Ouço o vento zangado a soprar nas minhas costas. Não o entendo, não sei o que pretende, talvez queira assustar-me. Incomoda-me aqueles longos gemidos de dor a adivinhar outras dores. O sol dança, o sol esconde-se, também não deve gostar muito daquela agitação e as árvores rodopiam num bailado sem sentido, como almas possuídas pelo demónio.
Invade-me uma sensação de enjoo, deve ser cansaço do corpo e tormenta na alma. Refugio-me em pensamentos mas não os encontro. Leio e não vejo nada. Assusto-me com as pessoas que não temem o vento. Ouço-as a semear ventos. Nunca colhem nada, nem as tempestades. Sopram ventos da desconfiança, ventos da discórdia, ventos de dores, ventos desnorteados. Eu ouço-os e sinto medo. O sono invade-me lentamente como querendo roubar-me à realidade. Alicia-me com uma breve ida ao paraíso, onde não há vento, gritos de dor e ameaças de sofrimento. Sinto um suave peso nas pálpebras. Uma agradável sensação penetra no corpo paralisando os músculos e as ideias. O vento continua a soprar. Parece-me que estou a deixar de o ouvir. Entretanto, o crepúsculo do sonho deixa-se invadir por curtas lembranças. A jovem, tímida, vem atrás de mim, e pergunta-me, posso dar-lhe uma palavra. Olho para o seu semblante e reconheço-a das aulas, uma aluna atenta, sempre atenta. Uma das poucas que resistiram até ao último dia. Faz favor. É só para lhe agradecer as suas aulas. Gostei muito. Sorri e, meio atabalhoado, perguntei-lhe, como é que se chama. Rita. Posso dar-lhe um beijinho? Sorriu, encostou a sua face e cumprimentei-a, dizendo-lhe, obrigado, foi a melhor prenda que recebi até hoje. Ao rememorar este episódio os músculos adquiriram o tónus, o cérebro despertou com alegria e o vento desapareceu como que por encanto e com ele levou as minhas mágoas e medos, ficando a saborear tão belo episódio...
7 comentários:
Ainda vai havendo reconhecimento. Alias + que merecido! Parabens ao Prof e aluna.
Há gestos que valem ouro, essa aluna é mesmo atenta e não é só às aulas! Vai ser uma excelente médica uma discípula à altura do mestre.
No meio das tempestades surgem, quando menos se espera, brisas doces e suaves...
Os maiores momentos da vida de um Professor, são certamente, quando recebem manifestações de apreço, como esta aqui tão bem descrita.
Não sei ao certo porquê, este texto lembrou-me o poema de Pessoa na sua Mensagem:
"O mostrengo"
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:
“El-Rei D. João Segundo!”
“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
“Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”
E o homem do leme tremeu, e disse:
“El-Rei D. João Segundo!”
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que a minha alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!
Ha que ter ânimo para continuar a lutar contra o "mostrengo" que a todo o custo deseja afundar a nau onde fomos paridos, tendo presente que vencidos os medos e os vendavais, alcançaremos a bonança. assim nos guiem a luminosidade da esperança e a vontade ferrea do querer.
Bastam pequenas coisas, pequenos gestos, até um sorriso!, para amenizar o momento de incerteza angustiante que vivemos, que tolhe os sentidos e tira sentido à nossa própria vida... Parabéns ao srº Prof e também à aluna, que soube ver para além do seu horizonte...
Como o compreendo, caro professor.
Muito imodestamente, mas salvaguardando as devidas distâncias, vou contar algo que, semelhante, se passou comigo. não sou professor, mas quiseram as circunstâncias que um amigo e director de um colégio, nos idos anos de 1971/72 me convidasse, numa aflição, a leccionar Matemática a uma turma do antigo 3ºano liceal, por não conseguir professor devidamente habilitado (na altura era possível).Sendo compatível com o meu trabalho, embora com alguma relutância, aceitei e, esforçando-me para ser sério e competente, levei a tarefa ao fim. Terminou aí e até hoje, a minha experiência como professor.
Acontece que no Outono de 2011, estando a comprar medicamentos numa farmácia, ao balcão, do meu lado esquerdo, se encontrava uma senhora em igual tarefa. A dita senhora abordou-me e disse:
-desculpe, não é o prof. fulano que leccionou matemática em tal ano, no colégio tal?
Respondi:
-nunca tendo sido professor, está absolutamente certa. Já depreendi que foi minha aluna, quer lembrar-me o seu nome?
- sou fulana e hoje, também sou professora;
-lembro-me perfeitamente, era muito boa aluna;
-e eu, senhor "prof." quero dizer-lhe que foi o melhor prof. de Matemática que tive em toda a minha vida de estudante.
CAIU-ME O MUNDO EM CIMA.
Vê, Sr. Professor, como o compreendo? Perdoe-me a imodéstia, mas é verdade.
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