Um destacado militante político acaba de escrever uma carta aberta denunciando que “há medo na sociedade portuguesa”. Pois há, e não é pouco.
Ao fim de 35 anos de liberdade, a atmosfera em que estamos mergulhados começa a limitar a expressão oral, a arrefecer o que vai no nosso coração e a aterrorizar as construções da mente.
Uma verdadeira peste negra dos nossos dias. Altamente contagiosa. O seu poder letal destrói a vontade, rouba a alegria e afoga a esperança.
O medo faz parte da nossa formação. Ao alertar-nos para certos perigos, que possam por em risco a sobrevivência, é de uma utilidade indiscutível, mas quando é utilizado para dominar o próximo, então, passa a constituir um sinal de desrespeito e de violência.
Recordo-me dos primeiros medos. Medos imaginários, fomentados e alimentados pelos mais velhos que, para controlar a turbulência infantil, usavam verdadeiras estratégias de terror. Com o tempo, os medos das almas do outro mundo, dos monstros, do escuro e das bruxas más foram substituídos por outros. O fantasmagórico desaparecia quase ao mesmo tempo em que descobríamos que afinal não era o menino Jesus que dava as prendas no Natal. Sim, porque na altura o canastrão do Pai Natal ainda não tinha feito a sua entrada em cena. Passava a ser o período do medo de uma boa sova, de um puxão de orelhas, de um raspanete à antiga, em que os pais, os avós e os professores eram perfeitos artistas, cada um na sua especialidade. Eu experimentei-as todas! Mais tarde, o medo mudava de roupa e de cor, mas nem por isso de intensidade, embora circunscrito às vivências escolares e sociais. O medo de exprimir ideias políticas coincidia com a época em começávamos a fazer a barba de forma regular. Os avisos eram muitos. Nada de dizer mal. Quando te fizerem certas perguntas calas-te, ou então dás uma volta. Tem cuidado. Olha que podem dar-te cabo do futuro. Vê o exemplo do fulano tal, interromperam-lhe os estudos e mandaram-no para a guerra. Não te desgraces. Medo político.
Medos houve sempre. Depois, os medos políticos desapareceram, como que por artes mágicas, de um dia para o outro. Agora voltou, com novos figurinos. Nos últimos tempos, é uma das palavras que mais ouço. Medo. Nalguns casos transfigura-se mesmo em fobias.
Políticos a criarem atmosferas de medo numa democracia é de loucos.
A atual sociedade fez-me lembrar a obra, “O Alienista”, de Machado de Assis. O médico, Simão Bacamarte, protagonizou a construção de uma casa para albergar os loucos. Até aqui tudo bem. O pior foi quando começou a internar os outros assim que denotassem o mínimo sinal de suspeita de “anormalidade” por si definida, já que “a ciência é coisa séria e deve ser tratada com seriedade”. Com o tempo, a Casa de Orates encheu-se de tal modo que provocou uma autêntica revolução ao ponto de ser totalmente esvaziada dos doidos e não doidos. Passados estes momentos, Bacamarte mudou de paradigma, começando a considerar como anormais todos os indivíduos que apresentavam virtudes. Ao fim de algum tempo, assim que revelavam um ou mais traços de inveja, de cobiça, de desonestidade, de violência, de luxúria, entre muitas outras “qualidades humanas”, tinham alta, considerados como curados. Mas chegou o momento em que todos lhe apontavam virtudes. O único a ter só virtudes, logo, um perfeito anormal. Não era capaz de se auto identificar com nenhuma das características de “normalidade” que tinha “cientificamente” redefinido. Foi então que se acoitou, voluntariamente, na Casa Verde, na esperança de adquirir uma das tais particularidades. Aí permaneceu sozinho até morrer. Não encontrou a cura para si.
A “normalidade política” começa a sofrer uma mudança de paradigma muito à semelhança do descrito por Machado de Assis. Partindo do princípio de que “a política é coisa séria e deve ser tratada com seriedade”, só espero que os atuais “políticos puros e virtuosos” possam recolher à Casa de Orates, sobretudo alguns “bacamartes” que gostam de “malhar”, verdadeiros alienados, e lá permaneçam para sempre. É que metem mesmo medo, ao ponto de fazer minha a frase de Montaigne: “o medo é a coisa de que mais tenho medo no mundo”.
Ao fim de 35 anos de liberdade, a atmosfera em que estamos mergulhados começa a limitar a expressão oral, a arrefecer o que vai no nosso coração e a aterrorizar as construções da mente.
Uma verdadeira peste negra dos nossos dias. Altamente contagiosa. O seu poder letal destrói a vontade, rouba a alegria e afoga a esperança.
O medo faz parte da nossa formação. Ao alertar-nos para certos perigos, que possam por em risco a sobrevivência, é de uma utilidade indiscutível, mas quando é utilizado para dominar o próximo, então, passa a constituir um sinal de desrespeito e de violência.
Recordo-me dos primeiros medos. Medos imaginários, fomentados e alimentados pelos mais velhos que, para controlar a turbulência infantil, usavam verdadeiras estratégias de terror. Com o tempo, os medos das almas do outro mundo, dos monstros, do escuro e das bruxas más foram substituídos por outros. O fantasmagórico desaparecia quase ao mesmo tempo em que descobríamos que afinal não era o menino Jesus que dava as prendas no Natal. Sim, porque na altura o canastrão do Pai Natal ainda não tinha feito a sua entrada em cena. Passava a ser o período do medo de uma boa sova, de um puxão de orelhas, de um raspanete à antiga, em que os pais, os avós e os professores eram perfeitos artistas, cada um na sua especialidade. Eu experimentei-as todas! Mais tarde, o medo mudava de roupa e de cor, mas nem por isso de intensidade, embora circunscrito às vivências escolares e sociais. O medo de exprimir ideias políticas coincidia com a época em começávamos a fazer a barba de forma regular. Os avisos eram muitos. Nada de dizer mal. Quando te fizerem certas perguntas calas-te, ou então dás uma volta. Tem cuidado. Olha que podem dar-te cabo do futuro. Vê o exemplo do fulano tal, interromperam-lhe os estudos e mandaram-no para a guerra. Não te desgraces. Medo político.
Medos houve sempre. Depois, os medos políticos desapareceram, como que por artes mágicas, de um dia para o outro. Agora voltou, com novos figurinos. Nos últimos tempos, é uma das palavras que mais ouço. Medo. Nalguns casos transfigura-se mesmo em fobias.
Políticos a criarem atmosferas de medo numa democracia é de loucos.
A atual sociedade fez-me lembrar a obra, “O Alienista”, de Machado de Assis. O médico, Simão Bacamarte, protagonizou a construção de uma casa para albergar os loucos. Até aqui tudo bem. O pior foi quando começou a internar os outros assim que denotassem o mínimo sinal de suspeita de “anormalidade” por si definida, já que “a ciência é coisa séria e deve ser tratada com seriedade”. Com o tempo, a Casa de Orates encheu-se de tal modo que provocou uma autêntica revolução ao ponto de ser totalmente esvaziada dos doidos e não doidos. Passados estes momentos, Bacamarte mudou de paradigma, começando a considerar como anormais todos os indivíduos que apresentavam virtudes. Ao fim de algum tempo, assim que revelavam um ou mais traços de inveja, de cobiça, de desonestidade, de violência, de luxúria, entre muitas outras “qualidades humanas”, tinham alta, considerados como curados. Mas chegou o momento em que todos lhe apontavam virtudes. O único a ter só virtudes, logo, um perfeito anormal. Não era capaz de se auto identificar com nenhuma das características de “normalidade” que tinha “cientificamente” redefinido. Foi então que se acoitou, voluntariamente, na Casa Verde, na esperança de adquirir uma das tais particularidades. Aí permaneceu sozinho até morrer. Não encontrou a cura para si.
A “normalidade política” começa a sofrer uma mudança de paradigma muito à semelhança do descrito por Machado de Assis. Partindo do princípio de que “a política é coisa séria e deve ser tratada com seriedade”, só espero que os atuais “políticos puros e virtuosos” possam recolher à Casa de Orates, sobretudo alguns “bacamartes” que gostam de “malhar”, verdadeiros alienados, e lá permaneçam para sempre. É que metem mesmo medo, ao ponto de fazer minha a frase de Montaigne: “o medo é a coisa de que mais tenho medo no mundo”.
3 comentários:
Medo ou cobardia? Ou não será a cobardia autofágica?
Tecer um comentário a este post, isso sim, provoca "medo" à míngua das palavras mais adequadas...Quanto ao resto, àqueles que gostam de “malha” é gente manhosa que se mostra quando a máscara cai…
Como diria o caro Pinho Cardão, este post é de antologia. Excelente, de leitura - e reflexão - obrigatória para democratas e aprendizes de feiticeiro.
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