Um discurso de tolerância à procura da paz num mundo de violência e cheio de discórdias. Uma reflexão sobre a decadência do homem, em que “a adoração do dinheiro, do ter e do poder, revela-se uma contrarreligião, na qual já não importa o homem, mas só o lucro pessoal”...
(…) Mas, que aconteceu depois? Infelizmente, não podemos dizer que desde então a situação se caracterize por liberdade e paz. Embora a ameaça da grande guerra não se aviste no horizonte, todavia o mundo está, infelizmente, cheio de discórdias. E não é somente o facto de haver, em vários lugares, guerras que se reacendem repetidamente; a violência como tal está potencialmente sempre presente e caracteriza a condição do nosso mundo. A liberdade é um grande bem. Mas o mundo da liberdade revelou-se, em grande medida, sem orientação, e não poucos entendem, erradamente, a liberdade também como liberdade para a violência. A discórdia assume novas e assustadoras fisionomias e a luta pela paz deve-nos estimular a todos de um modo novo.
Procuremos identificar, mais de perto, as novas fisionomias da violência e da discórdia. Em grandes linhas, parece-me que é possível individuar duas tipologias diferentes de novas formas de violência, que são diametralmente opostas na sua motivação e, nos particulares, manifestam muitas variantes. Primeiramente temos o terrorismo, no qual, em vez de uma grande guerra, realizam-se ataques bem definidos que devem atingir pontos importantes do adversário, de modo destrutivo e sem nenhuma preocupação pelas vidas humanas inocentes, que acabam cruelmente ceifadas ou mutiladas. Aos olhos dos responsáveis, a grande causa da danificação do inimigo justifica qualquer forma de crueldade. É posto de lado tudo aquilo que era comummente reconhecido e sancionado como limite à violência no direito internacional. Sabemos que, frequentemente, o terrorismo tem uma motivação religiosa e que precisamente o caráter religioso dos ataques serve como justificação para esta crueldade monstruosa, que crê poder anular as regras do direito por causa do «bem» pretendido. Aqui a religião não está ao serviço da paz, mas da justificação da violência.
(…)
Se hoje uma tipologia fundamental da violência tem motivação religiosa, colocando assim as religiões perante a questão da sua natureza e obrigando-nos a todos a uma purificação, há uma segunda tipologia de violência, de aspeto multiforme, que possui uma motivação exatamente oposta: é a consequência da ausência de Deus, da sua negação e da perda de humanidade que resulta disso. Como dissemos, os inimigos da religião veem nela uma fonte primária de violência na história da humanidade e, consequentemente, pretendem o desaparecimento da religião. Mas o «não» a Deus produziu crueldade e uma violência sem medida, que foi possível só porque o homem deixara de reconhecer qualquer norma e juiz superior, mas tomava por norma somente a si mesmo. Os horrores dos campos de concentração mostram, com toda a clareza, as consequências da ausência de Deus.
(…)
Ao lado destas duas realidades, religião e antirreligião, existe, no mundo do agnosticismo em expansão, outra orientação de fundo: pessoas às quais não foi concedido o dom de poder crer e todavia procuram a verdade, estão à procura de Deus. Tais pessoas não se limitam a afirmar «Não existe nenhum Deus», mas elas sofrem devido à sua ausência e, procurando a verdade e o bem, estão, intimamente estão a caminho d’Ele. São «peregrinos da verdade, peregrinos da paz». Colocam questões tanto a uma parte como à outra. Aos ateus combativos, tiram-lhes aquela falsa certeza com que pretendem saber que não existe um Deus, e convidam-nos a tornar-se, em lugar de polémicos, pessoas à procura, que não perdem a esperança de que a verdade exista e que nós podemos e devemos viver em função dela. Mas, tais pessoas chamam em causa também os membros das religiões, para que não considerem Deus como uma propriedade que de tal modo lhes pertence que se sintam autorizados à violência contra os demais. Estas pessoas procuram a verdade, procuram o verdadeiro Deus, cuja imagem não raramente fica escondida nas religiões, devido ao modo como eventualmente são praticadas. Que os agnósticos não consigam encontrar a Deus depende também dos que creem, com a sua imagem diminuída ou mesmo deturpada de Deus. Assim, a sua luta interior e o seu interrogar-se constituem para os que creem também um apelo a purificarem a sua fé, para que Deus – o verdadeiro Deus – se torne acessível. (...)
Procuremos identificar, mais de perto, as novas fisionomias da violência e da discórdia. Em grandes linhas, parece-me que é possível individuar duas tipologias diferentes de novas formas de violência, que são diametralmente opostas na sua motivação e, nos particulares, manifestam muitas variantes. Primeiramente temos o terrorismo, no qual, em vez de uma grande guerra, realizam-se ataques bem definidos que devem atingir pontos importantes do adversário, de modo destrutivo e sem nenhuma preocupação pelas vidas humanas inocentes, que acabam cruelmente ceifadas ou mutiladas. Aos olhos dos responsáveis, a grande causa da danificação do inimigo justifica qualquer forma de crueldade. É posto de lado tudo aquilo que era comummente reconhecido e sancionado como limite à violência no direito internacional. Sabemos que, frequentemente, o terrorismo tem uma motivação religiosa e que precisamente o caráter religioso dos ataques serve como justificação para esta crueldade monstruosa, que crê poder anular as regras do direito por causa do «bem» pretendido. Aqui a religião não está ao serviço da paz, mas da justificação da violência.
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Se hoje uma tipologia fundamental da violência tem motivação religiosa, colocando assim as religiões perante a questão da sua natureza e obrigando-nos a todos a uma purificação, há uma segunda tipologia de violência, de aspeto multiforme, que possui uma motivação exatamente oposta: é a consequência da ausência de Deus, da sua negação e da perda de humanidade que resulta disso. Como dissemos, os inimigos da religião veem nela uma fonte primária de violência na história da humanidade e, consequentemente, pretendem o desaparecimento da religião. Mas o «não» a Deus produziu crueldade e uma violência sem medida, que foi possível só porque o homem deixara de reconhecer qualquer norma e juiz superior, mas tomava por norma somente a si mesmo. Os horrores dos campos de concentração mostram, com toda a clareza, as consequências da ausência de Deus.
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Ao lado destas duas realidades, religião e antirreligião, existe, no mundo do agnosticismo em expansão, outra orientação de fundo: pessoas às quais não foi concedido o dom de poder crer e todavia procuram a verdade, estão à procura de Deus. Tais pessoas não se limitam a afirmar «Não existe nenhum Deus», mas elas sofrem devido à sua ausência e, procurando a verdade e o bem, estão, intimamente estão a caminho d’Ele. São «peregrinos da verdade, peregrinos da paz». Colocam questões tanto a uma parte como à outra. Aos ateus combativos, tiram-lhes aquela falsa certeza com que pretendem saber que não existe um Deus, e convidam-nos a tornar-se, em lugar de polémicos, pessoas à procura, que não perdem a esperança de que a verdade exista e que nós podemos e devemos viver em função dela. Mas, tais pessoas chamam em causa também os membros das religiões, para que não considerem Deus como uma propriedade que de tal modo lhes pertence que se sintam autorizados à violência contra os demais. Estas pessoas procuram a verdade, procuram o verdadeiro Deus, cuja imagem não raramente fica escondida nas religiões, devido ao modo como eventualmente são praticadas. Que os agnósticos não consigam encontrar a Deus depende também dos que creem, com a sua imagem diminuída ou mesmo deturpada de Deus. Assim, a sua luta interior e o seu interrogar-se constituem para os que creem também um apelo a purificarem a sua fé, para que Deus – o verdadeiro Deus – se torne acessível. (...)
(Discurso de Bento XVI no encontro inter-religioso de Assis, 27.10.2011)
9 comentários:
Cara Margarida,
Nunca ninguém fez uma guerra para impor o ateísmo. Isto deveria ser suficiente para se entender o alcance da expressão "ateu combativo".
Eu, que me declaro não simpatizante das igrejas, incluindo a católica, gostava de ver o Papa Bento XVI, converter-se ao Catarismo. Gostava de o saber gnóstico, seguidor do cristianismo primitivo. Gostava de o ver abdicar de todos os privilégios, confortos e riquezas que a sua igreja, o seu Estado lhe proporcionam e dedicar-se de alma e coração aos pobres, aos doentes, a todos aqueles que se arrastam em sofrimento, pelos caminhos do mundo.
Se este milagre acontecesse e se o exemplo da conversão do santo padre contagiasse o restante clero, então a "casa" que o filho de Deus ordenou a Pedro que construísse, seria claramente a Sua.
Então, o Padre passaria ser verdadeiramente Santo e os restantes Padres, ministros de Deus na Terra...
Um texto que levanta muitas interrogações. Demasiadas, a meu ver. Li com cuidado, mas há uma ou outra frase que mexe mais, como a seguinte: "Os horrores dos campos de concentração mostram, com toda a clareza, as consequências da ausência de Deus." Não foi Ratzinger que, em 2006, no decurso da visita a Auschwitz, afirmou: "Porquê, Senhor, permaneceste calado?". Os horrores dos campos de concentração não são consequências da ausência de deus, mas sim frutos de humanos ante a indiferença ou o silêncio de deus, qual dos três o pior...
À procura da verdade?
Não foi Pilatos que perguntou a Cristo o que é a verdade? E Cristo respondeu? Não. Qual a razão do seu silêncio?
e O QUE é a verdade?
ó Pôncius dá-me dois quilos e meio
e quero berdade fresquinha
Caro Tonibler
A motivação anti-religiosa, a negação de Deus, a procura da inexistência de Deus, constitui uma tipologia de violência. O que é a violência se não uma forma de "guerra"?
Caro Bartolomeu
Os Homens são pecadores e o Clero não é excepção. Se todos e cada um regessem a sua vida por princípios cristãos o mundo seria, com certeza, diferente, para melhor. Não é assim e não creio que a conversão de que fala o Caro Bartolomeu salva-se o mundo da crueldade e violência que Bento XVI tão bem descreve no seu discurso pela tolerância e pela paz.
Caro Professor Massano Cardoso
Andamos todos à procura da verdade. O primado do ter sobre o ser, a procura do lucro e da satisfação egoísta, a violência de minorias que espalham o terror sobre maiorias pacíficas são factos que nos devem fazer reflectir. Não terá a ausência de espiritualidade que ver com este estado de coisas? Deus está ausente desta discussão?
Margarida
Espiritualidade não é sinónimo de deus, é, a meu ver, a mais importante característica humana. Ela emerge ou deveria emergir a partir de cada um de nós.
Não ponho em causa a espiritualidade humana ou a tentativa de a desenvolver...
Pergunta se "Deus está ausente desta discussão"? Penso que sim, através de um divinal silêncio e sepulcral indiferença.
Cara Margarida, a negação de Deus não é uma motivação anti-religiosa, é o fundamento da sua liberdade. Por isso é que nunca ninguém fez guerra para impor o ateísmo, ele é o fundamento da liberdade religiosa.
Caro Tonibler
Fundamental seria que a liberdade fosse bem utilizada, sem crueldade e violência em nome de um Deus qualquer ou de um qualquer Não Deus.
Cada um procura a verdade à sua maneira, através de um Deus, seja através do seu próprio aperfeiçoamento espiritual mas, neste caso, se dispensa o "guia religiosos", terá que encontrar valores e princípios que o aproximem da tal verdade que será sempre, a meu ver, a melhor forma de convivênca entre as pessoas e entre os povos.Ao Papa, como Chefe Supremo de a religião católica, compete dar as suas orientações e proclamar os princípios pelos quais se devem guiar todos os que abraçam essa religião e, se a spalavras são sábias, devem ser escutadas, acredite-se ou não em Deus.
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