Sábado de manhã com sol fresco e juvenil. Ondulam os pensamentos e as recordações despertadas pelo anunciar do domingo de ramos. Penso e sonho com brincadeiras e liberdades de outros tempos em que a frescura da idade comungava com a alegria das férias e os gostos próprios da altura.
Não vejo nada, nem ramos, nem azáfama, nem alegria, nem esperança, apenas algumas pessoas de idade que se esqueceram do que já viveram. Filhos do tempo morrem aos poucos com o passar do tempo. Eu não. Fujo e viajo à procura do que fui, quando gostava e acreditava no que via e sentia. Neste dia o sol aparecia também fresco e juvenil, porque tinha a minha idade e gostava do que via e sentia. Íamos os dois numa azáfama sentida à procura de belos e frescos ramos para o dia seguinte. O meu primeiro ramo não era grande, mas era bonito, um pequeno arco cheio de folhas verdes, frescas e brilhantes, ornamentado por belas flores. Mas encontrar as flores não foi fácil, tive de as roubar, logo me avisaram do pecado em que caíra. Deixá-lo, pensei, pelo menos irei entrar com um doce e belo arco na igreja, não é que eu quisesse fazer inveja aos demais, apenas queria que Ele me visse. Disseram-me logo, roubaste as flores, estás em pecado. Deixá-lo, pensei. No dia seguinte, depois de calcorrear o longo trajeto de terra batida, acompanhado pelo meu colega de brincadeira, o sol, que nunca se fez rogado nem preocupado com os roubos que efetuei, entrei na igreja. Que odor a frescura e a verdura. Cheia de gente, até parecia que o campo se tinha deslocado para ali. Muitos ramos e arcos tapavam-me as vistas. Quando chegou a hora de benzer os ramos consegui furar com destreza e coloquei-me num local onde o meu ramo foi aspergido pela água benta, algumas gotas trespassaram-no e molharam os meus olhos. Não sei se eram lágrimas ou se eram as gotas da benzedura, o que eu sei é que fiquei tão feliz que deixei de estar preocupado com as flores que tinha roubado no dia anterior. À saída da igreja os meus amigos começaram a brincar e quase que destruíam os seus ramos, mas eu, lesto, corri pela estrada fora sozinho acompanhado do meu amigo sol. À medida que passava pela varanda, canteiro, quintal e jardim de onde tinha retirado as folhas e flores do dia anterior, lançava-as sem pudor, com alegria e amor. Algumas pessoas ficavam admiradas com o meu gesto. Já estou perdoado, pensei. Assim abençoei cada uma das pessoas a quem as tinha roubado. Cheguei a casa feliz e leve. - Estou perdoado, gritei.
1 comentário:
Outras recordações de um Domingo de Ramos especial: Missa, ao nascer do dia, celebrada por D. Ximenes Belo, no jardim de sua casa (meia queimada, como quase tudo, em Dili, onde nem os cemitérios escaparam à destruição deixada, de "brinde", pelos indonésios, na sua saída de Timor-Leste), em que a multidão apresentava como ramo, folhas de palmeira. Impressionante a devoção e o ambiente de gratidão à Igreja...
Presentes 3 Deputados portugueses: Miguel Anacoreta Correia, Carlos Luís e Manuel Moreira.
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