Viver num período de recessão comporta profundas modificações no estado de saúde das pessoas, muito para além das perdas na esfera do bem-estar. É natural.
O aumento do desemprego, a impossibilidade de assegurar os compromissos financeiros, a angústia em não proporcionar os meios necessários à educação dos filhos, a dificuldade no acesso aos cuidados de saúde e na aquisição dos medicamentos, a substituição de alimentos “saudáveis” por outros mais energéticos e perigosos, pondo em causa uma dieta equilibrada, originam perturbações muito graves, que não se esgotam na esfera psíquica, ao alastrarem-se a todas as esferas da economia.
Desde há muito tempo que tenho tido a oportunidade de avaliar os efeitos sociais na saúde das pessoas, mas nunca tinha observado um período tão grave como aquele que estamos a passar. Cada dia que passa, avolumam-se as evidências de uma situação económico-social muito preocupante. Os dados publicitados pela comunicação social reforçam no dia-a-dia o pendente negativo da crise. Doentes que deixam de tomar os medicamentos, entrando em descompensação, é uma realidade documentada pela redução da venda dos fármacos nos últimos tempos, outros entram num sofrimento psíquico atroz para os quais os antidepressivos, os tremoços da sociedade portuguesa, já não conseguem controlar os problemas. É de esperar um agravamento de muitas patologias em todas as áreas. Uma sociedade doente é menos produtiva, mais pobre e mais triste. Depois, somos confrontados diariamente com vários casos que nos fazem meditar. Ainda hoje uma aluna de mestrado procurou-me por causa do seu trabalho. Reparei que não estava muito feliz e perguntei-lhe se havia algum problema. Foi então que me contou que um jovem amigo se tinha suicidado inesperadamente. Um choque terrível, porque não havia nada que fizesse sugerir um desfecho desta natureza. Deixei-a falar, o que não é difícil de fazer quando a dor aperta. Afinal, tudo, pelo menos aparentemente, se deveu a uma recusa de uma entidade em lhe conceder a permissão de iniciar a sua atividade, depois de terem acertado nesse sentido. Tinha tudo preparado para iniciar o seu projeto com a ajuda de várias pessoas, quando, à última hora, lhe negaram a concessão. Usou cianeto, forma pouco vulgar de suicídio. Olhei através da janela. O Sol brilhava de uma forma particularmente agradável. As pessoas deslocavam-se de um lado para o outro desconhecendo a morte de um jovem e o sofrimento de uma família e de inúmeros amigos. Não querendo ser reducionista, não pude deixar, quase que instintivamente, de me questionar: será que a crise desempenhou algum papel neste caso? Quem sabe se vivêssemos noutras circunstâncias não teria sido possível evitar a morte deste jovem de trinta e três anos. Trinta e três anos! Precisamente a idade que a minha filha mais velha vai atingir amanhã. E lá fui a ruminar até casa sem saber bem o que pensar, temeroso de medos inimagináveis, afogado numa sensação de tristeza e, ao mesmo tempo, consciente de usufruir graças que, confesso, tenho que aproveitar e saborear sempre que puder.
O aumento do desemprego, a impossibilidade de assegurar os compromissos financeiros, a angústia em não proporcionar os meios necessários à educação dos filhos, a dificuldade no acesso aos cuidados de saúde e na aquisição dos medicamentos, a substituição de alimentos “saudáveis” por outros mais energéticos e perigosos, pondo em causa uma dieta equilibrada, originam perturbações muito graves, que não se esgotam na esfera psíquica, ao alastrarem-se a todas as esferas da economia.
Desde há muito tempo que tenho tido a oportunidade de avaliar os efeitos sociais na saúde das pessoas, mas nunca tinha observado um período tão grave como aquele que estamos a passar. Cada dia que passa, avolumam-se as evidências de uma situação económico-social muito preocupante. Os dados publicitados pela comunicação social reforçam no dia-a-dia o pendente negativo da crise. Doentes que deixam de tomar os medicamentos, entrando em descompensação, é uma realidade documentada pela redução da venda dos fármacos nos últimos tempos, outros entram num sofrimento psíquico atroz para os quais os antidepressivos, os tremoços da sociedade portuguesa, já não conseguem controlar os problemas. É de esperar um agravamento de muitas patologias em todas as áreas. Uma sociedade doente é menos produtiva, mais pobre e mais triste. Depois, somos confrontados diariamente com vários casos que nos fazem meditar. Ainda hoje uma aluna de mestrado procurou-me por causa do seu trabalho. Reparei que não estava muito feliz e perguntei-lhe se havia algum problema. Foi então que me contou que um jovem amigo se tinha suicidado inesperadamente. Um choque terrível, porque não havia nada que fizesse sugerir um desfecho desta natureza. Deixei-a falar, o que não é difícil de fazer quando a dor aperta. Afinal, tudo, pelo menos aparentemente, se deveu a uma recusa de uma entidade em lhe conceder a permissão de iniciar a sua atividade, depois de terem acertado nesse sentido. Tinha tudo preparado para iniciar o seu projeto com a ajuda de várias pessoas, quando, à última hora, lhe negaram a concessão. Usou cianeto, forma pouco vulgar de suicídio. Olhei através da janela. O Sol brilhava de uma forma particularmente agradável. As pessoas deslocavam-se de um lado para o outro desconhecendo a morte de um jovem e o sofrimento de uma família e de inúmeros amigos. Não querendo ser reducionista, não pude deixar, quase que instintivamente, de me questionar: será que a crise desempenhou algum papel neste caso? Quem sabe se vivêssemos noutras circunstâncias não teria sido possível evitar a morte deste jovem de trinta e três anos. Trinta e três anos! Precisamente a idade que a minha filha mais velha vai atingir amanhã. E lá fui a ruminar até casa sem saber bem o que pensar, temeroso de medos inimagináveis, afogado numa sensação de tristeza e, ao mesmo tempo, consciente de usufruir graças que, confesso, tenho que aproveitar e saborear sempre que puder.
6 comentários:
O Roubini podia ajudar, já que defende uma mudança de paradigma.
http://ovalordasideias.blogspot.com/2009/02/roubini-o-fim-do-laissez-faire-nao-e-o.html
Lamentávelmente, o caso que o Senhor Professor hoje nos relata não é ímpar. Por muito que nos custe entender o que motiva alguem a cometer suicídio, mesmo que aparentemente as causas não possuam o peso do insuportável, a verdade é que em determinado momento específico, ocorre o colapso e toda uma estructura se desmorona. É algo, que podemos imaginar, seja de tal forma avassalador que incapacita a víctima de reagir e controlar o processo, dentro dos parâmetros que nos referenciam e enquadram normalmente, dentro daquilo que consideramos o equilíbrio psíquico.
Não penso que tenha sido a negação da concessão a responsável pelo acto do amigo da sua aluna, caro Professor, mas sim um conjunto de fragilidades que se agudizaram ou culminaram naquela roptura, naquele momento.
Contudo, o avolumar de problemas agudizados pelos efeitos que esta crise está a causar naquilo que se relaciona sobretudo com a manutenção de uma qualidade de vida que já fora atingida e que agora se degrada de uma forma incontida, poderá a meu ver potenciar aspectos depressivos e "empurrar" aqueles que por sua natureza não conseguem naturalmente adaptar-se às mudanças, encontrando a forma menos penosa de ultrapassar as dificuldades e retomar o equilíbrio, para situações próximas à daquele rapaz de trinta e três anos.
Todas estas dificuldades por que estamos a passar referidas aqui pelo caro Professor Massano Cardoso, mais esta maldita sociedade de competição “selvagem”, cada vez mais me convencem que são os principais factores responsáveis por estes casos de depressão e suicídio.
Tal como entendo na parte final deste texto, o melhor é valorizarmos o que temos, seja ele pouco ou muito, não nos deixando sucumbir perante aquilo que não nos ajude a aumentar a auto-estima.
Caro Professor Massano Cardoso
Vivemos tempos muito difíceis que muito bem descreve no seu texto.
Estão a ocorrer fenómenos sociais e económicos muitíssimo graves na vida das pessoas. A impossibilidade de as famílias assegurarem compromissos financeiros naquilo que são necessidades normais com recurso a soluções que nada têm de supérfluo é, com toda a certeza, motivo de grande angústia, tristeza, preocupação e desespero. Sentimentos que introduzem graves desequilíbrios emocionais com perturbações ao nível dos afectos, que afectam negativamente o bem-estar psíquico sem o qual também é difícil ultrapassar as dificuldades.
Deixar de comer ou deixar de cuidar da saúde, cortar na educação dos filhos porque pura e simplesmente não há dinheiro são acontecimentos muito dolorosos para as pessoas. Estamos a falar de privações, isto é, as pessoas não têm como satifazazer por elas próprias necessidades básicas/normais.
Temos estruturalmente níveis de privação e de pobreza muito elevados que não fomos capazes de corrigir. Em tempos de crise estes níveis tendem a agravar-se, ficando a questão de saber o que é que estamos a fazer e o que é que podemos e devemos vamos fazer para impedir que tal aconteça.
De triste a revoltante não vai muita diferença.
Negar o óbvio e o essencial foi o que nos levou à crise.
Já 2-3 posts acima, neste blog, nega-se o óbvio com farfalha.
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