Diálogo entre uma pessoa de idade e a sua neta:
- Avó, uma amiga minha que trabalha em Londres ganha 24 mil euros por ano.
- Ena, isso é muito, mais de vinte mil contos é uma fortuna!
- Não, avó, é o mesmo que 400 contos por mês, mas uns sapatos lá custam 150 euros.
- Deve ser boa vida em Londres, ganhar tanto e pagar só 150 escudos por uns sapatos é barato, quando eu era nova ainda eram caros mas agora já nem se encontram por esse preço.
Este breve diálogo explica muito da facilidade com que as “escandaleiras” vão povoando jornais e noticiários, atirando para parangonas números em euros com muitos zeros, milhares e milhares, um milhão, imensos milhões, tantas vezes comparados com as poucas centenas dos salários mensais de muitas pessoas. Os biliões, também muito vulgarizados desde que as contas dos bancos entraram na análise dos “analistas”, misturadas com palavreado de alto gabarito, como imparidades, irregularidades e outras complicações, conseguem ser destronados pelos mais acessíveis milhares de euros, se alguém disser que ganha 20 mil euros por ano poucos se lembrarão de dividir por 14, menos os impostos, não senhor, tlim tlim, salta logo a palavra “milhares” e a aritmética não vai muito longe, o melhor é deixar subentendido que são contos, sem dividir por 5, "honni soit qui mal y pense", as conclusões são de cada um. A popularidade dos inúmeros relatórios, avaliações, inspecções e estudos para todos os gostos tem o sucesso garantido através desta simples confusão que ainda reina na referência do nosso imaginário, se é pouco tomamos por escudos, se é "mil" assumimos como contos de réis, compara-se tudo, a receita é simples e está a dar. Assim se lançam suspeições, assim se duvida das instituições e de quem as serve, assim também se regateiam salários e se generaliza um populismo que não beneficia ninguém. Uma pensão de 5 000 euros (lá estão os três zeros) é “milionária”, tal e qual como no tempo em que quem tinha mil contos o era, no tempo dos nossos bisavós.
A avó do diálogo acima terminava com um suspiro, ai, filha, agora parece que só há milhares e milhões em todo o lado, parece que são todos ricos ou ladrões! Toma lá 50 euros para ires de táxi para casa, se sobrar vai ao cinema…
- Mas, avó, isso são 10 contos!
- Dez contos? Pode lá ser...
- Dez contos? Pode lá ser...
4 comentários:
Como a falsa perceção de escalas servem para manipular! O que é mais preocupante não é a atitude enganosa de quem manipula, é perceber-se a facilidade com que muitos, mesmo muitos se deixam iludir. A quantidade de "avós" fora da idade é impressionante. E disso se dão conta e aproveitam os arautos da desgraça, os tremendistas e os que vencem no ambiente do "quanto pior, melhor".
É isso mesmo, caro Zé Mário.
É curioso como os mais velhos, falo também por mim, têm necessidade de amiúdas vezes recorrerem à conversão do valor nominal dos euros em escudos para aferirem do seu valor real. Se falamos de uma casa, por exemplo, há tendência em sabermos quantos contos são para termos a noção de grandeza, enquanto os jovens aceitam o valor da coisa sem pestanejar…
Ainda há dias dizia-me um jovem licenciado, com especialização no estrangeiro paga pelos pais, mas ainda desempregado, que ia emigrar porque não arranjava emprego, e a gracejar ia dizendo que o euromilhões não lhe saía, bastavam-lhe 2.000.000 para não ter que se preocupar com mais nada, podia ter tudo o que queria, investia em casas para alugar, negócio garantido, sem risco, uma forma simples de exponenciar o capital, por aí adiante...
Num primeiro instante fui levado por ele, também, a sonhar, - como seria bom para mim nunca mais ter de aturar estafermos, ter uma vida boa, sem as ralações que a falta de dinheiro cria, enfim, haverá coisa melhor?!
Acordado deste sonho, momentâneo, achei que os dois milhões eram de facto muitos zeros, mas não os suficientes para tanto descanso, e retorqui-lhe:-Com 2 milhões compravas 10 casas que te poderiam render 6 mil euros mês menos, os impostos, as rendas incobráveis, o tempo de espera entre o sai e entra, a manutenção dos imóveis… Fazes bem em emigrar meu caro, isto aqui só para pobres…
Se uma pensão de 5000 € não é milionária o que será uma de 200 €?
Será que em Portugal haveria todo este ruído se a pensão mínima fosse de 600 ou 700 € e a máxima (como na Suíça, país pobrezinho) de 3000 €? (com benefícios claros de produtividade, competitividade das empresas, falta de tensão social, etc...)
O drama hoje, em Portugal, é que diferenças remuneratórias de classes alicerçadas no poder político e com o poder de se autoimporem, já não estão alicerçadas nem em diferenças de formação, nem em diferenças de mérito e capacidade de trabalho - apenas no domínio do estado através de uma farsa democrática!
E o primeiro PM que perceber que isto assim é, e que só se pode governar na verdadeira justiça e equidade, estará pelo menos 48 anos no poder, porque trará portugal para fora de muitos dos tiques de Antigo Regime que não foram extirpados nesta sociedade ainda muito feudalizada, conservadora e provinciana!
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