Costumo dar uma aula sobre vieses e variáveis de confundimento a
fim de explicar quais as consequências em termos de qualidade de informação que
se obtém no decurso de uma investigação. Se não forem controlados corremos o
risco de obter informação de má qualidade, falsa, incorreta ou distorcida, o
suficiente para comprometer a nossa visão da realidade e levar a que tenhamos
comportamentos errados.
O ser humano adquiriu há muito a capacidade de argumentar, uma
característica que o ajudou muito na evolução. Essa capacidade de argumentar
não é propriamente sinónimo da procura da verdade mas sim o meio mais eficaz de
persuadir os outros convencendo-os de que tem razão, mesmo que não a tenha e,
deste modo, adquirir as respetivas vantagens. Talvez seja por isso que procura
sempre os factos, as opiniões e tudo o que venha a reforçar os seus
"preconceitos", ideias, tiques doutrinários, estereótipos religiosos
e tudo o demais com o qual se identifica.
Chamam a isto o "viés de confirmação". Nunca o
abordei, e tenho uma grande "coleção" de vieses. Um bom tema para discutir.
Não é preciso recorrer a situações da saúde para o desenvolver,
se bem que começo a vislumbrar alguns exemplos do mesmo, mas prefiro olhar para
o que me rodeia, áreas do social, do desporto e da política.
Algumas pessoas ao escreverem sobre os outros apontam-lhes
aspetos negativos, e estão sempre atentos a transcrever e a justificar as suas
más opiniões como se os mesmos não tivessem cinco reis de caráter ou um mínimo
traço de honestidade. "Não gosto dele, nunca gostei", nem é preciso
dizer a razão, mas estão atentos a solidarizarem-se com tudo o que puderem para
confirmar essas tendências utilizando-as como argumentos de peso. E se não
forem de peso, arranjam sempre maneira de conseguir, criar ou inventar
argumentos com esse objetivo. O que é interessante é que se preocupam mais com
a aquisição de elementos, notícias, ideias ou opiniões que alimentem os seus
preconceitos do que propriamente saberem a verdade. Alimentam-se do viés de
confirmação, uns verdadeiros esfomeados, sem o qual não conseguem sobreviver.
Arrepio-me, é o termo certo, quando leio muitas opiniões nos
blogs, no facebook, na televisão, nos jornais e em algumas entrevistas ou
reportagens.
No entanto, admiro a capacidade de argumentação de muitos,
elegante, sóbria, despretensiosa, sempre abertos a mudarem de opinião e a
contribuírem para a procura da verdade, mas intimida-me a de muitos outros, que
tudo fazem para se imporem, frequentemente à custa da procura e do uso de tudo
o que estiver de acordo com os seus "princípios doutrinais" ou preconceitos.
Não tenho a pretensão de ser imune a esta forma de ser, mas faço
todos os possíveis para a evitar. Volta e não volta sou rotulado de herege ou
acusado de ter atitudes muito pouco ortodoxas. Interessa-me mais a verdade do
que me alimentar através do viés de confirmação. Infelizmente nem sempre
encontro a primeira e quanto ao segundo preferiria passar fome, mas passar fome
é muito complicado...
12 comentários:
Tenho por hábito frequentar predominantemente os blogs com cujas ideias concordo mais frequentemente, como seja o Quarta República. Os outros, só lá vou por alguma razão extraordinária. Deleito-me ao ler os textos que espelham uma opinião igual à minha e por isso procuro de preferência esses textos. Será isto um viés de confirmação?
E essa forma de ser é característica da humanidade em geral ou predominante em determinados povos?
Excelentes perguntas, confesso. Quanto à segunda, a da Catarina, só posso dizer que é "característica da humanidade".
E quanto à primeira? É capaz de ser, também, uma forma de viés, embora acredite que quem nos leia esteja capacitado para discordar e não se deixa levar por opiniões desastradas ou incorrectas. Basicamente o viés de confirmação utiliza "factos" duvidosos, insuficientes, incorrectos, maldicentes. Emitir opiniões e saber mudar de opinião é um pouco diferente, partilhar princípios ou forma de ver não será a mesma coisa.
Detesto "comentar-me" sobretudo no que diz respeito a evidenciar as qualidades que julgo possuir. Do mesmo modo, detesto argumentar, como forma de fazer passar a minha ideia, a minha convicção.
Possuo o
um defeito contra o qual tento lutar no meu íntimo; quando exponho uma ideia, um pensamento, ou uma opinião e o(s)meu(s) interlocutore(s) desatam a argumentar, rebatendo aquilo que acabei de expôr, remeto-os interiormente para o mais profundo dos desprezos.
Mas, o que me incomoda verdadeiramente, é o sentimento de desprezo, o qual abomino até à raíz mais fina do meu ser.
E lider com este braço de ferro?!
Uiiiii é verdadeiramente impossível.
;)
Bartolomeu
Compreendo-o muito bem.
Um abraço
Eu adoro exemplos desses (não aplicados a mim, claro) porque são boa parte do que é hoje o jornalismo - omitir factos relevantes para a interpretação de um conjunto de outros. Por exemplo, o facto de uma colega minha ter ficado grávida pode ser noticiado como "veio trabalhar para o pé de mim e ficou grávida". E há exemplos muito bons em filmes inteiros. Por exemplo, o filme-documentário "Inside Job", supostamente sobre o meandros dos mercados financeiros usa um conjunto de factos indesmentíveis para lançar um conjunto de interpretações moralistas que não apareceriam com outros que se percebe terem sido omitidos. O caso do Relvas é outro, o jornal começou por dizer que o Relvas teria ameaçado que colocaria informações pessoais da jornalista, provocando a interpretação de que teria posse de segredos cabeludos sobre a senhora. Dias depois sabe-se que o segredo é que ela vive com um político da oposição, coisa que já deve ter saído na Caras 20 vezes.
Quem sabe se a livros que suportam religiões inteiras não foram suprimidos parágrafos que alterariam completamente a sua interpretação e, com isso, teríamos uma História completamente diferente?
Olha só por falar em viés e confundimento.. Merkel não sabia ..acho que ainda não sabe ...onde fica Berlim no mapa ...iii rapaz... é assustador...o nível dos líderes Europeus está alto ..muito alto ..sim senhor ..
Muito a propósito este post, todos somos um pouco manipuladores, seja por bem ou por mal, conciente ou inconscientemente, por isso investigar implica, no mínimo, saber que deve obedecer a técnicas científicas e a conhecimentos mínimos de como conduzir uma investigação, seja ela qual for. A ignorância leva a confundir investigação com intriga, pena que as suas aulas não sejam abertas na net, caro Professor, evitavam-se muitas confusões e juízos precipitados.
Os vieses e as variáveis de confundimento só fazem sentido em contextos onde há de facto uma medição que pode ser enviesada.
Por exemplo, se meço o comprimento de um morango com uma régua posso cometer um enviesamento de paralaxe. Mas o enviesamento faz aqui sentido porque o comprimento do morango é uma quantidade bem definida.
Normalmente essas quantidades são mera poeira de Cantor no contínuo da informação.
Todas as medições são sucetíveis de enviesamento. Tudo o que se passa "debaixo" e "por cima do sol" são passíveis de medição.
muito interessante, nunca o tinha ouvido dito desta forma. Foi buscar o viés ao "bias" inglês?
Em português temos o termo "viés" equivalente ao "bias" em inglês. O viés é um termo que as costureiras usam com certa frequência, "cortar de viés", ou seja, cortar não a direito...
Enviar um comentário