A importância da genética para fins de investigação é muito importante, quer sob o ponto de vista criminal, quer sob o ponto de vista civil. No primeiro caso, é possível “controlar, identificar e vigiar” criminosos ou suspeitos através de análises de ADN. No segundo, em caso de catástrofe ou de situações em que se procura a identificação das vítimas é de uma grande utilidade. Um terceiro ponto tem a ver com a investigação científica.
Relativamente à investigação criminal, utilizando as técnicas mais adequadas e de uma forma perfeitamente controlável, nada haverá a opor. Mas quanto à existência de bases de dados genéticos, que possam ser utilizados para outros fins, o perigo é real se não forem devidamente utilizados.
Nos próximos tempos vai haver muita discussão e debates sobre esta matéria. O que é certo é que com o tempo acabarão por se constituírem as tais bases. As razões assentam na necessidade de controlar a criminalidade e na evolução da investigação científica que pode e deve ser utilizada para controlar aquela. O pior é que os criminosos também sabem utilizar os resultados da investigação científica para baralhar o esquema. Senão vejamos: a divulgação dos avanços científicos, nomeadamente da polícia forense, através de séries televisivas, tais como CSI (Crime Scene Investigation), levam os criminosos, por exemplo, assaltantes de carros, a deixarem beatas de cigarros apanhadas em vários locais, no interior dos veículos roubados, para confundir a polícia. Pode acontecer que um assaltante ou um assassino leve algum produto biológico de um vizinho para colocar no local do assalto ou no corpo da vítima.
A parada de complexidade vai subir. A ciência não é boa nem é má, mas é usada tanto pelos “bons” como pelos “maus”. Sendo assim, a constituição de bases de dados genéticos não vai ser pacífica nem resolver tudo. Resolverá, sem dúvida, muitos problemas, mas não deixará de originar outros, porventura muito graves.
A problemática da utilização dos dados genéticos para fins pouco ortodoxos e a sua fácil aplicação é uma realidade. No Reino Unido, os agentes de tráfico, que são, frequentemente, vítimas de humilhação e abusos, contam agora com uma nova técnica para combater os condutores mais irascíveis: o”kit detector de cuspo”. Assim, no caso de um polícia ser alvo de um condutor-cuspidor, o agente utiliza o material biológico para provar a identidade do autor de tamanha façanha.
Imagino o que poderia acontecer se fossem utilizados kits detectores de escarros, de urina, de fezes e outras coisas, por essas cidades e vilas fora. Cruzavam-se os resultados com uma base de dados genéticos e procedia-se à respectiva contra-ordenação dos prevaricadores. Volta e não volta o cidadão receberia um aviso para pagar uma coima por ter sido detectado no dia tal, no local x a presença de …
13 comentários:
O tema que o Prof. Massano Cardoso aqui nos traz é fascinante e constitui um desafio actual para os cientistas, mas também para os políticos e não deverá alhear os cidadãos.
Torna-se indispensável que o que for sendo feito no sentido de criar as condições para a existência das bases de dados genéticos, seja do conhecimento público. Mas de um conhecimento público conveniente e objectivamente informado.
Entre as muitas interrogações que lança uma há que, por formação, sou particularmente sensível: estará o nosso aparelho jurídico de defesa de direitos, liberdades e garantias - que foi concebido numa altura em que temas destes eram mera ficção científica - preparado para lidar com estas intrusões na esfera da privacidade das pessoas? Que nova dimensão deve ser dada aos direitos de personalidade para que se acomodem com o interesse público que fundamenta a existência destes bancos (onde se recolhe o que de mais pessoal existe)? E que limites se devem traçar a esse interesse público?
Questões que já obtiveram lá fora soluções que importa conhecer, que estou certo que alguns estudaram, mas que de todo o modo importa submeter a debate.
Caros,
Vocês deixam-me em pânico! Que tivesse lido isto noutro lado, ainda vá, agora vocês, gente ponderada....Estou em pânico!
Qualquer pessoa encontra interesse público para que a polícia possa filmar qualquer cama em qualquer momento, ou que possa andar por onde quiser sem mandato. Isto não é possível porque alguém um dia entendeu que há valores mais altos a defender.
Bancos de dados genéticos? Mas podera-se, sequer, que tal monstruosidade fascista seja possível? É óbvio que isto é perfeitamente inconcebível!
Mas se os assuntos em segredo de justiça abrem os telejornais, as declarações sob sigilo fiscal aparecem publicadas, se toda a gente está sob escuta, imagino alguém com isto na mão... É inconcebível e nem percebo como possa ser assunto de debate.
Caro Tonibler:
Sou capaz de perceber o seu pânico pelo que, à primeira vista, o tema convoca. Mas o assunto não é propriamente a revelação de um misterioso segredo. Falou-se aliás disto na última campanha para as legislativas e deu-se algum destaque aquando da discussão do programa deste governo.
A quem interesse uma abordagem jurídica deste assunto recomendo a leitura do artigo do Dr. Carlos Pinto de Abreu, actual presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados publicada em http://www.oa.pt/genericos/detalheArtigo.asp?idc=4&scid=9562&ida=26255
No caso de bases de dados genéticos para fins criminais é utilizado alguns segmentos do ADN – salvo erro dez pequenas zonas – que permitem “apenas” a identificação do indivíduo como se fosse uma impressão digital, ficando de fora toda e qualquer informação genética sensível. Esta é a posição de peritos em medicina legal. Estes bocadinhos não revelam nada sobre as características físicas da pessoa ou sobre as doenças.
O assunto é complicado e muito vasto. De facto, compreendo a preocupação e mesmo a indignação do Tonibler.
O problema consiste quem, como (e durante quanto tempo) controlará essa enorme fonte de informação. Vários países já dispõem este tipo de base. Quanto a uma base mais”alargada”, também fico preocupado (e muito), não vá um dia, alguém apropriar-se de algum elemento que contenha o meu ADN utilizando-o para fins nada agradáveis…
Ah, a propósito! O facto de ter abordado este tema, assim como a posição do Ferreira d´Almeida não nos transforma em pessoas menos ponderadas!
Mas prepare-se, porque o Governo vai mesmo apresentar uma proposta de Lei sobre o assunto. Aliás é do conhecimento de muitas pessoas que o assunto está já há alguns anos no Ministério da Justiça.
Recordo-me de um seminário realizado na AR há cerca de 2 anos, e no qual colaborei na organização, sobre este assunto que foi muito enriquecedor. No final foram esclarecidas algumas dúvidas. No entanto muitas outras brotaram como cogumelos….
O Governo acaba de anunciar que apresentará a proposta de lei em 2006.
Caro Salvador Massano Cardoso,
Não queria que pensassem que lhes estava a chamar imponderados. Não era essa a intenção, peço desculpa. Surpreendeu-me, só isso.
O interesse público é, sempre, operacionalizado por interesses privados. E essa informação estará sempre, em primeira instância, sob interesses privados para, eventualmente, ser usada para o interesse público. Enquanto o interesse privado se cingir ao ordenado no fim do mês, bom. Mas isso ninguém consegue garantir.
Mais, enquanto o ‘driver’ for a criminalidade, são dez peças. Depois é para encontrar doadores de medula, são mais vinte. Depois é para encontrar pais fugidos, mais 30. Depois é para preencher cadernos eleitorais, cartões de contribuinte, ... E ainda não saí do ‘interesse público’. Isto para mim até é muito simples. Não entendo a razão porque semelhante coisa é assunto, mesmo que o resto do mundo o faça.
Quanto ao facto da assembleia da república se estar a ‘debruçar’ sobre isto, e respondendo ao JMFA, é por estas que acho que as leis deviam ser produzidas por matemáticos. Alguém ponha lógica nisto! Se isto não é gritantemente inconstitucional então que a constituição passe a ser impressa em papel macio que não largue tinta. Para mim, pela lógica, o governo apresentar semelhante coisa é mera perda de tempo( para não dizer asneiras ). Isto é o que me diz a lógica. Se a lógica do direito é outra, então desculpem lá, há muito mais revolução por fazer.
Ainda não há muito tempo foi noticiada na televisão a detenção de três pessoas, conhecidas, que estavam separadas por 300 km ainda antes destas chegarem ao local do interrogatório. Esta era ‘informação segura’ que estava na posse exactamente daqueles a quem se quer agora confiar códigos genéticos.
Vocês, que me parecem homens do direito, expliquem-me (se tiverem essa paciência) a lógica de tudo isto.
Sem uma posição definitiva,três perguntas:
Como irá ser feita a colheita dos dados genéticos dos 10 milhões de portugueses?
Como vão ser arquivados? (Quem, como, aonde...)
Quanto vai custar?
Este é sem dúvida um tema que aterroriza se pensarmos "quem guarda o guardião?" e compreendo muito bem a perplexidade de Toniblair. Mas também nesta matéria, uma vez descoberto o filão, a imaginação não tem limites. Lembro-me que conheci melhor o Prof. Massano Cardoso quando, na Assembleia da República, analisámos um diploma sobre bases de dados genéticos para despiste de doenças hereditárias. Lembra-se, Prof? Tratava-se então de procurar estabelecer um modo organizado de permitir que as pessoas com o risco dessas doenças fossem avisadas e acompanhadas na sua doença e também de imputar aos médicos a responsabilidade de avisar e orientar os doentes para as consultas de especialidade.
Como vê, caro Toniblair, há muitas formas de ver o assunto, mas já agora também lhe digo que tive a mesma reacção de temor, mesmo que o dito "interesse" não fosse público mas o da protecção dos possiveis doentes. Mesmo assim, acho que preferia correr o risco da doença, mas reconheço que é discutível...
Peço desculpa, queria dizer Tonibler...
Está desculpada! :)
Até porque parece que o governo me quer chamar TCA-TTG-CUG-TGC-CCG-AAT-GGU-......
Nas várias formas de ver o assunto, não consigo concordar. Até na marcação das pessoas por códigos de barras consigo encontrar vantagens, mas há hipóteses que não se colocam nunca.
Estas matérias do genoma, dos códigos e das bases genéticas são verdadeiramente mirabolantes.
Já há alguns anitos, quando se vislumbrava a hipótese de descodificação do genoma, nasceu logo uma nova medicina: a medicina predictiva. De acordo com os defensores deste novo ramo perspectivavam-se maravilhas. Na altura, li alguns ensaios que focavam e “vendiam” uma ideia aparentemente promissora. Se nós soubéssemos, atempadamente, que somos portadores de certos genes responsáveis pelo aparecimento de doenças graves, então, o melhor seria efectuar uma vigilância activa e contínua, além da aquisição de hábitos e estilos de vida compatíveis com a situação. A mim não me convenceram, nem me convencem da “bondade predicitva”. Nunca faria quaisquer testes desse género. Prefiro viver na ignorância, sobre a boa ou a má qualidade dos meus genes, do que andar constantemente a pensar: é hoje que se vai manifestar a minha propensão para a doença X? Não fazia outra coisa e, consequentemente, tenho a perfeita sensação que perderia a minha qualidade de vida.
Quanto ao comentário da Suzana Toscano, lembro-me perfeitamente das objecções e algumas críticas apontadas ao documento em apreço que acabou por ser aprovado. Neste caso estão em presença duas concepções: a de um médico e a de um jurista. São duas visões que apresentam algumas diferenças. Por isso é que é muito interessante “casar” perspectivas diferentes. De qualquer modo, a sua ajuda foi muito útil, confesso.
Gostei da versão genética do nome Tonibler!
Concordando com a indignação do tonibler e com as inúmeras reticências em relação aos eventuais desvirtuamentos que se possam verificar na utilização destes dados, mas tendo em conta (e peço a confirmação dos «homens da ciência» deste blog) que uma descoberta científica com este potêncial raramente é deixada sem utilização, para fins louváveis ou não, coloco a seguinte questão:
Não deveria desde já ser promovido um sério debate sobre os termos de utilização da informação, segurança dos dados, fins a que se destinam, quem intervém no processo, e outras demais questões relativas à preservação da liberdade individual?
Porque verifico que este processo me parece imparável, temo que se vá perder tempo precioso a discutir a razão da existência destas bases de dados, em vez de discutir que garantias teremos nós cidadãos, quando elas forem um facto consumado. Que pelos vistos serão.
Boa noite a todos.
Concordo com a pergunta formulada.
A sua observação de que estamos perante um processo imparável e que pode haver uma “distorção”, quanto ao modo como poderá ser orientado o debate, ou seja: “discutir mais a razão da existência destas bases de dados” em vez de se “discutir as garantias quando forem um facto consumado”, parece-me pertinente e uma boa forma de equacionar o problema. A abordagem deste assunto tem de ser equilibrada.
O grave problema destas áreas é precisamente quem garante o quê. A vivência de cada um nós está repleta de exemplos em que a liberdade individual é posta em causa com uma frequência preocupante.
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