Assisti ontem a
uma palestra sobre Filosofia da Hermenêutica, dedicada às palavras: objectivos
do uso da palavra, o seu significado, poder dos veículos de comunicação da
palavra, os efeitos perversos da palavra, os signos, entre outros aspectos
importantes para compreender a importância das palavras na vida, no
conhecimento do mundo e na interpretação das coisas.
Um dos efeitos perversos do uso
das palavras é que as mesmas são utilizadas para se dizer o que não se quer, para
omitir o que deveria ser dito. A semântica ganha grande intensidade quando o
poder da palavra é pervertido ao entrar num jogo de linguagem que visa ocultar
a realidade das coisas.
Lembrei-me como este efeito tem
vindo a ganhar peso no discurso político. A proliferação de palavras e
expressões que são usadas para classificar uma acção, ideia ou facto é um
fenómeno que tomou conta da linguagem política no espaço público, tendo como
resultado - obejctivo ou consequência - a geração de um clima de confusão, incerteza e desconfiança. Lançam-se
hipóteses mais ou menos verosímeis, criam-se expectativas mais ou menos elevadas e avançam-se não
soluções com contornos possíveis de soluções, tudo a bem de uma vitoriosa contabilidade
político-partidária.
Veja-se por exemplo a saída do programa
de ajustamento da Troika que entrou no dia-a-dia mediático. A especulação tem
sido alimentada pelo jogo de palavras, jogo este que serve também o objectivo da especulação. Há que alimentar o tema, as palavras aí estão para o fazer. Não faltam palavras ora para dizerem a mesma coisa,
ora para dizer o seu contrário, ora para deixar no ar uma adivinhação do que
pode vir a ser ou não ser, ora para justificar a coisa que tiver que ser:
resgate, saída limpa, saída menos limpa, programa cautelar, programa cautelar
soft, seguro, carta de conforto. Um outro caso bem ilustrativo. Não faltam palavras para
categorizar as medidas políticas sobre os salários e as pensões: ora são cortes,
ora são reduções, mas também são ajustamentos e substituições, são retroactivos
mas também retrospectivos, dizem-se temporários e permanentes, mas são
definitivos, têm adicionais mas sem agravamentos.
A quem serve tanta semântica? Aí estão os efeitos perversos do uso das palavras, quem as usa sabe ou deveria saber o que com elas
quer ou não fazer, porque muitas delas dizem demais ou nada querem dizer…
5 comentários:
Excelente post Margarida, talvez essa palestra devesse ser passada em prime time na RTP 1! Mas, enquanto esperamos sentados, obrigada por ter trazido aqui as suas notas e o modo como as aplicou à realidade que vivemos.
...e a ilustração é mesmo a calhar!
Concordo em absoluto com o que comenta a Drª Suzana.
A Filosofia da Hermenêutica é de facto fascinante, a análise e interpretação foi o que ao longo dos milénios permitiu à Humanidade evoluir, enviando e recebendo conhecimento, fruto dessa análise. Uma das ciências em que assenta a Filosofia da Hermenêutica, é precisamente a semiótica, ou seja, a análise dos signos, ou dos sinais. É esta ciência que em minha opinião, está a ser "desenvolvida" pela classe política, sobretudo, aquela que julga que o sucesso das suas ações, assenta nos sinais que forem capazes de emitir. E esses sinais, tal como a Drª Margarida assinala no texto, vão desde o uso perverso da palavra, à dicção estudada e ensaiada, até à linguagem gestual, corporal, etc. Infelizmente tudo com o objetivo de ludibriar ou convencer aqueles a quem o discurso é dirigido. Em suma; um discurso oco de verdade, um número de ilusionismo, secundado e apoiado por um séquito de dependentes de vária ordem. Por isso, marcamos passo sem sair do mesmo lugar, presos a um chão de falsidade e de entropias várias.
Suzana, bem podemos esperar, sentados para não desfalecermos. Caro Bartolomeu, é como diz.
Margarida
Bem vista a questão do jogo da linguagem no discurso político e, em particular o discurso oficial actual.
E mais disse o palestrante que muitas vezes se fala para evitar pensar, identificando 4 fenómenos:
- a indeterminação da linguagem que gera mal entendido, e quanto mais falam maior o mal entendido,
- o não dizer o que se pensa,
- o enganar-se a si próprio,
- o não ter pensamento.
E por aqui me fico.
Enviar um comentário