Interessante o artigo de Paulo Rangel publicado na edição de terça-feira passada do jornal Público com o título “O argumento das “gerações futuras” e a “nova“ luta de classes” do qual transcrevo abaixo uma parte.
O argumento do “conflito de gerações“ entrou, é verdade, no discurso político e mediático, tem sido recorrentemente utilizado. A ideologia da defesa das “gerações futuras” assenta na ideia, a meu ver injusta e perigosa, de que existe ou está para eclodir um “conflito entre gerações” que põe em causa o futuro das gerações mais novas e das gerações futuras. Esta classificação promove uma imagem de que há uma separação geracional que coloca de um lado os velhos, beneficiários de um conjunto de regalias sociais e económicas indevidas, e do outro lado os seus filhos e netos, vítimas dessas vantagens ilícitas e da falência a que conduziram o país.
É um falso problema, não está em causa acudir a um “conflito entre gerações”, considerá-lo seria assumir que existe e a meu ver não existe. Existe, sim, a necessidade de fazer pontes entre gerações. Todas as gerações são importantes.
1. O argumento das “gerações futuras” não é novo, nem revolucionário. Não é de todo novo nas finanças públicas, já não é novo nas matérias ambientais, não é desconhecido das mundividências religiosas (em particular, cristã – veja-se a Gaudium et Spes) e também não pode sequer apoderar-se de inovador na doutrina constitucional. Em boa verdade, antes mesmo, de poder ser visto como um princípio ou um argumento político, ele traduz uma preocupação ancestral, instintivamente humana e intrinsecamente ligada à preservação da espécie.
Em todo o caso, nos últimos tempos, o argumento das “gerações futuras” invadiu o espeço mediático, logrando impor-se no debate político e entretanto afoito no agora irrequieto debate constitucional.
2. Que a ideia de protecção das gerações futuras – do mundo que há-de vir – merece acolhimento ético, político e até jurídico parece razoavelmente pacífico. Dificilmente alguém discordará do postulado de que sobre as gerações presentes – sejam mais velhas ou mais novas – impende um dever de boa administração que não comprometa, financeira ou ambientalmente (para tomar os dois exemplos mais comuns), a vida daqueles que ainda não nasceram.
E fica já aqui sublinhado um ponto que é, muitas vezes, negligenciado: as gerações mais jovens também são gerações presentes… A defesa dos “direitos das gerações futuras” ou a respectiva compreensão e construção como “deveres” que implicitamente limitam ou condicionam os “direitos das gerações presentes” é agora largamente consensual.
3. O problema que se põe hoje, em especial na sociedade portuguesa, é um outro, bem diverso, e ainda associado ao risco de “instrumentalização” do discurso da “protecção das gerações futuras”. Na verdade, e aproveitando a apologia da juventude – que quase parece uma “ideologia” ou é mesmo uma “mitologia” no sentido de Roland Barthes, têm-se lançado as bases de uma “luta de classes” geracional. A retórica das “gerações futuras” parece muitas vezes arrancar da assunção de que as gerações mais velhas estão a explorar as gerações mais novas. E de que as gerações mais novas são um novel “proletariado”, explorado e expropriado pelas gerações mais velhas, presumivelmente detentoras do capital.
A ideologia da defesa das “gerações futuras”, neste preciso contexto e com este uso intencional, procura aproveitar e tirar partido de uma pretensa clivagem geracional, de um fosso entre gerações. De um lado, estariam os velhos, grandes beneficiários de um Estado social claudicante e do endividamento desmesurado, e, do outro lado, os seus filhos e netos, vítimas da falência e da bancarrota, espoliados para o resto da vida.
4. Esta narrativa – para voltar a um conceito precisado de “valorização” -, pese embora possa estar indiciada em alguns traços da sociedade portuguesa, não tem adesão à realidade. Em primeiro lugar, porque o discurso das “gerações futuras” é feito não em nome destas, mas em nome do “futuro” de gerações presentes. E, em segundo lugar, porque essas jovens gerações presentes, que são as gerações mais bem preparadas de toda a história nacional, foram largamente beneficiárias das escolhas políticas das gerações mais velhas. É mesmo aí – e esta é já uma terceira consideração – que falha e soçobra o argumento das “gerações futuras”: grande parte das condições que engendraram as gerações mais velhas foi largamente destinada a educar e dar melhor vida às gerações mais novas. Com efeito, merece a pena perguntar, mesmo que só para testar ideias feitas: se as gerações mais novas compararem a sua juventude e a sua formação com a juventude dos seus pais e avós, quem teve uma vida mais fácil e mais orientada para o futuro? Ou, dito de outra maneira, também, manipulada, mas ilustrativa: com quem gastaram as gerações mais velhas o dinheiro entretanto sumido? (...)
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5 comentários:
Ninguém deseja uma "guerra de gerações", mas negar que esse conflito existe não trará também riscos?
Basta olhar para estes factos simples: se há 20 anos existiam 4 trabalhadores activos por cada reformado (e a esperança média de vida, i.e., o n.º de anos médio que as pessoas usufruíam da pensão era de 10 – 12 anos), alguém com o mínimo de conhecimentos de matemática pode acreditar que o mesmo sistema suportará pagar o mesmo nível de pensões quando, dentro de poucos anos, teremos 3 pensionistas por cada 4 trabalhadores activos e (apesar da subida da idade de reforma) em média as pessoas receberão as suas pensões por 20 – 25 anos?!
O tema é melindroso, mas será indispensável chegar um compromisso, uma solução, o mais justa e equilibrada possível.
http://jornalismoassim.blogspot.pt/2013/06/o-paradoxo-socialista-vs-realidade.html
É um tema. O futuro. Mas nunca ninguém viveu tão bem na história da humanidade como as presentes gerações jovens.Vejam a "RTP memória". Eu que vivi naquele tempo não me atrevo...
Margarida
Muitos dos mais velhos actuais têm uma noção clara dos sacrifícios que os seus pais fizeram por eles. Mas também lhe digo que uma vez fiquei muito surpreendido quando nos anos 70 ouvi a um então pai, da geração anterior à minha e por sinal nada conservador (hoje conta mais de 80 anos), que a sua geração tinha uma noção muito forte dos grandes sacrifícios que os respectivos pais tinham feito por eles.
É verdade que em termos gerais os jovens adultos de hoje tiveram uma vida mais fácil que os seus progenitores. Mas também é verdade que, para além da melhoria geral de condições de vida, muitos destes progenitores tiveram oportunidades de aceleração de carreiras absolutamente inesperadas, com que nunca se tinham atrevido a sonhar antes, e que precisamente vieram permitir generosos acréscimos de liberalidade com os filhos.
Não me admiraria que viessem daí as maiores intransigências.
Ora, estando hoje a falhar sistematicamente o aparecimento de oportunidades para os mais novos, vemo-nos confrontados com grandes tensões que a situação de necessidade, desejavelmente, poderá ajudar a ultrapassar.
Mas também não há pior do que ex-crianças mal crescidas para atirar achas à fogueira.
Se analizarmos a distribuição de pensões da população idosa vemos que há uma estratificação social impressionante. A imensa maioria é provavelmente miserável com rendimentos inferiores ao salário mínimo nacional.
Por outro lado não conhecemos os rendimentos dos jovens, apenas o desemprego jovem. Agarrados aos pais, esta maioria sem rendimentos vive certamente melhor.
É pena que Rangel aparentemente não responda à pergunda que termina a citação. Não serão certamente nem os miseráveis idosos nem os jovens sem rendimentos os responsáveis pela bancarrota.
Caro Murphy V.
Não podemos negar que o aumento de esperança de vida e a baixa da natalidade são factores que estão a provocar grandes transformações sociais e económicas. Se há cada vez mais pensionistas e cada vez menos trabalhadores, não será possível continuar a prometer o que não é possível dar. Se juntarmos baixos crescimentos económicos e taxas de desemprego estruturais elevadas o problema fica ainda mais complicado. Os ajustamentos que têm sido feitos nos actuais sistemas de pensões – que financiam as pensões com as contribuições em cada momento dos trabalhadores no activo – penalizam mais as gerações mais novas. Estas não acreditam que no futuro terão pensões e, portanto, não têm incentivos para contribuir. As gerações que têm responsabilidades políticas têm obrigação de fazer alterações nos sistemas de pensões de modo a promover a equidade intergeracional, o que não passa por fazer no corte das pensões uma variável de ajustamento permanente entre as responsabilidades e as disponibilidades para em cada momento lhes fazer face, numa lógica orçamental. É preferível uma solução que incentive as pessoas a trabalharem fazendo depender as pensões das contribuições pagas e capitalizadas numa conta individual em função do desempenho da economia. Ou seja, fica mais claro que as pensões dependem da economia e do esforço que cada pessoa faz para alimentar a sua conta individual. Acaba por ser um sistema virtuoso porque fica claro que as pensões são condicionadas pela economia. É uma mudança de paradigma já testada em outros países, como por exemplo, na Suécia, com bons resultados.
Caro Luis Moreira
Bem anotado. É preciso não esquecer que os avós de hoje continuam a pagar impostos e que durante a sua vida activa contribuíram através do trabalho e dos impostos para melhorar o sistema de ensino ou os serviços de saúde de que hoje os filhos e os netos beneficiam, com mais acesso e mais qualidade do que no tempo da sua juventude.
Caro just-in-time
O seu texto mostra-nos uma coisa simples que tendemos muitas vezes a esquecer. É que não há sou verdades ou só mentiras! Quer dizer, ao analisarmos num momento um certo fenómeno ou uma determinada realidade não podemos ignorar o passado, o seu contexto, como nasceu, como se desenvolveu, como deu origem ao presente. Importante é que na preparação do futuro (e deveria ter sido assim no passado) não esqueçamos que a sustentabilidade de uma sociedade passa sempre por procurarmos ver mais longe e projectarmos no tempo as consequências das decisões que tomamos hoje. É um exercício difícil, mas necessário se queremos ter uma sociedade feliz.
Caro Ilustre Mandatário do Réu
Tem muita razão no que diz. É um bom argumento para desmontar o argumento da “guerra entre gerações”. No tempo das “vacas gordas” os benefícios não foram equitativamente distribuídos por todos, ou seja, não se verificou uma socialização justa dos rendimentos. Assim como verificamos que hoje, em tempos de crise, a socialização dos custos da desalavancagem financeira não poupa a pobreza.
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