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quarta-feira, 30 de maio de 2007

Sábios, espécie em extinção

O Prof Abreu Faro, que foi um notável Professor do Técnico e um homem com extraordinárias qualidades humanas, dizia aos seus alunos que, quando se conhece profundamente um tema, sabe-se necessariamente tudo o que é importante saber sobre os outros. Ou seja, um conhecimento específico é sempre superficial e limitado, muito diferente da especialização, cujo caminho obrigou a abrir horizontes e deu capacidade para se querer saber muito mais.
Esta verdade pode parecer hoje um bocado estranha, se pensarmos na especialização como mote permanente, no afunilamento de conhecimentos até se depurar o que é essencial para se poder ser considerado um especialista no mais curto espaço de tempo.
Quem é que nunca comentou a um jovem que quer escolher um curso fora dos “padrões” reconhecidos por um título preciso “mas o que vais tu fazer com esse curso?”, admitindo logo que ele acabará por não saber nada de nada. É por isso que os chineses chegaram à conclusão que o seu sistema educativo não os prepara para inovar, enquanto os americanos lamentam a falta de cultura geral dos seus alunos e os europeus se preocupam com a pouca capacidade de expressão escrita e oral e a adaptabilidade.
Gerou-se a polémica à volta da filosofia, nos últimos anos considerada uma parente pobre do elenco apto a “preparar para a vida”, detestada pelos alunos das ciências e por fim deixada à opção dos que sejam dados a lucubrações mais ou menos estéreis. Estou a exagerar, mas nem por isso.
No entanto, a verdade é que a capacidade para relacionar os vários tipos de matérias é que aumenta a curiosidade para querer saber mais e dá a verdadeira dimensão intelectual, profissional e humana de quem quer que seja. A prová-lo, estão os milhares de teorias, seminários, artigos e acções de formação que integram a vertente do conhecimento dos outros, da observação do ambiente, da sensibilidade para as aptidões, da relação de um grupo, da motivação, do coaching, etc.
Na falta das tais disciplinas que ensinam a reflectir e a observar para além do que é exacto ou demonstrável, temos que ir a correr aprender, em breves condensados, outras tantas teorias sobre a razão de ser das coisas, para além do que é imediatamente apreensível num campo específico de acção.
A economia do conhecimento, no sentido da sua redução ao que é absolutamente indispensável, leva à pobreza de espírito. É tempo de lembrar Sócrates, o filósofo, quando dizia "só sei que nada sei, e nisso supero a maioria dos homens, que nem sequer isso sabem".

11 comentários:

Bartolomeu disse...

"No entanto, a verdade é que a capacidade para relacionar os vários tipos de matérias é que aumenta a curiosidade para querer saber mais e dá a verdadeira dimensão intelectual, profissional e humana de quem quer que seja."
Esta afirmação culmina na célebre teoria Socratiana que refere no final, não concorda cara Suzana?
Afinal a simples observação do cuotidiano levou o homem à especialização, no sentido em que esta, visa a excelência. As sociedades avançadas, tecnológica e socialmente, visam a excelência multi-disciplinar e não se compadecem com mediocridades. Daí as referências que nesta excelente abordagem faz às lacunas sentidas por americanos, europeus e asiáticos. Sem dúvida que os seminários e a consequente partilha de especializações são socialmente vitais para qualquer desenvolvimento.

Suzana Toscano disse...

Caro Bartolomeu, só quem sabe muito é que pode ter a humildade de reconhecer o muito que lhe falta saber, ao contrário da ignorância, que é atrevida e arrogante, porque se contenta com pouco.É esse o sentido da teoria socratiana, como diz, mas é preciso lembrá-lo, acho que há uma grande tendência para a esquecer. Há dias ouvi o Prof. Pinto Soares (acho que é este o nome), professor no INSEAD, que deu uma entrevista notável na RTP, a dizer que há grandes empresas que estão a admitir nos seus quadros filósofos, poetas ou humanistas cuja missão é observar o que se vai passando na empresa, a sua estratégia, o seu clima, a sua aceitação e o modo como interferem na sociedade em que se inserem. Que esta reflexão e esta capacidade de ver para além das questões específicas do negócio são factores de grande melhoria e que trazem aos decisores mais capacidade de inovar e de corrigir erros que de outro modo não detectariam

Massano Cardoso disse...

Cara Suzana

Concordo consigo.
Há muito cheguei à conclusão de que deveria haver uma “cadeira” comum a todos os cursos: “História da Ciência”. Ao abordá-la podemos aprender os diferentes tipos de pensamento que estiveram na origem de grandes descobertas e os efeitos destas no pensamento humano. Além da beleza inerente, ajuda-nos a reflectir, a pensar e a sonhar...

Suzana Toscano disse...

Caro Prof Massano,nem era preciso dizer que concordava!
O meu amigo é o vivo exemplo do que dizia o Prof. Abreu Faro. Sendo um profundo conhecedor da sua especialidade médica, tornou-se um grande conhecedor de muitas outras matérias, sempre com a curiosidade e o interesse em pesquisar mais e aprender sempre mais, como temos todos podido testemunhar e apreciar devidamente aqui no 4r...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
É mesmo como diz, "só quem sabe muito é que pode ter a humildade de reconhecer o muito que lhe falta saber". Esta riqueza de percepção só é possível porque o conhecimento ensina que nada é absoluto, definitivo e, particularmente, que sendo as pessoas diferentes a sua sensibilidade, sentimentos, experiências e vidas dão tonalidades diferentes ao conhecimento.
Conhecimento chama conhecimento, desperta a curiosidade e a necessidade de saber mais, contribui para aumentar a capacidade de aprender.
E quanto mais conhecemos mais amamos e quanto mais amamos mais queremos conhecer...

Bartolomeu disse...

Prece-me assaz interessante a ideia de que o Prof. Pinto Soares deu notícia na tal entrevista.
Porém cara Suzana, creio que seja prudente, as empresas empenhadas nesse projecto, não contratarem poetas.
Porquê?
Porque, a acreditar na caracterização que Fernando pessoa (o poeta profeta) fez da personalidade do poeta...

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Desculpe a brincadeira :)

Suzana Toscano disse...

Até foi bem lembrado, caro Bartolomeu, porque os poetas,para serem fingidores, têm que observar muito bem aquilo que imitam, senão não eram levados a sério. É essa capacidade de observar com interesse mas sem se deixar envolver directamente, que pode fazer deles uns óptimos conselheiros...

LV disse...

Esclarecimento: sou professor de Filosofia do Ensino Secundário. Muito me sensibilizaram as palavras trocadas nos comentários a partir de uma mensagem que é, julgo, plena de actualidade. Tanto pelos episódios e trapalhadas que têm rodeado as alterações quanto ao papel da disciplina no domínio da formação geral (10º e 11º anos) e dos seus exames – aprovados, redireccionados e agora desvalorizados –, como, acima de tudo, a magnífica oportunidade, que ela representa, de promover um trabalho determinante com os nossos jovens. Um trabalho estruturante quanto ao desenvolvimento de um clima de liberdade intelectual. “É por isso que um ensino correcto da filosofia no secundário é uma oportunidade de ouro para contrariar uma cultura secularmente avessa à democracia e à liberdade. Mesmo que em filosofia se discuta o valor da democracia e da liberdade, esta discussão é em si um aprendizado para a democracia e para a liberdade. Esta discussão, correctamente praticada nas escolas, é a única esperança de mudar uma cultura que, por ser fechada e avessa à liberdade, não consegue resolver os seus problemas nem atingir um grau de desenvolvimento e de bem-estar adequado.” Cito esta passagem ( os sublinhados são meus) de Desidério Murcho no seu livro “Pensar Outra Vez” que recomendo a leitura. Aí se apresentam ideias muito pertinentes para restabelecer a discussão acerca de uma formação filosófica aliada a uma compreensão dos grandes desafios do conhecimento. Como se pode vislumbrar, um caminho que vale a pena trilhar. Houvesse vontade.
Luís Vilela.

Suzana Toscano disse...

Caro Luis Vilela, como professor de filosofia, tem uma grande responsabilidade em cativar os alunos para essa matéria! é claro que a capacidade de pensar e reflectir não chega só com a filosofia, nem ela é a responsável pela abertura de espírito, isso também se devverá conseguir com a História, com as Ciências, com a Geografia, ciência polítca, etc. enfim, com o conhecimento em geral, quando merece esse nome. Mas a filosofia é especialmente dirigida para o aprofundamento da capacidade de pensar criticamente as ideias,as teorias, "desligada", se assim se pode dizer, de uma matéria concreta, daí que seja tentador desvalorizar essa aprendizagem como matéria autónoma e se dilua essa responsabilidade pelas outras disciplinas.Deixe-me que lhe diga que, como muitos outros pais, pude ver o resultado de um mau professor de filosofia, que "impunha" a sua matéria de forma complexada, tornando-a intrincada e destinada a espíritos "iluminados", e um bom professor, que tornava simples e atraentes as mesmissimas matérias, levando os alunos a querer ir mais longe, a estudar as correntes de pensamento e, como é natural, a defenderem as suas próprias teses. Receio que o mau ensino desta disciplina a tenha tornado num pesadelo para muitos alunos, condicionando as suas notas numa fase muito crítica. Em tempos de "fast food", o que leva tempo a digerir é erradicado...Como cita no seu interessante comentário, "um correcto ensino de filosofia é uma oportunidade de ouro..."

Pinho Cardão disse...

Cara Suzana:
Chego tarde, mas nunca é tarde para a felicitar pelo seu post.
Sou economista, mas considero que as bases de filosofia que aprendi e fui desenvolvendo por mim me têm servido tanto na minha vida profissional como os conhecimentos específicos da profissão.
Considero que a Filosofia devia ser uma disciplina obrigatória em todos os cursos dos 10º ao 12º ano.
Infelizmente, o Ministério da Educação, na sua ânsia destrutiva a que os Ministros não sabem pôr cobro, também aqui ameaça não deixar pedra sobre pedra. A solução é mesmo fechar, e enquanto é tempo!...

Suzana Toscano disse...

O meu amigo é uma radical...! Já viu o trabalhão que dava voltar a construir aquelas torias filosóficas todas??? :)))