A experiência da vida permite-me ter uma ideia muito pouco positiva, em termos globais, acerca do valor dos seres humanos, graças a muitos dos seus atos e comportamentos que, bem vistas as coisas, se mantêm perfeitamente inalteráveis desde que tomou conta deste planeta, ou mesmo antes, já que deve ter sido responsável pela extinção de outros homínineos.
Viver em pleno século XXI, no tempo de Alexandre o Grande, no notável período da renascença ou no exotismo maia, não é muito diferente em termos de ser, embora haja algumas nuanças, ditas civilizacionais, que impedem os grelhados da inquisição, a execução arbitrária ou a escravidão institucionalizada.
O cérebro humano é capaz de coisas brilhantes, belas, divinas, despertando sentimentos únicos, como o amor. Olhamos em redor do tempo e do espaço e verificamos que só mentes "loucas" poderiam ter produzido tanta beleza e tanta inovação. Esta loucura, que deveria ser rotulada de "dissidência", é devido a alterações constitucionais que estão na base de muitas problemas dos nossos dias, autismo, esquizofrenia, transtornos bipolares, depressões, entre outros. Se não fossem estes problemas provavelmente não estaríamos aqui. Tudo aponta para que a criatividade, a inovação e o sentimento artístico tenham sido consequências de situações hoje catalogadas como doenças. Nos primórdios, o despertar da compaixão entre os humanos permitiu desenvolver a tolerância para estes casos que, por sua vez, determinaram o progresso civilizacional. Afinal, a loucura é a mãe da beleza e da criatividade, e talvez seja por este motivo que alguns artistas procurem mais "loucura", além daquela que já têm, bebendo, drogando-se, optando por estilos de vida alucinantes, com o objetivo de alcançar o expoente do belo em todas as áreas criativas.
Não há limites que permitem separar o normal do louco, embora nos dias que correm haja a tentativa de transformar os normais em loucos, quando o que deveríamos fazer era precisamente o contrário, ou seja, transformar os "loucos" em normais, aproveitando e estimulando a sua criatividade inteletual, técnica e artística. Mas não, andam a embrutecer os sentidos com drogas e mais drogas alegando que são "loucos", o que é uma verdadeira loucura, porque muitos destes seres são os únicos que dão sentido à vida, através de um poema, de um romance, de uma escultura, de uma pintura, da representação ou da criação musical, contrariando a faceta de muitos outros, em que a maldade e a corrupção são determinantes para o domínio social, político e económico. Não deixa se ser curioso a afirmação de que qualquer ser humano é dotado da capacidade em se corromper e corromper desde que obtenha mais valias. Ou seja, em termos evolutivos, os seres humanos são dotados de meios que tanto lhes permitem pintar a capela Sistina, criar obras perfeitas como o Messias, ir à Lua, ou escrever um poema desconhecido capaz de por a chorar de felicidade um vulgar ser, ou serem capazes das coisas mais torpes e cruéis. O que não deixa de ser curioso é que há, também, razões do mesmo tipo, evolutivas, para explicar a corrupção e aquilo a que alguns chamam de "miopia moral" que está na base de ascensão social, económica e política.
Não pretendo fazer nenhum tipo de balanço, mas, ante as evidências resultantes de uma vivência de algumas décadas, somadas à reflexão, à leitura de muitas obras e à própria história, tenho de concluir que não há solução para os males da humanidade que se entretém a renovar os quadros de vida continuamente dominados pelos mesmos princípios. Resta-me a esperança de que não exterminem a "loucura", a única capaz de dar sentido à vida, pelo menos para alguns, porque aqueles a quem chamam de loucos, os tipos da política, da economia e similares, não são loucos, nem de perto nem de longe, são "normais", perigosamente normais, e que gostariam um dia evitar que nascessem os tais dissidentes, catalogados erradamente como doentes mentais, porque estão muito longe de situações a exigirem cuidados especializados. No fundo os "loucos" são o garante do prazer e da beleza...
5 comentários:
Ocorrem-me vários comentários a este texto, o que é bastante desagradável, por não ser capaz de me decidir por um. Quando este tipo de hesitação se me depara, recorro a um exercíciozinho; tento raciocinar, como se estivesse pela primeira vez, perante a situação, tentando ignorar qualquer reflexão ou opinião que tenha já formada.
Quando era miudo, perante as minhas constantes e imaginativas actividades, ouvia com frequência o comentário; «este miudo é maluco». É verdade que no decorrer da minha adolescência, essa minha irrequietude, e constante imaginação inventiva, me colocaram bastas vezes em situações críticas, em algumas cheguei mesmo a colocar a vida em risco.
Diz o povo, que ao menino e ao borracho, põe-lhes Deus a mão por baixo. A mim, sinto ainda hoje a presença dessa Mão, pois de vez em quando "para não lhe perder o jeito" ainda me ocorrem algumas loucuras.
A vida parece-me muito monótona, se não a salpicarmos com algumas farripas de loucura.
Mas, como disse no início, muitos comentários se me apresentam, a este post, o qual me recordou um poema de Alberto Caeiro, intitulado "Umvento muito leve passa" e reza assim:
Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
Nem procuro sabê-lo.
;)))
Caro Professor Massano Cardoso
Estou com o nosso caro Bartolomeu, o texto permite várias reflexões. O tema da loucura é realmente interessante.
Penso que a loucura tem vários graus de desenvolvimento, ao ponto de a loucura poder ser uma doença que precisa de ser tratada. E a loucura também tem duas faces, a boa e a má.
A loucura boa é aquela que nos tem permitido evoluir através da criatividade, seja na ciência, seja nas artes e em outras zonas do conhecimento. Einstein e Mozart eram pessoas fora de série que muitos consideram que tinham dentro de si uma certa "loucura". A loucura má tem as consequências que sabemos e não faltam exemplos.
Mas a bem dizer todos temos um bocadinho de "loucos" quando decidimos fazer coisas que na nossa vida saem fora do padrão da normalidade. Ninguém leva a mal por isso, só nos faz bem e aos outros também.
Com base naquilo que a cara Drª Margarida expõe no final do seu comentário, eu resumiria que é notória, uma grande necessidade no homem, em adjectivar o seu semelhante.
William Faulkner disse:
«Às vezes não tenho tanto a certeza de quem tem o direito de dizer quando um homem é louco e quando não é. Às vezes penso que não há ninguém completamente louco tal como não há ninguém completamente são até a opinião geral o considerar assim ou assado. É como se não fosse tanto o que um tipo faz, mas o modo como a maioria das pessoas o encara quando o faz.»
Contudo, penso que a determinação da loucura, está sujeita ao resultado de uma equação, composta por escassos dados e muitas incógnitas. Alguns dados, variam de acordo com as épocas e com os estados das sociedades, com os preconceitos sociais e religiosos. Alguns dados, baseiam-se em boas vontades, mas muitos outros são corruptelas interesseiras e demagógicas, lançadas muitas vezes para desviar as atenções daqueles que as lançam, para o vizinho do lado.
Uma equação que provávelmente irá acompanhar o Homem ao longo de toda a sua existência...
O seu próprio prazer em primeiro lugar...o dos outros é acessório.
MariaCalado
Para não ficar calado, gostaria de saber o que pretende dizer com tão enigmática frase.
Anda estive para dissertar a propósito do hedonismo, mas tive de interromper, esperando que esclareça o seu pensamento. Só espero que não seja o objeto da sua atenção ao afirmar: "O seu próprio prazer em primeiro lugar...", porque poderá ter razão! Mas se este for o sentido da sua observação, então permita que lhe pergunte: pratica alguma forma de hedonismo "altruístico"?
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