Mário Vargas Llosa escreveu um artigo fascinante no El País sob o título “Farsa elogiosa repugnante”. Nele denuncia as tentativas de se fazerem emboscadas aos mortos por parte dos políticos desejosos de tirarem proveito da vida dos outros, sobretudo quando os outros são “Jorge Luís Borges”.
A presidente da Argentina, o seu marido e os deputados que a sustentam pretendem retirar do eterno descanso, em Genebra, um dos maiores vultos da literatura mundial. Levá-lo para a pátria! O poeta procurou aquele lugar, onde tinha vivido na sua juventude, para passar os seus últimos anos, e aí ser sepultado. Tinha as suas razões. E que razões!
A proposta para o levar para a Argentina parece ter sido interrompida. No entanto nada impede que, no futuro, voltem à carga, violando a vontade soberana do escritor, argentino de nascença, descendente de portugueses, e, acima de tudo, um verdadeiro cidadão do mundo. Vargas aponta para uma interessante solução; “mais valia incinerar os seus ossos e espalhar as cinzas pelo mar ou pelas florestas. É mil vezes preferível alimentar os peixes ou os pássaros do que os inescrupulosos canibais que engordam com os despojos dos bons escritores”.
Esta análise obriga-nos a refletir sobre os comportamentos tidos e havidos com muitas individualidades, cujo reconhecimento post mortem não se coaduna com a falta de atenção e de respeito que em vida eram mais do que merecedores.
Jorge Luís Borges está sepultado numa linda praça que não tem qualquer parecença com um cemitério. Deve ser fonte de romaria, e muitos deverão colocar na tumba flores, rosas, muitas rosas. Estou certo que sim.
Quando alguém escolhe ser sepultado fora da sua pátria é por, parafraseando Javier Marías, “quererem morrer mais definitivamente”. Este autor, num seu escrito; “Veneza, um interior”, descreve a vida da cidade e as suas características únicas. Quando fala de uma das ilhas, a de São Michele, que não é mais do que o cemitério, chama a atenção para o túmulo de Ezra Pound. “Um túmulo verde só com o seu nome, perdido no meio do recinto evangélico que ninguém visita, o mais descuidado, com pedaços torcidos de cruzes caídas que se cravaram sobre as próprias lápides. Ninguém encontra o túmulo de Pound entre o matagal”. “Esses mortos são visitados no Verão por lagartixas, mais ninguém. Os estrangeiros morrem aqui mais definitivamente. Talvez por isso eles vêm, tanto, tentar a sorte”.
O túmulo de Pound é visitado por lagartixas no Verão, quando ele, num poema, “E assim em Nínive”, escreve o seguinte: "Sim! Sou um poeta e sobre minha tumba, Donzelas hão de espalhar pétalas de rosas, E os homens, mirto, antes que a noite, Degole o dia com a espada escura...
Mas eu sou poeta e sobre a minha tumba, Todos os homens hão de espalhar pétalas de rosa, Antes que a noite mate a luz, Com sua espada azul”.
Se Pound soubesse que não tem pétalas de rosa na sua tumba, mas apenas lagartixas, estou convicto de que preferiria que as suas cinzas tivessem sido transformadas em rosas vivas.
Uns são vítimas de verdadeiras emboscadas, outros são puramente esquecidos.
As cinzas dos mortos dão vida às flores mas a morte das flores não dão vida aos mortos...
A presidente da Argentina, o seu marido e os deputados que a sustentam pretendem retirar do eterno descanso, em Genebra, um dos maiores vultos da literatura mundial. Levá-lo para a pátria! O poeta procurou aquele lugar, onde tinha vivido na sua juventude, para passar os seus últimos anos, e aí ser sepultado. Tinha as suas razões. E que razões!
A proposta para o levar para a Argentina parece ter sido interrompida. No entanto nada impede que, no futuro, voltem à carga, violando a vontade soberana do escritor, argentino de nascença, descendente de portugueses, e, acima de tudo, um verdadeiro cidadão do mundo. Vargas aponta para uma interessante solução; “mais valia incinerar os seus ossos e espalhar as cinzas pelo mar ou pelas florestas. É mil vezes preferível alimentar os peixes ou os pássaros do que os inescrupulosos canibais que engordam com os despojos dos bons escritores”.
Esta análise obriga-nos a refletir sobre os comportamentos tidos e havidos com muitas individualidades, cujo reconhecimento post mortem não se coaduna com a falta de atenção e de respeito que em vida eram mais do que merecedores.
Jorge Luís Borges está sepultado numa linda praça que não tem qualquer parecença com um cemitério. Deve ser fonte de romaria, e muitos deverão colocar na tumba flores, rosas, muitas rosas. Estou certo que sim.
Quando alguém escolhe ser sepultado fora da sua pátria é por, parafraseando Javier Marías, “quererem morrer mais definitivamente”. Este autor, num seu escrito; “Veneza, um interior”, descreve a vida da cidade e as suas características únicas. Quando fala de uma das ilhas, a de São Michele, que não é mais do que o cemitério, chama a atenção para o túmulo de Ezra Pound. “Um túmulo verde só com o seu nome, perdido no meio do recinto evangélico que ninguém visita, o mais descuidado, com pedaços torcidos de cruzes caídas que se cravaram sobre as próprias lápides. Ninguém encontra o túmulo de Pound entre o matagal”. “Esses mortos são visitados no Verão por lagartixas, mais ninguém. Os estrangeiros morrem aqui mais definitivamente. Talvez por isso eles vêm, tanto, tentar a sorte”.
O túmulo de Pound é visitado por lagartixas no Verão, quando ele, num poema, “E assim em Nínive”, escreve o seguinte: "Sim! Sou um poeta e sobre minha tumba, Donzelas hão de espalhar pétalas de rosas, E os homens, mirto, antes que a noite, Degole o dia com a espada escura...
Mas eu sou poeta e sobre a minha tumba, Todos os homens hão de espalhar pétalas de rosa, Antes que a noite mate a luz, Com sua espada azul”.
Se Pound soubesse que não tem pétalas de rosa na sua tumba, mas apenas lagartixas, estou convicto de que preferiria que as suas cinzas tivessem sido transformadas em rosas vivas.
Uns são vítimas de verdadeiras emboscadas, outros são puramente esquecidos.
As cinzas dos mortos dão vida às flores mas a morte das flores não dão vida aos mortos...
1 comentário:
Também li o artigo, um verdadeiro grito de revolta pela tentative desastrada de se criar um momento de espectáculo da classe dirigente argentina no cenário do que Vargas classifica como "o pretensioso cemitério da Recoleta". Esse cemitério é uma impressionante concentração de monumentos funerários que competem em ostentação, tentando projectar além da morte a fortuna e o status dos que em vida foram a classe dominante. Segundo dizem os argentinos,para ficar na Recoleta é preciso continuar a ser tão rico depois de morto como se foi em vida...
Segundo a notícia, foi a viúva de Borges que se opôs à iniciativa por respeito à vontede dele de ficar sepultado na Suiça.
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