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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Espanha: mais um a fugir do pelotão da rectaguarda?

1.Estamos a assistir a um fenómeno intrigante na zona Euro: enquanto se intensificam as notícias da crise da dívida soberana, há países, considerados mais afectados por essa crise, que dão sinais claros de recuperação da credibilidade e de fuga ao pelotão dos atrasados…
2.Ainda há poucos dias citei aqui o caso da Irlanda, a quem os mercados (essa infamante criatura, cujo nome nem deveríamos ousar citar) reconhecem crescente credibilidade para ultrapassar a fase mais crítica que a obrigou a celebrar em Novembro de 2010 um resgate com o FMI/EU…
3.Hoje chegam notícias de um sucesso significativo na emissão de dívida espanhola, no montante de quase € 4,5 mil milhões, sendo (i) 2,4 milhões ao prazo de 2,5 anos, à taxa de 3,589% (taxa anterior para o mesmo prazo 4,813%), (ii) 1,12 milhões a 3,5 anos, à taxa de 3,64 (anterior de 4,23%) e (iii) 980 milhões a 1,5 anos, taxa de 3,51%, (anterior de 4,24%).
4.Segundo um comentador do mercado, “o sentimento (do mercado) parece estar a jogar a favor da Espanha. A perspectiva económica para o País aponta para que se torne numa espécie de ponte entre a periferia da zona Euro e os países do núcleo”.
5.Entretanto, no mercado secundário, a rentabilidade exigida pelos investidores para adquirir dívida espanhola encontra-se abaixo de 6% em todos os prazos…
6.Para termos uma ideia da diferença de julgamento em relação à dívida portuguesa, posso referir que ontem ocorreu um leilão de bilhetes do tesouro para o prazo de 3 meses, tendo sido colocado um montante de € 720 milhões, à taxa de 4,97%...e a rentabilidade exigida na dívida portuguesa a 10 anos, por exemplo, é de cerca de 11,5% (nos prazos mais curtos, de 5, de 3 ou de 2 anos é mais elevada)…
7.É certo que o BCE tem vindo a intervir no mercado comprando dívida espanhola, ajudando a manter as taxas a níveis mais “aceitáveis”, mas tb comprou dívida portuguesa, italiana, grega…
8.Acresce que o FMI, no seu muito recente World Econ. Outlook prevê um crescimento da economia espanhola de 0,8% em 2011 e de 1,1% em 2012, contrariando a tendência de desaceleração na zona Euro para o mesmo período…
9.Parece pois que a Espanha se afasta decididamente do pelotão da retaguarda do Euro, do qual chegou a estar próxima. Mas como a Irlanda tb está em descolagem, Portugal corre o risco de ficar colado à Grécia, desconfortável companhia, com a Itália ainda visível no horizonte mas a grande distância…quando será que começamos tb a descolar?
10.É que, por este andar, qualquer dia já nem dos mercados poderemos queixar-nos…

9 comentários:

Bartolomeu disse...

No meio de toda esta tragédia financeira e económica, lamento a sorte dos monarcas.
A nós, os comuns plebeus, custa-nos sofrer as agruras dos aumentos que incidem sobre os bens essenciais, as taxas de juros sobre os empréstimos à habitação, o agravamento das taxas moderadoras na saúde, a anulação das comparticipações, o aumento dos impostos, e a redução das despesas a abater em sede de IRS.
Nem posso imaginar o que todos estes incómodos poderão causar na estabilidade emocional dos pobres monarcas.
E ainda alguns se admiram com o aumento da incidência de doenças do foro psicológico...

Mário Piteira disse...

No meio de tanta tragédia conseguimos ver a Bélgica, que sem governo, vai sobrevivendo à crise que tantos anunciavam. É realmente um caso de estudo.

Freire de Andrade disse...

Caro Mário Pereira,

O seu comentário trouxe-me à lembrança a opinião de um italiano, consultor da empresa em que então eu trabalhava, que, a propósito de a Itália estar sem governo, opinou que assim se estava melhor porque não havia ninguém a estorvar. Isto foi num período de grande instabilidade política em Itália, situação oposta à estabilidade berluscónica actual. A lei não será universal, mas os casos em que se aplica podem ser numerosos.

Tavares Moreira disse...

Tem razão, caro Bartolomeu, de tanto carpir em termos gerais, até nos esquecemos dos monarcas...
Os que temos por cá, sobretudo os republicanos, esses parecem imunes a qq crise, o Povo tem a obrigação de se sacrificar por eles...
É uma representação inteiramente pervertida: enquanto eles representam o Povo, para supostamente cuidarem do seus interesse (eles cuidam do seu, mas do que lhe é próprio...), neste caso o Povo representa-os, osfrendo em nomes deles, as agruiras da crise!
Singular república, esta!
Quanto aos monarcas monárquicos, têm a sorte do restante Povo: representam os monarcas republicanos, sofrendo a crise em nome deles...

Caro Mário Piteira,

Não deixo de lhe confessar que sinto alguma inveja dos belgas, nesse particular...
Mas parece que essa vantagem competitiva está em vias de se extinguir, haverá governo à vista...

Anthrax disse...

Pronto... e lá vêm os mercados outra vez :S

Explique-me lá uma coisa, Dr. TM, o que é que há de tão interessante nas dívidas dos Estados para que haja "investidores" a quererem comprar? Não há, por aí, nada mais interessante para se comprar do que dívida?

Não lhe parece um bocado irracional haver um indíviduo que queira comprar a dívida de outro? Ainda se fossem ouro ou diamantes, a coisa ainda ia, agora dívida? Isso era a mesma coisa que eu agora querer comprar uma dívida, de meio milhão de euros, de um caramelo qualquer na expectativa que ele me pague juros de 26% à laia de cartão de crédito.

E o mais engraçado é que se dão ao trabalho de inventar equações matemáticas para justificar que uma coisa destas é, absolutamente, viável.

Tenho a certeza que sou eu que não percebo a dinâmica destas coisas, só que torna-se muito complicado - para mim - perceber porque é que em termos colectivos fazemos algo que nunca faríamos em termos individuais.

Quanto ao fugir do pelotão da retaguarda, nós não fugimos porque - aparentemente - o ministro da economia anda a tomar "xanaxes" e o ministro das finanças anda a tomar "speeds". Dava jeito trocarem a medicação um com o outro.

Tavares Moreira disse...

Cara Anthrax,

Os investidores que compram dívida às taxas de juro que refere, não recebem nem mais nem menos juros do que qq outros que tenham comprado essa mesma dívida...recebem o juro do cupão, que é aquilo que o devedor está obrigado a pagar...
Acontece que o seu rendimento (aquilo a que no mercado se chama yield) acaba por ser bastante superior porque, comprando essa dívida a um preço inferior ao nominal, quando o título for reembolsado (se for...) terão um ganho de capital que equivale a um significativo incremento do rendimento pago pelo emitente da dívida...
Exemplificando: se eu compro com desconto de 10% um título que vence juro anual de 5% e que tem 1 ano para o vencimento,se esse título for reembolsado como previsto, eu terei no final um rendimento de 5%+10%= 15%.
Entendido?
O facto desses títulos se cotarem abaixo do valor nominal tem a ver com o que acima referi:"quando o título for reembolsado (se for...)"...
Entendido, também?
Ao dispor para qq outro esclarecimento.
Já agora pode dizer-me o que são "xananes"? Speeds ainda julgo perceber o que sejam, mas xananes,confesso não chego lá...

Anthrax disse...

"Xananes"?
Eu disse "Xanaxes" plural não verificado dos "Xanax" :D

Quanto ao "entendido", bom... aí é que a porca torce o rabo. Não me leve a mal porque eu percebo o português da explicação e consigo perceber que o resultado final é um ganho (tem dias). Mas custa-me compreender o processo que conduz a esse resultado. Não consigo visualizá-lo basicamente. :(

Tavares Moreira disse...

Oh, Cara Anthrax, perdoe-me o comentário (lá vem a devida vénia...), mas que preguiça mental ou burocrática é que a afectou?
Não vê que o receio do detentor de um título de crédito - neste caso um título de dívida pública - quanto à capacidade de reembolso do devedor/emitente do título, leva o mesmo detentor a vende-lo a preço inferior ao valor facial (nominal), dando a possibilidade, a quem estiver disponível para assumir o risco, de o adquirir a desconto?
Eu julgo que isto é uma regra de todos os tempos, provavelmente já assim era na antiguidade oriental e ocidental - em conclusão, neste caso os mercados nem nos ensinam nada de novo nem praticam qq "maldade" que não seja conhecida e praticada há séculos......

Mário Nogueira disse...

sobre a irlanda recomendo:
"Ireland Triumphs!
Or, maybe not." - http://krugman.blogs.nytimes.com/2011/09/30/ireland-triumphs/

sobre a espanha: "Agência Fitch corta rating de Espanha e de Itália" -
http://economia.publico.pt/Noticia/agencia-fitch-corta-rating-de-espanha-e-italia-1515470