1. Foi no longínquo ano de 1941, a 13/4, que nasceu a Lei nº 1994, mais conhecida por Lei de Nacionalização de Capitais, importante peça da política económica da altura, a qual dispunha no essencial o seguinte:
(a) Só a “Empresas Nacionais” era permitido fundar, adquirir, possuir ou explorar em Portugal, estabelecimentos que tivessem a gestão de (i) serviços públicos ou bens do domínio público, (ii) actividades em regime de exclusivo e (iii) outras actividades que interessem à defesa do Estado ou à economia da Nação;
(b) Eram havidas por “Empresas Nacionais” as sociedades (i) constituídas de harmonia com as leis portuguesas, (ii) com sede na metrópole e (iii) cuja maioria absoluta fosse portuguesa
2. A maioria absoluta seria considerada portuguesa se:
- Nas sociedades em nome colectivo (na altura muito em voga, hoje praticamente inexistentes), o maior número de sócios fossem (i) portugueses de origem ou naturalizados há mais de 10 anos, (ii) sociedades portuguesas com esta maioria ou (iii) pessoas colectivas de direito público ou utilidade pública - e essa maioria de sócios detivesse, pelo menos, 60% do capital;
- Nas sociedades de capitais, por acções ou por quotas, quando, pelo menos 60% do capital pertencesse a sócios nas mesmas condições das exigidas para as sociedades em nome colectivo.
3. A Lei nº 1994 dispunha ainda:
- A proibição de transmissão ou de oneração, a favor de pessoas singulares ou colectivas estrangeiras, das acções, quotas ou outras partes de capital reservados a pessoas de nacionalidade portuguesa;
- A nulidade dos actos de transmissão ou oneração de partes de capital realizados com ofensa do disposto na Lei;
- A perda, a favor do Estado, do produto da venda ou amortização no caso de transmissão ou oneração de parte do capital, em acto simulado, por interposta pessoa.
4. Era assim a prática do Dr. Oliveira Salazar. Queria as empresas estratégicas na mão de nacionais e não hesitou: armadilhou um dispositivo legal que vedava em absoluto quaisquer tentativas de aquisição por estrangeiros (não existiam nessa época as sociedades “off-shore”, agora na moda, para dissimular a nacionalidade dos capitais...mas se existissem, ele lá arranjaria maneira de as travar...).
5. Recordei-me desta Lei (apesar de alguns anos anterior ao meu nascimento...) quando há 6 ou 7 anos se discutia muito em Portugal a questão da defesa dos “centros de decisão nacionais”.
6. Há 6 ou 7 anos escrevi sobre o tema, lembrando que o Mundo tinha mudado e que por exemplo as políticas monetária e cambial, em 1941 comandadas com “mão-de-ferro”, em 2003/4 já não nos pertenciam, nem moeda própria tinhamos.
7. Hoje poderei acrescentar que nem a política orçamental já comandamos...estamos quase desprovidos de qq instrumento de comando da política económica nacional...
8. Curiosamente, apesar de todas estas mudanças absolutamente radicais, tive ontem a noção de que o fantasma da Lei de Nacionalização de Capitais ainda paira por aí...muito roto, muito desfigurado, mas ainda mexe...
7 comentários:
Caro Tavares Moreira,
Ontem senti que estava a ver uma televisão a preto e branco!
Fantasmas, diz bem.
O meu caro Tavares Moreira deu-se conta da quantidade de anti-fascistas de gema que celebraram o regresso ao passado? Até Alegre se fez contente!
Caro Fartinho,
E pode estar seguro que vai ter mais programas desses, à medida que a decadência se acentuar e a necessidade de enganar o povo se tornar uma obssessão ainda maior do que já é...
Não reparei nessas reacções, caro Ferreira de Almeida, mas na linha do que acabo de dizer ao Fartinho da Silva, tomo-as como sinais de uma decadência que avança a passo muito acelerado...
Estamos bem arranjados!
O que percebi das explicações que Ricardo Salgado deu sobre a posição do accionista BES a favor da venda foi que a Golden Share são hoje uma espécie de fisgas para matar leões e que o futuro da PT, tal como é hoje, é uma questão de tempo e que o Estado tem muito poucos meios para defender o que entende ser o interesse nacional através do controlo directo accionista de empresas estratégicas. Mas já tenho muitas dúvidas sobre a tese que considera que a maioria accionista devia ter sido respeitada e se põe ao lado dos accionistas que se indignam com o exercício dessa posição de força contra os seus interesses. Porque, aceite-se ou não a existência desse privilégio do Estado, o facto é que quem comprou acções da PT sabia muito bem dessa condição e, provavelmente, até escolheu esse investimento precisamente por ser uma empresa de interesse estratégico nacional “protegida” pelo Estado. Não venham agora queixar-se de estar “limitados” nos seus direitos…
Caro Tavares Moreira
A utilização da golden share pelo PM supõe que existe um interesse nacional subjacente, interesse esse que deve ser defendido.
Todo o argumentário que tenho ouvido e lido sobre o assunto,apontam para que exista interesse nacional na manutenção em mãos nacionais da PT.
O Governo da Republica sabe, há mais de cinco anos que, a arquitectura societária da PT era considerada ilegal, face ao ordenamento jurídico comunitário; apesar desse facto, não acautelou os interesses nacionais, reformulando a estrutura societária para se adaptar às novas directizes da Comissão.
Sucessivos Governos da Republica desvalorizaram a eventual decisão da Comissão e, naturalmente sub valorizaram a PT enquanto activo estratégico para o país.
Qualquer investidor externo concluirá que, para o Governo da Republica Portuguesa a PT é um activo, mas não um activo assim tão importante como, por exemplo, a venda do imobiliário propriedade do Estado.
Na verdade, na medida em que a PARPUBLICA endivida-se para comprar imóveis propriedade do Estado, mas nem sequer considera a possibilidade de se endividar para comprar a parte da VIVO da Telefónica; este comportamento do Governo da Republica apenas permite considerar a conclusão anterior como válida.
O comportamento dos accionistas ditos "nacionais" ou "núcleo duro" durante a assembleia permite supor que, por parte do Governo da Republica, não foi o suficientemente acautelado o interesse nacional, porque, manifestamente, não existiu enquadramento adequado ao interesse que a utilização da golden share pressupõe.
No contexto europeu, contexto aqui na sua acepção mais ampla (económico, jurídico, político), a golden share é como uma porta acompanhada da sua ombreira: para valer alguma coisa (ou ter utilidade) é necessário que exista uma casa, ou quarto a envolver; ora, manifestamente, o exercício que o PM fez, do direito conferido pela golden share, falta essa casa ou quarto; conhece alguma proposta alternativa? Um plano B?
Cabe ao Governo da Republica, no momento em que exerçe o direito, apresentar uma nova casa ou quarto que dê sentido à porta que é a golden share; mais uma vez, não vale assumir um comportamento sem apresentar uma solução: o país é mais importante do que lutar contra uma Souselas qualquer, por muito respeito que se tenha pelos interesses de Souselas.
O post já vai longo e, comentanto a lei que cita, dizer o seguinte:
Essa lei era um elemento de uma estratégia política e económica coerente e congruente: goste-se ou não; este episódio da golden share é um exercício fútil e vão....
Cumprimentos
João
Cara Suzana,
De acordo, certamente, quanto à parte final do seu comentário...quem tinha acções da PT deveria saber que existe, é certo que por pouco tempo, uma "golden share", cujo exercício compete a sujeitos cuja capacidade para gerir economia está amplamente demonstrada.
O meu ponto não é esse...o meu ponto refere-se à total futilidade deste exercício da tal "goloden share", para defender um suposto - mas não demonstrado e possivelmente não demonstrável -interesse nacional...
Enquanto que em áreas da gestão económica infinitamente mais importantes, a capacidade para defender o interesse nacional se esfumou há anos, com as dramáticas consequências que todos conhecemos...
Caro João,
No essencial, de acordo com a avaliação do seu comentário, em especial com a conclusão final!
A futilidade deste exercício é por demais evidente, irá aliás ser desmontado em pouco tempo...
Tivesse a selecção nacional de futebol eliminado a Espanha nos 1/8 de final do world soccer, a decisão de utilizar a tal "golden share" não teria sido tomada...
Assim, foi a pequena vingança qye nos restava, exercício típico da pequena política a que continuamos submetidos!
Caro Tavares Moreira, o seu comentário foi completamente esclarecedor e receio bem que tenha toda a razão, a Padeira de Aljubarrota na versão séc. XXI ainda suscita clamores patrióticos mas duvido que passe à posteridade como uma glória.
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