Teve, enfim, epílogo, no passado dia 3 de Maio, a novela em torno da continuidade ou não de Paulo Macedo enquanto Director-Geral das Contribuições e Impostos. Como era esperado, dada a envolvente criada, o ainda Director-Geral (DG) optou por sair, mantendo-se em funções por mais 90 dias (o período máximo previsto na lei), em regime de gestão corrente, até que o novo titular – que ainda não se sabe quem é – lhe suceda. Assim, 1 de Agosto será o último dia de Macedo na liderança do “fisco”.
Sendo conhecido o desenlace, importa perceber por que “era esperado” que o ainda DG saísse, dado que o seu caso é – como adiante se verá – relevante para o futuro da Administração Pública em Portugal.
Deve ser recordado que, em 4 Maio de 2004, Paulo Macedo iniciou as funções que agora expiraram a convite de Manuela Ferreira Leite, à época Ministra das Finanças. Uma nomeação envolta em polémica devido ao elevado salário auferido por este gestor do BCP em regime de requisição (mais de EUR 23 mil por mês, que comparam com os cerca de EUR 4300 mensais – já incluindo despesas de representação – auferidos por um Director-Geral na Administração Pública).
Acontece que, coincidindo praticamente com a sua contratação, a evolução da arrecadação fiscal começou a beneficiar consistentemente do resultado do combate à fraude e evasão fiscais como raramente tinha sucedido no passado. As cobranças coercivas, por exemplo, depois de atingirem EUR 1.06 milhões em 2004, cresceram para EUR 1.42 milhões em 2005 e para EUR 1.55 em 2006! Foi certamente relevante para esta evolução o facto de ter sido em 2004 que, pela primeira vez, funcionou o cruzamento de dados entre o fisco e a Segurança Social – mas a verdade é que os resultados alcançados foram muito associados à actuação deste gestor, pelo que as vozes críticas se começaram a calar.
Assim, Paulo Macedo sobreviveu a 3 Governos e 4 Ministros das Finanças e conseguiu uma paz social quase inédita dentro da máquina fiscal (tendo, por exemplo, recebido elogios frequentes do sindicato dos trabalhadores dos impostos).
E, com o passar do tempo, foi-se mesmo gerando um invulgar e amplo consenso quanto ao facto de se estar com o “homem certo no lugar certo”.
Ora, a renovação (ou não) das comissões de serviço para dirigentes da Administração Pública tem lugar de 3 em 3 anos, pelo que no passado dia 3 de Maio terminou a de Paulo Macedo.
Pergunta: se os resultados foram muito positivos, não seria natural a continuação em funções do homem forte dos impostos? Seria. Faria, até, todo o sentido. E o contrário seria absurdo.
Simplesmente, pouco depois de o actual Governo iniciar funções, e numa tentativa populista e demagógica de moralização e repartição de custos e dificuldades por todos, foi aprovada a Lei nº 31/2005, de 30 de Agosto, que, no número 3 do artigo 31º impede qualquer funcionário público de ganhar mais do que o Primeiro-Ministro (cujo salário bruto, incluindo já despesas de representação, é de pouco mais de EUR 7500).
Ora, em minha opinião, este enquadramento legal é um perfeito disparate. Vejamos porquê.
Na esfera pública, existem duas carreiras distintas: a política e a técnica.
Porque só se pode fazer no Estado, a carreira política não é concorrencial. Um Presidente da República, um Primeiro-Ministro, um Ministro, um Secretário de Estado, um Deputado ou um Presidente de Câmara só o podem ser no Estado. São funções que não encontram paralelo na actividade privada. Faz, assim, sentido que os salários de todos os políticos estejam indexados ao topo da pirâmide, dado pelas condições remuneratórias do Presidente da República ou, em determinadas circunstâncias, do Primeiro-Ministro. E, quem opta pela vida política sabe exactamente ao que vai.
Já a carreira técnica é completamente diferente: um técnico tanto pode fazer carreira no Estado como na esfera privada. Como sucedeu com Paulo Macedo, que desempenhava funções num banco e transitou para o Ministério das Finanças. Ou de um quadro de uma empresa pública que transite para uma empresa privada – e vice-versa. Isto é, está-se no mercado, no domínio da concorrência. E, assim, faz sentido que os salários sejam correspondentes. De facto, se se concluir que um quadro do sector privado é adequado para ocupar um determinado lugar na Administração Pública, e se houver interesse na sua contratação, não se lhe poderá acenar com condições remuneratórias desvantajosas face ao que aufere – caso contrário, essa contratação não passará certamente de uma miragem.
Assim, na esfera pública – seja na Administração Pública, seja nas empresas participadas pelo Estado –, os recursos humanos não poderão deixar de ser pagos de acordo com os valores de mercado. Isto é, de acordo com o que ganham os recursos que exerçam funções semelhantes no respectivo sector de actividade.
Se assim não suceder, não será possível ao sector público competir com o sector privado pela atracção dos melhores quadros. Não será possível modernizar o nosso sector público e torná-lo mais eficiente.
O caso de Paulo Macedo é paradigmático. Não digo que tenha sido exclusivamente por este motivo que o ainda DG optou por não continuar no Ministério das Finanças – mas, como facilmente se compreende, trata-se de um factor que ninguém ignoraria. Pense comigo, caro leitor: estaria disposto a aceitar uma redução de quase 70% do seu salário para continuar a desempenhar funções técnicas no Estado se pudesse prosseguir, não perdendo regalias, a sua carreira no sector privado? Creio que a resposta é óbvia… pelo que o desenlace que acabou por acontecer era, de facto, esperado.
E se o Ministro das Finanças ainda recentemente se mostrou contra o enquadramento legal vigente nesta área (a Lei nº 31/2005 foi aprovada no tempo de Luís Campos e Cunha, seu antecessor), pois tem bom remédio: em vez de se ficar pelas críticas, que envide esforços para alterar esta absurda realidade. Que, afinal, foi criada pelo Governo a que pertence!... Isso é que seria coerente… e produtivo.
No caso contrário, nunca mais a Administração Pública poderá atrair os melhores e mais competentes quadros. Nunca mais “um Paulo Macedo” exercerá funções na esfera pública. E o país continuará a marcar passo.
Este texto foi publicado na minha coluna "Pensar Economia", no Jornal de Negócios em 15 de Maio, 2007.