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sexta-feira, 4 de maio de 2007

“Pintarroxos”!


Quando andava na escola primária divertia-me, conjuntamente com os meus colegas, andar a espiolhar os ninhos. Quem descobrisse mais ninhos era mais respeitado. O risco que corríamos era mais do que suficiente para sermos repreendidos e, até, castigados pelo professor. Uma das lições que aprendíamos era não mexer nos ninhos dos pássaros. O próprio padre também considerava como “pecado” a nossa conduta. Ouvíamos e esquecíamos logo de seguida sempre à descoberta de novos ninhos, dos ovos, dos filhotes e da espécie em questão.
Mas também não deixávamos de apanhar pássaros com as nossas armadilhas e construir toscas gaiolas para os albergar, quase sempre os mais pequenos e indefesos. O que é certo é que ao fim de algum tempo acabavam por morrer, facto que interpretávamos com sendo resultante da acção deliberada dos pais que, ao ouvirem os gritos dos filhotes, preferiam a sua morte.
Alguns pássaros eram intocáveis, caso das andorinhas ou dos pintarroxos, por exemplo. Os pardais e os melros, pelo contrário, levavam na perna, à pedrada, à fisga ou com os costilos. Recordo-me de um “puto” mais novo querer fisgar um pintarroxo. Levou logo no cachaço! – Então não sabes que não se pode fazer mal a este pássaro? E lá lhe explicámos que a mancha vermelha no peito era devido a uma gota de sangue de Cristo quando quis tirar um espinho da coroa que se tinha enterrado na cabeça do Senhor, durante a Via Sacra. O puto, com cara de parvo, ficou de boca aberta, e só deverá ter aprendido que não ia meter-se mais com pintarroxos, porque senão levava no cachaço.
Nessas alturas os pintarroxos tinham uma vida flauteada, cantando ao amanhecer, embora não seja nada de especial, atraindo parceiros, marcando território e espantando inimigos. Enfim, ritual típico de tantas e tantas espécies de aves.
Acontece que devido à poluição sonora estas aves começam a ter comportamentos diferentes, passando a cantar de noite, devido ao facto de os níveis de ruído diurnos serem elevados. Dizem os entendidos que “nos pássaros, a cantoria nocturna por espécies normalmente diurnas pode ser uma forma de minimizar a interferência de barulho ambiente urbano”. Aqui está mais um dado, a juntar a tantos outros, apontando para o papel negativo dos efeitos ambientais nos comportamentos das diferentes espécies. Coitados dos pintarroxos, cantam de noite, não dormem e não cumprem os seus rituais.
Outros estudos sugerem que algumas espécies, a residirem nas grandes cidades, adaptam-se à poluição sonora através do aumento do volume dos seus sons, ou então chegam mesmo a modificar o estilo, versus os seus primos rurais, optando por um estilo “rap”!
As modificações operadas no canto poderão provocar situações novas, dificuldades em marcar território e no acasalamento, além de permitir ataques dos inimigos.
As mudanças do comportamento das aves poderão constituir um sinal evidente dos efeitos negativos da poluição, neste caso concreto, sonora. A origem humana do ruído é mais do que conhecida, e como estão a provocar os pintarroxos, que tal um valente cachaço nos poluidores?!

8 comentários:

Bartolomeu disse...

Sinto um privilégio enorme pela primazia de comentar este maravilhoso e melodioso post.
Sr. Professor, conte com a minha mão para aplicar as cachaçadas que promete. Se me permite, proponho uma parceria, V. Excelência aponta o destinatário e eu aplico-lhe a cachaçada, com primor e discrição. Para cachaçar aqueles que estupidez ou maldade poluem aquilo que é de todos, merecem no mínimo uma cachaçada, isto, para início de castigo, porque muitos, provavelmente nem com 2 dúzias de cachaçadas iriam ao rêgo. Mas, proponho ainda que antes de desatarmos a aplicar o castigo, se lhes dê a possibilidade de "perceber" o mal que fazem. Se depois insistirem na asneira, não lhes perdoaremos.

Massano Cardoso disse...

Vamos dar mais uma oportunidade aos prevaricadores. Se não mudarem, então, eu digo-lhe quem é que deve levar no cachaço! Mas aí as suas mãos vão sofrer e não deverão chegar para as encomendas...

Bartolomeu disse...

As minhas mãos estão calejadas pela rabiça do arado, por aí podemos ficar descansados, caro professor :). Preocupa-me mais que não se ganhe a consciÊncia necessária para que os frequentes atentados contra o ambiente, muitos dos quais, profundos e irreversíveis deixem de ser praticados. E quantos deles, sabemos nós, são tão fáceis de eliminar, bastando para tanto a utilização do bom senso e de algum empenho pessoal.

Suzana Toscano disse...

O pior é que já nem notamos a barulheira permanente em que vivemos, se calhar não foi só o pintarroxo que mudou, nós já começamos a ser estranhos e nem damos por isso. Quando entramos no carro liga-se o radio, em casa é o ruido permanente da tv ou parecido, o telefone nem é bom referir, uma praga, cada toque estridente que parece um choque.Quando há silêncio, como no campo, ou quando tudo se aquieta na noite e se calam os poluidores, há uma grata sensação de "enfim, descanso!"mesmo que já não se saisse do sofá há 2 h!Se pega a moda dos pintarroxos é que é pior...

Bartolomeu disse...

Sou um priveligiado porque vivo no campo, apesar de ter de me deslocar diáriamente a Lisboa para trabalhar.
Vivo no cimo de um monte, a 45 km de Lisboa, produzo as batatas, cebolas, alhos, tomates. Os vizinhos presenteiam-me com diversos frutos e vegetais. Até ha 2 meses trás, criei um pequeno rebanho, atingi as 9 cabeças de ovinos da raça sufolck. Tambem criei galinhas, patos, perus e coelhos. Garanto. Tudo aquilo que eu crio, nãoconhece pesticidas, fertilizantes, os animais nunca provam qualquer tipo de farinha ou ração. Os sabores e a consistÊncia, tanto dos animais como dos vegetais, são completamente diferentes. Antes de optar pela mudança para o campo, morei num apartamento, um duplex, num condomínio em Paço d'Arcos. Uma vida sem conteúdo, uma rotina absolutamente alienada, os fins de semana eram de uma inercia atroz. No campo o tempo revela-se escasso para aquilo que se deseja fazer. Os serões, mesmo com a tv ligada e o som baixinho (só se levanta na hora dos telejornais e ao domingo, para escutar as opiniões do prof. Marcelo) ainda são preenchidos com conversas familiares.

Massano Cardoso disse...

Caro Bartolomeu
Temos que ver esse paraíso...

Bartolomeu disse...

Ao dispor caro professor, em minha casa existem 2 quartos de visitas se pretender pernoitar.
Se aprecia a humildade, será recebido com o maior gosto, neste a que exacerbadamente chamo o "mon petit Shangrilá".

Massano Cardoso disse...

Caro Bartolomeu

Muito obrigado pela sua atenção.