Há casos em que se justifica teimar e mesmo impôr uma decisão, ou porque se está convencido de que a alternativa é mesmo má, ou porque convém marcar uma posição para não se confundir com a do adversário político e desse modo se separarem claramente as opções de cada um.
Acontece que no caso do referendo sobre a despenalização do aborto não estamos - ou não deveríamos estar! - perante qualquer destes casos.
De facto, a escolha da data para nova reflexão nacional sobre um problema tão importante e tão sensível devia ser ditada pela procura de um ambiente de serenidade, de estabilidade política, que permitisse que o debate se fizesse livre de outras conotações e sobretudo fora de contabilidades eleitorais que não deviam ser para aí chamadas.
É que "alinhar" este acto com os actos eleitorais que se avizinham é fazer exactamente o contrário do que tanto se tem proclamado sobre a despolitização da questão do aborto. A decisão deve ser ditada pela consciência de cada um e não por espírito de militância partidária. Não é o Partido A ou B ou C que vai vencer esse referendo, é um grave problema nacional que vai ser discutido e decidido pela consulta directa, sem intermediários, por muito democraticamente escolhidos que tenham sido.
Por isso acho muito grave que o primeiro Ministro considere "uma questão de honra" cumprir a promessa de que fazia o referendo mas já não inclua nessa categoria o modo como a executa, impondo um calendário por braço de ferro e fechando os ouvidos a todos os argumentos de razoabilidade e sensatez quanto à melhor oportunidade para o fazer.
"Antes quebrar que torcer" era a última máxima que convinha a esta questão...
6 comentários:
E qualquer outra data não será alvo de objecções? Debate mais politizado e moralista que o do aborto não existe. Não seria melhor deixar cair o assunto? Poupavam-se os moralismos dos que são contra, e as hipocrisias dos que são a favor. E poupava-se dinheiro. E só não digo que se poupava tempo a quem vai votar, porque a maioria não vai perder tempo com isso.
Cara Suzana,
Aborto é um grave problema nacional? Algo que se resolve com um comprimido antes, um comprimido depois (ambos de venda livre) ou, no limite, uma ida a Badajoz está longe de ser um problema nacional.
Problema nacional será, como bem diz acima o meu parceiro de blog monteiro, a morte do instrumento referendo quando se olhar para as mesas vazias e os votos por preencher. Aí, quando entendermos que ninguém foi votar, que outros referendos poderemos esperar?
Não podiam deixar o assunto morrer por si, não. Tinham que fazer asneira...
O que tenho pena é que o primeiro ministro também não considere ser "uma questão de honra" os 150.000 empregos, o desenvolvimento da economia e a redução da carga fiscal...
O aborto???!!!... Isso é como diz, e muito bem, o Tonibler... vai ser única e exclusivamente mais um prego para o caixão da democracia!...ou falta dela...
a partir do momento em que se considera que uma matéria justifica a realização de um referendo, parece-me essencial que ela seja discutida (e formulada, já agora...)em termos que permitam um voto esclarecido. Caso contrário, repete-se o que já aconteceu: a questão fica toda embrulhada e o referendo ridicularizado. Se, como defende Tonibler, o assunto for de menor importância - do que discordo em absoluto, mas isso é outra questão - então que não se faça referendo nenhum. O que critico é a falta de seriedade de tudo isto, incluindo a leviandade com que se trata o recurso ao referendo.Uma coisa é levar a sério uma promessa eleitoral e cumpri-la. Outra, muito diferente, é "despachar" a sua execução como quem se livra de um fardo...
Cara Suzana,
Não sou eu quem dá a menor importância à questão do aborto. Aliás, se há conclusão inquestionável do último referendo é que o assunto não vale meio-dia de praia.
Mais, o referendo é sobre a despenalização, não sobre se a IVG é uma questão de saúde, que poderia endereçar o problema para o SNS. O que quer dizer que a decisão final, aquilo que realmente interessa, é sobre a autorização de funcionamento de clínicas que auxiliem na IVG em território nacional que, com o desenvolvimento da química e a concorrência espanhola, serão inviáveis economicamente.
Com tudo isto, se calhar meio-dia de praia é mesmo demais para dedicar ao assunto. Quanto mais um referendo...
Mas minha cara Suzana,
São precisamente as suas objecções que me fazem perder a vontade de ir votar. Bem como as objecções da Susana Drago, do Vital Moreira, das associações de pais católicos, protestantes, das parteiras de Linda-a-Velha, dos médicos-com-escrúpulos, e dos sei lá quem mais!
Faltaram os escuteiros.
Não sei se percebe o que quis dizer. Porque é que não se reúnem todos (políticos, associações e quem mais quiser e tiver legitimidade para intervir) e decidam em segredo:
- Quando é que não é "assassinato"
- Quando é que está de acordo com as sagradas escrituras.
- Em que altura do ano pode ser (Primavera não) feito o referendo
- Etc, etc, etc.
E depois convoquem o referendo, mas sem propaganda. Que é sempre cansativa sobre este assunto.
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