Uma vez ouvi alguém definir uma prestigiada instituição como a dos "has been", porque só lá se chegava depois de um percurso profissional digno de referência.
É muito comum só nos interessarmos por alguém depois de saber "o que é que faz", a nossa identidade é definida socialmente pela vida profissional, pelo que somos, pelo que fomos ou, quando jovens, pela ambição quanto ao que queremos "ser". A menos que nos conheçam de pequeninos...
Por muito que nos custe, a apreciação das qualidades pessoais tem que passar essa barreira para finalmente se chegar ao valor de cada pessoa. Por isso é particularmente cruel o sentimento de que essa identidade é apagada ou que se vai desvanecendo, fazendo sumir o mundo das referências que permitem a integração, levando a uma sensação de "proscritos". Um proscrito é destituîdo da sua identidade, podendo até ser considerado um pária da sociedade, alguém cuja utilidade social se desconhece e que os outros estão dispensados de respeitar e proteger em funçâo do que seria aquele "eu". Em regra, esse processo é gradual na velhice, atenuado quando há laços familiares ou de vizinhança antiga, mas pode ser brusco com mudanças radicais de vida que obrigam a conquistar de novo a identidade perdida ou a contruir uma outra, quando há tempo e oportunidade para isso. Mas também há muitos exemplos históricos em que esse apagamento de identidade abrange grupos sociais inteiros, como nas revoluções ou quando é preciso mudar rapidamente a ordem social anterior e dar lugar aos novos ou simplesmente a outros. Nesses casos, há um "julgamento", explícito ou implícito, destinado a encontrar a "culpa" que conduz à marginalização pois, sem esse processo, os proscritos passariam de condenados a vítimas, o que faz toda a diferença para a paz de espírito de quem ditou a sentença e a aceitou.
Um proscrito vê-se privado do seu "has been" e tanto basta para se sentir totalmente fragilizado, levando-o a isolar-se e a ser ele próprio o agente da sua segregação social.
4 comentários:
«Um proscrito vê-se privado do seu "has been" e tanto basta para se sentir totalmente fragilizado, levando-o a isolar-se e a ser ele próprio o agente da sua segregação social.»
Foi por estes motivos com certeza, que restituíram o passaporte a António Oliveira BPN (B de barão, P de proscrito e N de ninguém sabe do seu paradeiro).
Suzana
Um texto que gostei de ler e que dá que pensar. Uma sociedade coesa e evoluída de um ponto de vista do desenvolvimento humano deve preocupar-se com o fenómeno da ”proscrição” social, redobrando cuidados em relação a decisões e comportamentos colectivos que estigmatizam, inferiorizam ou excluem socialmente determinados grupos sociais. Um tema que ganha relevância em situações de crise que nos deve fazer reflectir sobre, justamente, os grupos mais vulneráveis, aqueles cuja identidade dos seus membros pode ser irremediavelmente atingida e que por isso mesmo devem merecer maior atenção da sociedade. Mas é a própria identidade de uma sociedade (de um país) que pode estar em causa.
Cara Suzana:
Claro que os algozes, na euforia, muitos pensam que nunca chegarão a esse estado. Mas, dados os pés de barro, chegarão mais cedo do que pensam.
Enviar um comentário