Confesso, envergonhadamente, que até Sábado passado de manhã, quase nada sabia de Clarisse Cruz. Não estava entre os “medalháveis” da selecção olímpica portuguesa e tinha conseguido o apuramento para os Jogos de Londres quase em cima do acontecimento. Por sorte vi a sua prova de qualificação para a final nos 3 mil metros obstáculos.
Quando a vi cair ao passar um obstáculo, ainda durante o primeiro km da prova, pensei que estava tudo acabado. Não seria anormal que assim acontecesse. E, perante uma participação portuguesa até aí globalmente fraca (ainda não tinha decorrido a final do remo, em que Pedro Fraga e Nuno Mendes atingiram a espantosa 5ª posição), pensei “bem, pronto, lá está o tradicional fado lusitano… mais uma queda, outro infortúnio”… Mas que engano!... Clarisse caiu, levantou-se como se nada fosse, cerrou os dentes e, cheia de garra, apurou-se para a final batendo o seu próprio record pessoal e o record nacional na distância!... Convém recordar que Clarisse é colaboradora da Câmara Municipal de Ovar e treina apenas em horário pós-laboral… e conseguiu dar uma enorme lição de querer, garra, atitude e sofrimento a muitos atletas que por aí andam!... Foi para mim um enorme orgulho ver Clarisse Cruz a representar Portugal daquela forma. Sim, não foi apurada directamente para a final – foi repescada. E hoje, na final, há pouco realizada, foi 11ª. Mas para mim, e que me desculpem os nossos remadores (que já acima referi), as nossas remadoras (que irão a uma final na quarta-feira), a nossa cavaleira (também presente na final no mesmo dia), os nossos tenistas-de-mesa (brilhantes, vendendo muito cara a derrota perante a Coreia do Sul, segunda melhor selecção do mundo, nos quartos-de-final dos Jogos), as nossas três excepcionais maratonistas (que prestação óptima na prova de Sábado de manhã, levando, com os seus 7º, 13º e 21º, Portugal a ser o terceiro melhor país na prova) – que me desculpem todos, mas Clarisse foi, até agora, única. Se Sábado vi a sua prova por acaso, hoje fiz questão de não perder a final. Sim, sabia que as suas hipóteses eram reduzidas. Mas isso, para mim, pouco ou nada contou. A sua presença na final, superando-se e superando todas as adversidades valeu mais, muito mais do que qualquer medalha. O que contou, mesmo, foi a sua atitude. Um exemplo a seguir por todos. Portugal também é isto: cair, cerrar os dentes e voltar a levantar-se. Obrigado Clarisse.
13 comentários:
Muito bem. Um exemplo a seguir e um nome a fixar.
Miguel
Tinha lido alguma coisa sobre a Clarisse Cruz, mas muito longe da informação tão completa que aqui nos trouxe. Merece ser "medalhada" por ser uma vencedora do esforço. Um exemplo.
Exactamente Margarida. Merece uma medalha de todos os Portugueses!...
Os atletas que escolhem estas modalidades estão á espera duma maior variabilidade de resultados para ter alguma hipótese, e para isso contam com os erros dos adversários. Se ganhasse por queda da adversária eu era o 1* a dizer que merecia a medalha, não ia dizer que todas mereciam. Portanto, se cometeu grave erro não merece, é a minha opinião.
Um exemplo do que é ser Português no rescaldo dum tempo em que ser fácil e pardo têm sido sempre condições sine qua non para a escolha de caminhos. Felizmente Clarisse escolheu o difícil, e à vista de todos.
João Monteiro Rodrigues
Clarisse Cruz fez o que tinha fazer: levantar-se e correr. Claro que o comodismo e o facilitismo que vão definindo o mundo português já fazem que o facto seja salientado. Estranho mundo este, onde lutar e persistir já é coisa de enaltecer. Contudo, a vida é mesmo isso: na saúde, no emprego, no trabalho, nas empresas.
Parece é que o pessoal está sempre à espera de uma qualquer Senhora Merkel para o ajudar a levantar; essa é a nossa tragédia.
Sem dúvida, é bem tempo de corrermos por nós, para nós, e sem Frau Merkel a puxar!
João Monteiro Rodrigues
Bom comentário, caro Dr. Pinho Cardão.
Quem pratica ou praticou um desporto de competição, sujeita-se à influência de variadíssimos factores, os quais lhe permitem vencer ou não a prova em que participam.
O facto de um atleta vencer ou não uma prova, parece-me que não demonstra ou qualifica o espírito de um povo. São coisas diferentes.
O atleta compete para se superar a si mesmo e aos seus adeversários, para vencer os obstáculos que surgem durante a prova, tanto aqueles para que se preparou, como para os que surgem inesperadamente.
Se o atleta recupera de um desses obstáculos, é porque se encontra físicamente e psicológicamente forte. Aquilo que vulgarmente se designa por "estar em forma".
E... desde que não lhe surja uma gravidez à última hora, e tenha andado à um ror de meses e por vezes anos, a preparar-se para obter os resultados necessários para se classificar para os jogos olímpicos, espera poder dar o seu máximo quando chegar o momento de competir e, só pensa no país a que pertence, se obtiver um lugar de pódio e tiver direito a escutar o hino da sua nação, de resto, sente uma profunda desilusão, pensa inclusive em desistir de tudo, ou então, voltar a preparar-se melhor e deixa as considerações para os tipos do fatinho e do aperto de mão... aqueles que, secalhar, nunca calçaram umas sapatilhas, nem saberão o que é sentir a dificuldade de respirar, ao fim de 10km de corrida, as dores musculares a impedirem a projecção do corpo, a pressão do atleta que tenta ultrapassar.
Coisas que só quem lá anda sabe avaliar... e nem sempre.
;)
Oportuno apontamento Miguel. E um excelente exemplo a de Clarisse. Merece muito mais do que o aplauso.
Caros todos, muito obrigado pelos vossos comentários. Meu caro Pinho Cardão em particular: não sentiu nem uma pontinha de orgulho por Portugal estar a ser representado por Clarisse cruz?... Olhe, eu senti - e muito. Para mim, era ela que ganhava a medalha. Alguma emoção não faz mal a ninguém, não é?...
E não sei se ela cometeu um erro naquele obstáculo: são coisas que acontecem. Podem acontecer a todos. E nem todos reagem da mesma forma. Dizer que ela fez o que tinha que fazer, sem mais, parece-me demasiado simplista. E injusto. Acharia sempre isto - ainda mais nos tempos que correm... Um abraço.
Muito bem Miguel, gostei imenso deste teu escrito.
Muito bem, caro Miguel. Para concordar consigo em tudo de atletismo é só parar de passar por mim nas "meias" como se eu tivesse parado...Raios!:)
Caro Pinho Cardão, os Jogos é o sítio onde mandamos os nossos campeões. Talvez para um portista seja complicado entender a existência de imponderáveis na competição (...tinha que ser...:) ) mas Campeão é aquilo, não é mandar uma equipa de sul-americanos uma competição onde ninguém acredita no vencedor. Quando Pierre de Coubertin idealizou os jogos era isto, Clarisse Cruz Câmara de Ovar, 3000 obstáculos a tentar a medalha até ao último fôlego, sob que circunstâncias for.
Se calhar a palavra do Miguel, "orgulho" não se aplica bem. Gratos seria a palavra correcta, orgulho dá a impressão que fizemos alguma coisa pela Clarisse.
Caríssimo A. Pinho Cardão,
Tem toda a razão, é um estranho mundo este em que persistir é uma atitude de excepção e desistir é o esperado.
A pergunta que permanece é que modelo se alterou no comportamento das gentes para que a persistência e a resiliência fossem tornadas qualidades em vez de características inatas, de que um ser humano goze pela sua natureza de ser humano.
Senti orgulho por saber que há ainda quem as tenha inatas - cai e levanta-se, naturalmente. Por ser esse o caminho da 4ª Republica, talvez, e não o caminho da mediocridade de que em muitos momentos temos sido campeões.
João Monteiro Rodrigues (filho A. João Vieira Rodrigues)
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