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quarta-feira, 16 de maio de 2007

O “caso Paulo Macedo”, ou a urgência de corrigir uma lei disparatada

Teve, enfim, epílogo, no passado dia 3 de Maio, a novela em torno da continuidade ou não de Paulo Macedo enquanto Director-Geral das Contribuições e Impostos. Como era esperado, dada a envolvente criada, o ainda Director-Geral (DG) optou por sair, mantendo-se em funções por mais 90 dias (o período máximo previsto na lei), em regime de gestão corrente, até que o novo titular – que ainda não se sabe quem é – lhe suceda. Assim, 1 de Agosto será o último dia de Macedo na liderança do “fisco”.

Sendo conhecido o desenlace, importa perceber por que “era esperado” que o ainda DG saísse, dado que o seu caso é – como adiante se verá – relevante para o futuro da Administração Pública em Portugal.

Deve ser recordado que, em 4 Maio de 2004, Paulo Macedo iniciou as funções que agora expiraram a convite de Manuela Ferreira Leite, à época Ministra das Finanças. Uma nomeação envolta em polémica devido ao elevado salário auferido por este gestor do BCP em regime de requisição (mais de EUR 23 mil por mês, que comparam com os cerca de EUR 4300 mensais – já incluindo despesas de representação – auferidos por um Director-Geral na Administração Pública).

Acontece que, coincidindo praticamente com a sua contratação, a evolução da arrecadação fiscal começou a beneficiar consistentemente do resultado do combate à fraude e evasão fiscais como raramente tinha sucedido no passado. As cobranças coercivas, por exemplo, depois de atingirem EUR 1.06 milhões em 2004, cresceram para EUR 1.42 milhões em 2005 e para EUR 1.55 em 2006! Foi certamente relevante para esta evolução o facto de ter sido em 2004 que, pela primeira vez, funcionou o cruzamento de dados entre o fisco e a Segurança Social – mas a verdade é que os resultados alcançados foram muito associados à actuação deste gestor, pelo que as vozes críticas se começaram a calar.

Assim, Paulo Macedo sobreviveu a 3 Governos e 4 Ministros das Finanças e conseguiu uma paz social quase inédita dentro da máquina fiscal (tendo, por exemplo, recebido elogios frequentes do sindicato dos trabalhadores dos impostos).

E, com o passar do tempo, foi-se mesmo gerando um invulgar e amplo consenso quanto ao facto de se estar com o “homem certo no lugar certo”.

Ora, a renovação (ou não) das comissões de serviço para dirigentes da Administração Pública tem lugar de 3 em 3 anos, pelo que no passado dia 3 de Maio terminou a de Paulo Macedo.
Pergunta: se os resultados foram muito positivos, não seria natural a continuação em funções do homem forte dos impostos? Seria. Faria, até, todo o sentido. E o contrário seria absurdo.
Simplesmente, pouco depois de o actual Governo iniciar funções, e numa tentativa populista e demagógica de moralização e repartição de custos e dificuldades por todos, foi aprovada a Lei nº 31/2005, de 30 de Agosto, que, no número 3 do artigo 31º impede qualquer funcionário público de ganhar mais do que o Primeiro-Ministro (cujo salário bruto, incluindo já despesas de representação, é de pouco mais de EUR 7500).

Ora, em minha opinião, este enquadramento legal é um perfeito disparate. Vejamos porquê.

Na esfera pública, existem duas carreiras distintas: a política e a técnica.

Porque só se pode fazer no Estado, a carreira política não é concorrencial. Um Presidente da República, um Primeiro-Ministro, um Ministro, um Secretário de Estado, um Deputado ou um Presidente de Câmara só o podem ser no Estado. São funções que não encontram paralelo na actividade privada. Faz, assim, sentido que os salários de todos os políticos estejam indexados ao topo da pirâmide, dado pelas condições remuneratórias do Presidente da República ou, em determinadas circunstâncias, do Primeiro-Ministro. E, quem opta pela vida política sabe exactamente ao que vai.

Já a carreira técnica é completamente diferente: um técnico tanto pode fazer carreira no Estado como na esfera privada. Como sucedeu com Paulo Macedo, que desempenhava funções num banco e transitou para o Ministério das Finanças. Ou de um quadro de uma empresa pública que transite para uma empresa privada – e vice-versa. Isto é, está-se no mercado, no domínio da concorrência. E, assim, faz sentido que os salários sejam correspondentes. De facto, se se concluir que um quadro do sector privado é adequado para ocupar um determinado lugar na Administração Pública, e se houver interesse na sua contratação, não se lhe poderá acenar com condições remuneratórias desvantajosas face ao que aufere – caso contrário, essa contratação não passará certamente de uma miragem.

Assim, na esfera pública – seja na Administração Pública, seja nas empresas participadas pelo Estado –, os recursos humanos não poderão deixar de ser pagos de acordo com os valores de mercado. Isto é, de acordo com o que ganham os recursos que exerçam funções semelhantes no respectivo sector de actividade.

Se assim não suceder, não será possível ao sector público competir com o sector privado pela atracção dos melhores quadros. Não será possível modernizar o nosso sector público e torná-lo mais eficiente.

O caso de Paulo Macedo é paradigmático. Não digo que tenha sido exclusivamente por este motivo que o ainda DG optou por não continuar no Ministério das Finanças – mas, como facilmente se compreende, trata-se de um factor que ninguém ignoraria. Pense comigo, caro leitor: estaria disposto a aceitar uma redução de quase 70% do seu salário para continuar a desempenhar funções técnicas no Estado se pudesse prosseguir, não perdendo regalias, a sua carreira no sector privado? Creio que a resposta é óbvia… pelo que o desenlace que acabou por acontecer era, de facto, esperado.

E se o Ministro das Finanças ainda recentemente se mostrou contra o enquadramento legal vigente nesta área (a Lei nº 31/2005 foi aprovada no tempo de Luís Campos e Cunha, seu antecessor), pois tem bom remédio: em vez de se ficar pelas críticas, que envide esforços para alterar esta absurda realidade. Que, afinal, foi criada pelo Governo a que pertence!... Isso é que seria coerente… e produtivo.

No caso contrário, nunca mais a Administração Pública poderá atrair os melhores e mais competentes quadros. Nunca mais “um Paulo Macedo” exercerá funções na esfera pública. E o país continuará a marcar passo.


Este texto foi publicado na minha coluna "Pensar Economia", no Jornal de Negócios em 15 de Maio, 2007.

6 comentários:

Virus disse...

E?...

Isto é tudo muito engraçado, e até lhe dou o seu devido valor, mas não posso deixar de perguntar duas coisas:

1- Porque é que o Paulo Moita Macedo não atacou de forma mais incisiva o Sector Financeiro?

2- Porque é que o Paulo Moita Macedo se apoiou nos seus excelentes conhecimentos da actividade da banca e do sector financeiro para atacar as PME's e as famílias em vez de ir "buscar" o dinheiro onde ele fica quase todo?

Carlos Sério disse...

Não há homens insubstituíveis e haverá certamente técnicos qualificados na Administração Pública,
A nossa sociedade é fechada e cada vez mais fechada, o que significa que não são os melhores que se encontram nos lugares de topo da Administração Pública como igualmente não são os melhores que se encontram nos cargos mais responsáveis do privado.
Há uma série de factores da nossa sociedade, políticos, familiares, de grupo (opus- dei, maçonaria, etc) que distorcem a competitividade e a natural ascensão dos mais aptos.
A nossa sociedade é pequena, demasiado pequena, para que estes factores negativos e contrários a uma competição aberta não se imponham como factor principal de selecção de quadros.
Assim, neste contexto pantanoso e em nada transparente, defender a equivalência de remunerações entre quadros do sector privado e público será não será mais do que entrar no jogo dos grupos de poder quer eles sejam políticos ou outros.
Por alguma razão os quadros do sector privado são principescamente bem pagos, como se constatou com a publicação recente das remunerações e outros benefícios dos gestores das empresas do PSI20. Como é possível que o governador do Banco de Portugal tenha um vencimento superior ao seu homólogo americano?
Tudo isto só é possível pela vigência daqueles factores alheios a uma natural competição.

Suzana Toscano disse...

Miguel, independentemente do caso concreto, considero que o legislador tem obrigação de avaliar devidamente os previsíveis efeitos de uma lei. Não se fazem - ou não se devia! - fazer leis e desfazê-las dia sim dia não, caso contrário lá se vai a confiança jurídica, o princípio da generalidade e abstracção da lei enfim, a responsabilidade e credibilidade do legislador e o respeito pelos governados.E isto também tem que ser considerado quando uma lei entra em vigor, a menos que se admita uma alteração de circunstâncias ou um erro grosseiro.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Miguel
Estou inteiramente de acordo com o seu texto. Escrevi aqui na Quarta República no passado dia 16 de Março sobre os tectos salariais às remunerações a praticar no Estado e não me poupei em demonstrações sobre as dificuldades daí decorrentes para dotar a administração pública de competências de excelência ao nível do que há de melhor no sector privado.
Deixo aqui um pequeno extracto desse texto:

"Mas esta é uma falsa solução, quando, simultaneamente, o Governo estabelece – aliás, já estabeleceu – tectos salariais às remunerações a praticar no Estado (o limite salarial fixado é o do primeiro-ministro). Esta política conduz à não competitividade das remunerações do Estado com o mercado, em particular nas competências de gestão e competências técnicas muito especializadas e de elevado grau de qualificação.
Com este quadro, não serão, seguramente, removidas as dificuldades em atrair os melhores, justamente num momento em que a administração pública precisa efectivamente de se renovar e captar pessoas talentosas capazes de mobilizar mudanças, o mesmo é dizer, com capacidades para liderar pessoas e processos.
Redimensionar a administração pública à altura das exigências da eficiência não é uma tarefa fácil. Os problemas são muitos, os receios e as resistências não são menores. Mas já que as dificuldades são muitas, sejamos, por uma vez, realistas e ambiciosos, deixemos a demagogia de lado e tenhamos visão. Flexibilizar com uma mão e regidificar com a outra não poderá dar bom resultado.
Nas corridas ganham os atletas mais talentosos e melhor preparados. Na pista da reforma da administração pública não tem que ser diferente!

Tonibler disse...

Eu vou gostar de saber o que vão dizer do novo DG quando, tal como o Macedo, usar as ferramentas desenvolvidas pelos antecessores para chegarem aos mesmos resultados. Assim talvez possam responder à questão que o Virus coloca acima.

Depois, se a função é assim tão técnica, porque é que não subcontrato por concurso público?

Carlos Sério disse...

“Nas corridas ganham os atletas mais talentosos e melhor preparados”,

diz a Margarida Aguiar, como exemplo. Só que o exemplo não tem aplicação à Função Pública. Nas corridas são os que têm comprovadamente os melhores tempos que são chamados à corrida. Na Administração Pública os mais altos lugares são de NOMEAÇÃO politica, o mesmo é dizer que não são critérios de qualidade que preside à escolha mas critérios políticos.
Será que o senhor Fernando Gomes ou o senhor Armando Vara serão os melhores para ocuparem o lugar que ocupam?
E se isto acontece nos mais altos cargos não é difícil imaginar o que acontece nos quadros intermédios da AP. Enquanto a Função Pública se encontrar politizada como se encontra, é pura fantasia imaginar que são “os que correm mais depressa” os melhores candidatos aos altos quadros da FP. Vive-se na Administração Pública um clima de compadrio e corrupção política na selecção de quadros que distorce qualquer alteração mesmo que bem intencionada.