Uma dos problemas básicos do que poderemos designar de sistema de governação local em Portugal é o do financiamento. Mais básico e elementar do que este só a divisão administrativa que o condiciona. Na verdade, há que reconhecer que existe um número significativo de concelhos que não têm viabilidade para existirem enquanto tal. Desde finais do século XIX que não se extingue qualquer concelho. Em contrapartida, durante o século XX criaram-se um número significativo de novos municípios. A profunda alteração na distribuição demográfica, na configuração da paisagem e no aumento do potencial de mobilidade que se verificaram no século XX não tiveram qualquer efeito na reconfiguração da divisão administrativa.
Num quadro de profundas disparidades espaciais, o problema de financiamento tende a ser mais complexo e gerador de desigualdades e irracionalidades permanentes.
Há uma tendência detectável na evolução do poder local, durante os últimos trinta anos. Os municípios dispõem de um leque de competências cada vez mais alargado e de uma diversificação e reforço das fontes de financiamento. Porém, enquanto as competências tendem a ser distribuídas de forma idêntica, as fontes de financiamento tendem a concentrar-se num número restrito de municípios, beneficiários do dinamismo demográfico e económico das grandes áreas metropolitanas e mais algumas zonas privilegiadas do litoral. O aumento de receitas próprias verificado nas últimas três décadas revela bem o aprofundamento dessa desigualdade.
Uma das condicionantes decisivas neste processo de diferenciação na capacidade de gerar receitas tem sido os diversos planos de ordenamento territorial e ambiental. A preocupação em preservar complexos ecológicos de elevado valor ambiental tem estrangulado o desenvolvimento de alguns concelhos. Dado que essa preservação é decisiva para a sustentabilidade do país, é da mais elementar justiça que aqueles que beneficiam desses complexos paguem aos que lhe proporcionam tão valorizado bem.
Neste quadro, seria interessante criar uma bolsa de CO2 a nível interno em que os municípios que maiores emissões produzem (e que saem beneficiados pela receita proveniente do imposto automóvel) paguem para os que mais contribuem para a qualidade ambiental. Outra alternativa é a de reduzir significativamente as transferências do Governo central para os 30 maiores municípios e com esse montante distribui-lo pelos concelhos mais pobres.
Uma coisa é certa, com a actual lei de financiamento apenas potenciamos o já profundo fosso existente entre as diferentes regiões.
5 comentários:
Caro djustino,
É a equidade territorial assim tão importante?
A concentração demográfica (que ainda não terminou) deve-se a inúmeros factores, não apenas ao volume de recursos disponíveis por cada município ou região. Temos um problema de ordenamento territorial, acho que isso é unânime. Mas atirar com o dinheiro para cima dos munícipios mais pobres de forma a igualar condições do ponto de vista abstracto, tem um objectivo?
E esse objectivo vai de encontro ao objectivo de melhorar a vida dos portugueses?
Lamento, mas não concordo com o seu ponto de vista. Os municípios não têm que ter iguais condições para que os portugueses tenham melhores condições. Um português não é um pacote que inclui uma pessoa e uns quantos metros quadrados.
A ideia do S. Lopes não era má, infelizmente levou com tudo e mais alguma coisa em cima. O estado deveria mandar os seus serviços para longe de Lisboa. Todos, não era a secretaria-geral-de-coisa-nenhuma como aconteceu.
O que não me parece viável, num país em que o estado suga mais de metade da riqueza, é que se force a distribuição de recursos pelo país sabendo que a concentração demográfica não será alterada e, consequentemente, as necessidades da maioria da população não desaparecem por isso. Não me parece que seja uma questão de dinheiro, é uma questão de motivo. E o estado deverá actuar no motivo.
Caro djustino,
O estado central já não tem possibilidade de orientar financeiramente o ordenamento do território. Teve, já não tem. Porque para o estado central a mesma questão se coloca: com que dinheiro? E não é só para os incêndios, é para tudo.
E hoje o desafio já não é só a desertificação do interior, é do país todo. Nos sectores que não vivam do negócio em massa deixou de haver a necessidade de dividir o país em Norte e Sul. Norte já não é nada, o que significa que, a médio prazo, também para o negócio em massa vai desaparecer. Aos poucos somos cada vez mais Lisboa, a concentração vai ser cada vez maior.
Honestamente, parece-me que os municípios são o menor dos nossos problemas e a decisão, de excepção, teria que ser a de deslocalizar o estado para 5 ou 6 locais, para depois conseguir 3 ou 4 novas centralidades, mandando os municípios às urtigas durante uns anos. E com eles os problemas 'de quem lá ficou'.
Mas como a tendência para o disparate nos dinheiros públicos não termina, se calhar o problema da concentração em Lisboa não se colocará porque os nossos filhos já estarão todos a concorrer a empregos em Barcelona. E teremos todos os problemas resolvidos, porque seremos apenas aqueles pobres velhotes que moram ao pé do Atlântico...
Respeitando-a, estou em completo desacordo com a perspectiva aqui trazida por Tonibler.
Em tempos publiquei um artigo de opinião num dos jornais económicos sobre parte da temática aqui trazida pelo David Justino.
Convictamente recuso a ver o investimento no desenvolvimento equilibrado das regiões e dos municipios como uma deseconomia. E não partilho desta ideia determinista de que é inevitável termos no futuro 3 ou 4 áreas metropolitana em que se concentrá a população. E muito menos acredito que isso fosse bom.
Tema para longos desenvolvimentos e decerto frutuoso debate. Pode ser oportuno fazê-lo quando o governo decidir colocar em discussão pública a proposta de Programa Nacional da Politica de Ordenamento do Território, cujo projecto se encontra há muito preparado e entregue pela equipa encarregada.
Aproveito para aqui ao lado, no http://quartodarepublica.blogspot.com/2005/09/reas-protegidas-e-finanas-locais.html, republicar o artigo de opinião a que acima fiz referência.
Caro djustino,
Gostava tanto de estar errado, mas não vejo um único sinal em sentido contrário.
Acaba por significar mais dinheiro para as autarquias, porque as pessoas não acompanham o fluxo das finanças locais e os centros mais populosos vão ter as necessidades na mesma.
Caro JM Ferreira d´Almeida,
Concordo consigo, em termos abstractos, em tudo. Tirando o facto de achar que a oportunidade para isso já foi e já não volta tão cedo. A não ser, claro, que o bom do contribuinte alemão esteja para aí virado. Porque não estou a ver onde é que vai haver dinheiro para isso e é daquelas coisas que não se faz em 'project finance' disfarçado de investimento privado.
Caros amigos,
Brevemente haverá uma nova revista de história na praça (espero eu), para contra-balançar a existência da actual que, diga-se, é muito imparcial e não é nada vermelha. E uma das coisas que espero vir a fazer é escrever sobre a Política Interna e Externa de Portugal no Século XIX.
Nessa altura, será deverás hilariante ver o que mudou e o que não mudou. A ideia que predomina aqui na minha cabeça, é que não mudou nada, no entanto só vou poder verificar de facto quando começar a investigar o assunto (e às vezes até pode ser que esteja enganado)... Falando nisso, acho que era pertinente arranjar uma tabela, enfim... Mas isto vai ser engraçado.
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