paga a C, C não paga a D,....entrando-se num círculo vicioso de atrasos de pagamento que emperra as transacções, motiva insolvências, põe em causa o pagamento pontual de salários, desincentiva o investimento, coloca em causa as receitas fiscais a começar pelo IRS (não entrega das importâncias retidas pelos empregadores...), etc, etc.
6. A maior perversidade no funcionamento deste mecanismo de “dominó” dá-se quando as próprias empresas que têm liquidez atrasam pagamentos ou deixam também de pagar para se prevenirem quanto ao futuro...
7. Creio que a única forma de romper este círculo vicioso e de parar este “efeito dominó” seria o Estado assumir a necessidade de regularizar os seus atrasos de pagamento, realizando uma emissão extraordinária de dívida (€ 2 a 3 mil milhões não seria demais) para diminuir os atrasados e restituir a liquidez à economia.
8. Se assim não for, tenho a noção de que o “efeito dominó” tenderá a alastrar, com sérias consequências para o ritmo da actividade económica e para a saúde financeira da generalidade das empresas não financeiras (e das financeiras por arrasto...).
9. E não se admirem se o desemprego continuar a subir, contrariando as expectativas oficiais, mesmo depois de descontado o habitual excesso de optimismo de tais expectativas...
8 comentários:
E, quem seria(m) o(s) Kamikaze(s) determinados a subscrever esses títulos extraordinários de dívida, caro Dr. Tavares Moreira?
É que... convenhamos, o estado português, não possui o mesmo crédito que a SAD do Sport Lisboa e Benfica, nem o Sr. Ministro Teixeira dos Santos, goza da mesma... bom, se compara a Luis Filipe Vieira...
Dr. Tavares Moreira
As dívidas do Estado à economia constituem um assunto muito grave. É ainda mais incompreensível que num momento em que as empresas estão a atravessar grandes dificuldades económicas e financeiras o Estado não pague o que deve, não só porque é condenável que abuse da sua posição de grande cliente ("posição dominante"), como com este comportamento está a contribuir para a deterioração da actividade económica e aumento do desemprego. Não bastando este estado de coisas, exige a cobrança de dívidas fiscais às empresas em relação às quais tem dívidas, não sendo permitido um acerto de contas entre deve e haver. Não seria oportuno que a AR voltasse a este tema e legislasse no sentido de permitir a compensação de créditos? Não seria, também, uma medida importante para considerar no relançamento da economia? Não seria uma medida moralizadora?
O "efeito dominó" da falta de moral
O nosso Estado tão exemplar,
realmente é pouco prendado,
faz pobre figura ao revelar
não consumando o acordado.
Nesse leilão de ilusões
de tão vis demagogias
não se abonam as razões
de tantas patologias.
Sem entranhas de passado
e de móbiles jactantes,
esse pensar amassado
vive de feitos gritantes!
É uma situação deveras preocupante, houve um período em que o estado aligeirou o tempo de pagamento a fornecedores mas agora regrediu e, em muitos casos, não chega sequer a pagar no ano económico devido, dando origem a que em algumas situações (mais nas Câmaras Municipais do que na Administração Geral) as dívidas transitem de ano económico.
Ainda há dias um empresário nortenho que tomou uma pequena empreitada em Lisboa, queixava-se-me de que devido ao atraso de pagamento recorreu ao banco para pagar à segurança social…
Claro que estes atrasos nos pagamentos dificultam as empresas, e são pouco estimulantes para novos investidores, como muito bem diz o caro Drº Tavares Moreira.
Um pequeno empresário disse-me há pouco tempo que os prazos de pagamento já chegam a 180 dias!, e ainda hoje ouvimos que a Marsans, à beira da falência, anda a cobrar dívidas "a grandes clientes" para poder devolver o dinheiro aos clientes que confiaram na empresa e ficarem sem férias e sem dinheiro.Os bancos não emprestam, o Estado não paga e as dívidas "rolam" e enrolam a economia. Haverá forma de quebrar este ciclo destrutivo?
O pequeno empresário interlocutor da Suzana, está com muita sorte se for credor de alguns sectores da Administração Pública e conseguir receber em 180 dias. Posso garantir que há que esteja à espera há dois anos e não tem perspectivas de quando terá o que é seu...
A proposta de Tavares Moreira faz todo o sentido. Eis um caso de endividamento virtuoso do Estado, caso os resultados da emissão fossem consignados exclusivamente ao pagamento das dívidas do sector público, devolvendo liquidez às empresas e permitindo maior circulação de capital, cujo baixo índice atinge, de facto, níveis angustiantes para algumas empresas, em sectores para os quais continua a haver mercado, mas que estão perto da asfixia financeira.
Caro Bartolomeu,
Não me parece que eesa dificuldade que refere seja insuperável, o Estado português continua a colocar dívida titulada no mercado - pagando mais caro, mas isso é incontornável.
E se assume dívidas comerciais da amplitude que tem sido referida deve paga-las quanto antes recorrendo à emissão de dívida financeira, não há alternativa.
Cara Margarida,
Tem toda a razão na ponderação que faz deste problema.
Confesso que não estou em condições de avaliar até que ponto a possibilidade que sugere de compensação entre dívidas do Estado a empresas e dívidas destas ao fisco (ou segurança social) resolveria este problema.
Mas certamente que ajudaria a ameniza-lo.
Caro M. Brás,
Uma inspiradora poesia, para aliviar este estado de desgraça em que vivemos, sabe sempre bem...
Caros Jota C., Suzana e F. Almeida,
Os exemplos que apontam servem para ilustrar esta situação de crise larvar de liquidez que está corroendo a economia e ameaça levar o desemprego para níveis impensáveis...
Parece-me URGENTE e não apenas necessária a intervenção do Estado através de uma emissão extraordinária de dívida.
Está aqui verdadeiramente em causa o interesse nacional - infinitamente mais, direi, do que na "patetice" da golden share da PT...e no entanto estas criaturas andam embriagadas com a história quixotesca da golden-share...
Que mais nos irá acontecer?!
Caro Paulo,
Esta situação é de facto demonstrativa de uma grande falta de lucidez...e de disciplina financeira também!
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