Há dois ou três dias, vi de relance numa retrospectiva da televisão a figura de José Luís Judas com a sua inconfundível camisa sem colarinho. Confesso que a imagem me põe normalmente indisposto, por me lembrar os tempos em que, na minha terra beirã, camisa que se prezasse levava remendos sobre remendos e camisa sem colarinho era sinal de extrema pobreza.
Mas a imagem fez-me também lembrar o Manuel Inglês, rapaz que, era eu miúdo, trabalhava a dias na lavoura do meu pai. Nunca lhe vi camisa com colarinho e camisa sem remendos só em dia de grande festa.
O seu verdadeiro nome era Manuel Fernandes. Filho da Srª Adelaide Sardinheira, que às terças, quintas e sábados, dias de chegada da camioneta do peixe, canastra à cabeça, vendia sardinha ao quarteirão, à dúzia e à meia dúzia, a dinheiro ou em espécie, a troco de ovos, com câmbio fixo de sessão para sessão. Por vezes também trazia carapau, que outro tipo de peixe só comprado na vila, não chegava lá à aldeia.
Pois o Manuel não tinha pai ou, se o teve, ninguém o conhecia e nunca a mãe deu conta dele. Nasceu com cabelos ruivos que ruivos lhe ficaram, cara rosada e sardenta, que rosada e com sardas continuou, olhos azuis, que azuis permaneceram. Não era do tipo de gente nascida lá na terra, daí chamarem-lhe Inglês, alcunha que mal suportava, sobretudo por parte de estranhos à aldeia. E se algum brincalhão lhe dissesse Oh Inglês, vem daí beber um copo, já sabia os epítetos com que seria mimoseado: o nosso Manuel entrava em fúria e corria a pragas os provocadores. Mas, feitas as pazes, lá ia beber o copo, em amena cavaqueira. Era uma pessoa de bem, trabalhador e honesto, de quem as pessoas gostavam. Eu era miúdo e gostava de andar com ele, a vê-lo trabalhar nas sementeiras, a tratar da horta, a fazer a cama de mato, no curral dos animais. Só não percebia é por que razão a minha mãe não gostava nada que a Deolinda, moçoila criada lá de casa, que cantava sempre e tão bem, que nem sei se trabalhava a cantar ou cantava a trabalhar, andasse próxima do Manuel Inglês. E ameaçava um e o outro, se se aproximassem mais de dois metros.
Por que é que não deixa a Deolinda andar ao pé do Sr. Manel, perguntava eu.
Aí o Manel adiantava-se à resposta, e disfarçava, com sentido de humor: já lhe disse que a sua mãezinha tem medo que leve a Deolinda para a Inglaterra!...
Mas a imagem fez-me também lembrar o Manuel Inglês, rapaz que, era eu miúdo, trabalhava a dias na lavoura do meu pai. Nunca lhe vi camisa com colarinho e camisa sem remendos só em dia de grande festa.
O seu verdadeiro nome era Manuel Fernandes. Filho da Srª Adelaide Sardinheira, que às terças, quintas e sábados, dias de chegada da camioneta do peixe, canastra à cabeça, vendia sardinha ao quarteirão, à dúzia e à meia dúzia, a dinheiro ou em espécie, a troco de ovos, com câmbio fixo de sessão para sessão. Por vezes também trazia carapau, que outro tipo de peixe só comprado na vila, não chegava lá à aldeia.
Pois o Manuel não tinha pai ou, se o teve, ninguém o conhecia e nunca a mãe deu conta dele. Nasceu com cabelos ruivos que ruivos lhe ficaram, cara rosada e sardenta, que rosada e com sardas continuou, olhos azuis, que azuis permaneceram. Não era do tipo de gente nascida lá na terra, daí chamarem-lhe Inglês, alcunha que mal suportava, sobretudo por parte de estranhos à aldeia. E se algum brincalhão lhe dissesse Oh Inglês, vem daí beber um copo, já sabia os epítetos com que seria mimoseado: o nosso Manuel entrava em fúria e corria a pragas os provocadores. Mas, feitas as pazes, lá ia beber o copo, em amena cavaqueira. Era uma pessoa de bem, trabalhador e honesto, de quem as pessoas gostavam. Eu era miúdo e gostava de andar com ele, a vê-lo trabalhar nas sementeiras, a tratar da horta, a fazer a cama de mato, no curral dos animais. Só não percebia é por que razão a minha mãe não gostava nada que a Deolinda, moçoila criada lá de casa, que cantava sempre e tão bem, que nem sei se trabalhava a cantar ou cantava a trabalhar, andasse próxima do Manuel Inglês. E ameaçava um e o outro, se se aproximassem mais de dois metros.
Por que é que não deixa a Deolinda andar ao pé do Sr. Manel, perguntava eu.
Aí o Manel adiantava-se à resposta, e disfarçava, com sentido de humor: já lhe disse que a sua mãezinha tem medo que leve a Deolinda para a Inglaterra!...
Nunca casou, o Manuel Inglês, nem já poderá fazê-lo. Mas tenho a certeza que, onde quer que esteja, alguém lhe ofereceu uma camisa nova, porventura com colarinho!...
4 comentários:
Caríssimo Dr. Pinho Cardão, acredito que não se tenha lançado ao desafio com o Caro Prof. Massano Cardoso. Mas, se por acaso se trata de uma competição e me convidarem para integrar o jurí, declaro desde já o empate técnico e prático. Que belíssima história e que excelente colorido. A "nossa" era foi rica nestes quadros pitorescos de usos e costumes, compostos pelas figuras características que tão bem conseguiu descrever. Não vou jurar neste momento, tenho de antes consultar a minha biblioteca, mas penso que será de Raul Brandão Ferreira, um livro com o título "Os Pescadores", onde o escritor relata uma viagem propositada por toda a orla marítima, permanecendo em pontos piscatórios. Neste "roteiro" o escritor descreve os costumes e as caracteríscas daqueles que vivem quase exclusivamente daquilo que o mar lhes proporciona.
Finalizo este comentário com uma nota pessoal: as camisas sem colarinho, eram vendidas nas feiras assim mesmo, penso que por dois motivos. Porque os colarinhos eram colocados em separado, assim como os punhos e porque, os colarinhos não eram práticos para os trabalhos da terra. Usavam-se lenços à volta do pescoço (zona do alentejo), ou o trabalhador tinha sempre um lenço no bolço, habitualmente grande, com uma ponta de fora, que utilizava para secar o suor do pescoço.
Muitíssimo grato por este seu partilhar, Doutor Pinho Cardão.
o carissimo bartolomeu chegou tarde a este espaço . o dr pc é um eximio contador de histórias . que tal se o meu amigo for aos arquivos ( dezembro de 2005 ) e recuperar uma história do natal contada pelo nosso querido amigo Dr Pinho Cardão? Tão boa como esta..
Caro Bartolomeu:
Muito obrigado pelas suas palavras.De facto, havia "tipos" riquíssimos de conteúdo humano e que é bom recordar, nestes tempos algo desumanisados.Quanto às camisas sem colarinho, é um facto o que refere; porém, na minha zona não se usavam muito, pelo que o Manuel Inglês era um caso relativamente isolado.
Caro Menino Mau:
Muito obrigado também ao meu amigo; gosta-se sempre de palavras como as suas.
E o seu blog, oandarilho anda bem interessante!...
Eu, vivendo em Carcavelos, cada vez que vejo o Judas fico mal disposto. Nem consigo ver a camisa...
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