Para além do que a oradora transmite (em linguagem bem simples e apelativa) muito haveria a dizer sobre o acesso à informação, em especial no capítulo da responsabilidade individual. Independentemente do nível de literacia em que cada um de nós se inclui, (quase) todos têm a liberdade de escolher aceder a fontes de conhecimento que estão à disposição. Optar por um reality show ordinário ou ficar horas a fio assistindo a uma telenovela pífia em vez de gozar de um bom filme, de uma peça de teatro, ler um livro, participar numa tertúlia, numa conferência ou num simples discussão entre amigos, é uma escolha individual. Essa é a outra face da moeda do direito natural a compreender o mundo em que vivemos. Há, de fato, um dever que vincula quem transmite informações de interesse geral: utilizar linguagem que todos entendam. Mas existe também um irrenunciável dever de cada um se valorizar para atingir novos patamares de compreensão. Foi sobretudo isso que os suecos, com os quais a oradora nos compara, há muito entenderam. As bulas dos medicamentos e os contratos que circulam pela Suécia não dizem mais nem menos, nem dizem diferente, que em Portugal.
9 comentários:
Caro JMFA,
Eu já tinha visto esta apresentação porque quem fez a da teoria das cordas que é referida é um colega meu. E lembro-me de ver isto na altura em que um tribunal me disse que ia destranhar uma porcaria qualquer.
A diferença que existe entre eu fazer subir a minha compreensão e o tribunal fazer subir a qualidade do seu trabalho é que eu, cidadão pagante, fui convencido de que não preciso daquele serviço. Se tiver que saber que porcaria é um destranhamento então faço eu tudo, obrigado, e não há valor nenhum em saber que porcaria é isso (aliás, os dicionários nem sequer têm a palavra o que demonstra que o funcionário público que procurou o termo deve ter tido algum trabalho para chatear a cabeça a quem lhe põe a comida na boca...)
É uma mera questão de qualidade, a minha está na escolha entre a telenovela e a teoria das cordas, a do tribunal entre eu precisar dele e achar que vivemos bem sem ele. O que têm de comum estas duas situações é que sou eu a pagar pelas duas e, um dia, sou eu que vou optar. E não tenhamos dúvidas sobre o resultado do referendo sobre a manutenção de uma justiça portuguesa, que já tarda.
A diferença entre os suecos e nós é essa, a exigência de qualidade, a individual e a colectiva. Por isso aos suecos é admissível a existência de um estado forte, para nós é impossível ter um por mais fraco que seja. E não vem mal nenhum ao mundo por isso, quando quiser ser sueco, vou para a Suécia.
Daqueles dois gráficos apresentados pela menina Sandra, fico sem entender, apesar de saber ler, se a diferença de grandeza numérica entre os dois se deve a uma superior literacia sueca, se a uma maior simplicidade dos mesmos documentos que em Portugal se verifica serem de complicado entendimento.
Não sei também, se o Sr. Presidente da República Portuguesa alguma vez assistiu a este clip de vídeo e, se o fez, se reflectiu sobre o nº de Portugueses iletrados e letrados mas de reduzida capacidade de entendimento, e se viu e reflectiu, se acha democrático, mandar 95% dos Portugueses aceder à página do faceboock da Presidência da República, se quiserem conhecer a opinião do SEU presidente, o Presidente que todos, letrados e iletrados, de ágil e de lento entendimento, elegeram, com a promessa de ir ser O Presidente de Todos os Portugueses, O garante da democracia e defensor dos direitos de todos os Portugueses.
Caro Ferreira de Almeida, muito, muito interessante tema este que nos traz. É reflexão antiga minha colateral a outra coisa, essa sim a principal: a democracia e os contextos em que é aplicavel como instrumento de progresso dum povo por oposição àqueles em que é pá para cavar uma sepultura. O entendimento do mundo e da forma como funciona é essencial para a existencia do próprio sistema democrático. A democracia é um absurdo se os eleitores forem mentecaptos, consumidores compulsivos de lixo mediatico (seja ele televisivo, radiofónico ou qualquer outra coisa) e, pelo inverso, apenas pode funcionar com um leque de eleitores conscientes e com compreensão sobre o que os envolve e com as consequencias do seu voto e das suas movimentações enquanto sociedade civil.
Precisamente questões deste cariz são algumas das que me deixam (sempre deixaram) muito reticente quanto à aplicabilidade universal da democracia.
Caro Bartolomeu,
Não é no acesso ao facebook que os portugueses mostram a sua iliteracia, nem é por se dirigir a eles por aí que o PR é o presidente de todos os portugueses que sejam católicos, funcionários públicos e heterossexuais. É a mesma questão, é uma questão de exigência de qualidade, de uns e de outros.
José Mário
As escolhas sendo individuais não deixam de reflectir os níveis de literacia geral, assim como os conteúdos dos canais de comunicação mais à mão, como é o caso das televisões, contribuem mais ou menos para a formação ou deformação cultural. É por isso que as escolhas dos suecos não são as mesmas dos portugueses.
Meus amigos, muito interessantes as V. reflexões sobre este tema nuclear, como bem diz Zuricher, à própria democracia. Que vale o voto de um cidadão que não compreende as propostas que lhe são dirigidas por quem lhe pede o mandato?
Caro Drº Ferreira de Almeida,
Obrigado pela partilha. Estou de acordo com a ideia de que podemos fazer mais a bem da nossa literacia. Mas também acho que os documentos cujo alvo é o público em geral, deveriam ser escritos de forma mais entendível.
Li a sua arguta observação:-"As bulas dos medicamentos e os contratos que circulam pela Suécia não dizem mais nem menos, nem dizem diferente, que em Portugal."-Fiquei curioso, e pensei que o documento poduzido teria ficado mais "claro e elucidativo" se fosse traduzida uma qualquer bula sueca. Foi pena que a oradora não o tivesse feito e apenas se tivesse limitado a ler documentação técnica que como sabemos é quase sempre destinada a um púlico específico...
Gostei muito deste post, vou levar.
tema nuclear possivelmente, radioativo de certeza.
Grande nickname, Ilustre Mandatário do Réu. Um tudo-nada auto-elogioso pois normalmente deixa-se o "ilustre" para os outros, salvo no caso do Dr. Narciso ;)
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