Li hoje a reação de Garzón a propósito da sua condenação.
Garzón é um cavaleiro que luta por princípios nobres através da justiça, mas esta só é justa até um certo ponto. Há um limite para a justiça nobre. A justiça perde a nobreza a partir de um determinado momento. A falta de nobreza da sociedade humana, digam o que disserem, façam o que quiserem, mandou, manda e mandará neste planeta. Sendo assim, nas esferas mais elevadas, a justiça ajusta-se à verdadeira natureza da sociedade. Não presta. O único aspeto positivo do comportamento dos Garzóns é criar a ilusão de que tudo isto um dia mudará. Uma simples ilusão, nada mais, mas que, mesmo assim, nos ajuda a "passar o tempo" de uma curta existência. Viver é apenas um passatempo, muitas vezes doloroso, entremeado de algumas agradáveis ilusões.
24 comentários:
Caro Professor, Baltazar Garzón foi vítima da sua própria vaidade. Foi realmente o juiz estrela do Reino, alcançou metas que nenhum outro tinha alcançado. O problema foi quando achou que pelos seus méritos anteriores estava acima da lei e podia fazer o que quisesse. Há 3 processos a correr contra ele. O primeiro - uso de escutas de conversas entre acusados e os seus advogados, algo ilegalissimo - teve a leitura da sentença esta semana que ora termina. Sentença essa que contou con unanimidade entre os sete juizes chamados a julgar a causa, algo não muito frequente. Faltam agora os restantes dois processos, um deles por motivo semelhante: ter feito tábua rasa da lei, ter-se julgado a si mesmo acima das leis do Reino.
Os méritos anteriores de Garzón levam a que se deva fechar os olhos a tudo o que faça? Não, claro que não. A ter alguma atenção especial para com ele na punição aplicada, sim. Que se feche os olhos a actos tão graves, não.
Baltazar Garzón julgou-se acima da lei. Violou a lei. Um juíz que viola a lei de forma tão grosseira não pode continuar a aplicar a lei. Ponto final.
Pinho Cardão. Ponto final, não!
Leia "Justicia a cualquier precio
¿Esa misma decisión tomada por otro juez que no fuera Baltasar Garzón hubiera merecido valoración tan severa?" no El País. http://elpais.com/elpais/2012/02/10/opinion/1328896190_382265.html
O povo sente-se desprotegido quando os seus, poucos, "campeões" são punidos desta maneira.
Quando uma sociedade se desestrutura que valor e importância terá a lei? Escrevi em minúscula porque nesse contexto não terá direito a ser escrita com maiúscula. Mesmo que tenha "desrespeitado" a Lei, a forma como foi condenado é paradigmático de coisas que não me cheiram. bem. Há quem se sinta aliviado e satisfeito para prosseguir na sua senda...
" Ponto final."
Com toda a amizade, António, também te digo que não gostei do teu ponto final.
Eu não conheço a "saga Garzón"
a ponto de poder julgar o julgamento que o expulsou da carreira de juiz.
Talvez tu possas elucidar-me em que ponto é que Garzón desrespeitou a lei a ponto de merecer a expulsão.
Garzón, tanto quanto julgo saber, é um homem que deve conhecer as leis do seu país (e não só) como poucos. Será assim tão tonto que se tenha deixado cair numa tentação primária?
Caro António, a Justiça (e muito particularmente em Portugal) tem dado provas sobejas da mais gritante falta dela. Não precisas de exemplos, pois não?
O texto do Prof. Massano Cardoso vai muito para além da apreciação do caso Garzón. É uma reflexão certeira, uma síntese dos nossos descontentamentos e das ilusões com que atravessamos o tempo.
É um texto feliz de conteúdo amargurado.
Não seria capaz de lhe acrescentar mais nada.
Caros Professor e Rui Fonseca, o que vou dizer aqui já o disse em Espanha, num grupo de amigos.
Àqueles que tanto defendem o juiz Baltasar Garzón apenas posso desejar que algum dia em que tenham problemas com a lei sejam julgados com as regras que o juiz Garzón usou no caso Gurtel (ou seja, arbitrariamente, de acordo com as suas convicções pessoais e sem sentir-se limitado pela letra da lei) e na investigação dos crimes do Franquismo (neste caso, mais do que ignorar a lei fez tábua rasa dum dos pilares da transição democrática neste país e ainda hoje importante para a convivencia pacífica entre as duas Espanhas). Se um dia forem julgados desta forma talvez não defendam quem vos julgar.
É muito certo que Garzón é um ídolo para muita gente pelo que fez ao longo de muitos anos. Mas (e por maioria de razão até) isso não lhe dá o direito de proceder a escutas ilegais coartando o direito de defesa seja de quem for (dá-se o caso de que alguns dos acusados que ele mandou escutar ilegalmente foram absolvidos quando julgados) ou de fazer tábua rasa duma das leis fundamentais do Reino. O caso pelo qual acaba de ser condenado é o das escutas ilegais. O da investigação dos crimes do Franquismo já está pronto para sentença que será conhecida nos próximos dias.
Caro Professor, diz no seu comentário que o povo se sente desprotegido quando os seus campões são punidos desta maneira. E eu pergunto-lhe: o que vale mais? A lei ou os sentimentos do povo? Pois eu tenho para mim que prevalece sempre a lei. Porque a lei perdura no tempo, dá garantias e certezas, permite a convivencia entre todos. Os sentimentos são volateis e andam ao sabor da moda, são incertos, mudam, em suma, são a expressão da justiça popular, arbitrária, casuistica.
Caro Rui Fonseca, pergunta se Garzón será tão tonto para se deixar cair numa tentação primária. Não, não é tonto. Mas é algo pior. Vaidoso. Muito vaidoso. E sempre foi, aliás. Simplesmente esse pecadilho era-lhe perdoado por ser a estrela que era. Agora, ao prevaricar de forma tão grosseira não pode esperar compreensão seja de quem for.
Caro Professor:
Garzón cometeu a ilegalidade de ordenar escutas de conversas entre os acusados e os seus advogados, procedimento não coberto pela lei, pela doutrina e pela jurisprudência. A lei faz-se para evitar procedimentos arbitrários; um juíz deve ser o primeiro a conformar-se com a lei.
Garzón adaptou o princípio de que "la loi c`est moi". Não o pode fazer. Ponto final.
Caro Rui Fonseca:
Dizes que "o texto do Prof. Massano Cardoso vai muito para além da apreciação do caso Garzón. É uma reflexão certeira, uma síntese dos nossos descontentamentos e das ilusões com que atravessamos o tempo.
É um texto feliz de conteúdo amargurado".
Nada a objectar.
Mas eu apenas me referi à sua condenação por desrespeitar a lei.
Zuricher.
Independentemente das suas considerações, que muito respeito, permita-me que lhe diga quanto à volatilidade dos sentimentos. Ver a injustiça à nossa volta a ser usufruída por aqueles que sabem como fazer tábua rasa dos princípios que deviam presidir à sociedade é sinónimo de volatilidade? Não, não me parece, compreendo e respeito o objetivo e alcance da Lei, mas quando esta não respeita os sentimentos mais nobres dos seres humanos, então, infelizmente, só resta, mais tarde ou mais cedo, fazer aquilo que já estamos farto de ver, atos violentos e revolucionários que abram a porta da esperança de uma verdadeira justiça, ou pelo menos que dê a ilusão da mesma, porque viver de ilusões ajuda a mitigar algum sofrimento.
Lei não é sinónimo de justiça, mas apenas uma tentativa de a alcançar, nada mais do que isso.
Caro professor, a volatilidade a que me refiro não é essa que aponta. A volatilidade dos sentimentos é a de pretender julgar seja o que for e seja quem for não de acordo com os méritos dos actos praticados mas sim com base na simpatia que quem praticou desperta nos demais. Tradicionalmente a justiça Espanhola é muito dura com os juízes que prevaricam. Haverá uns 3-4 anos houve em Murcia um outro juiz que optou por tomar não a justiça mas sim a lei nas suas mãos e obstaculizar a adopção legal duma criança pela companheira de sua mãe. Ou seja, a este juiz não lhe agradava a adopção por um casal lésbico mesmo sendo um dos elementos do casal a mãe biológica da criança pelo que, e contrariamente ao que a lei dispõe, obstaculizou esta adopção. Optou por fazer tábua rasa da lei e da sua letra decidindo não de acordo com o que está escrito mas sim de acordo com as suas convicções pessoais. Resultado? Perda de profissão de juiz e dez anos de inabilitação, além duma indemnização a pagar ao casal que prejudicou. E, note-se, era algo com muito menor alcance social. O que sente quando a este caso? Pois bem, não é muito diferente do que fez Garzón. Tal como Garzón, optou por actuar não de acordo com a lei mas sim de acordo com as suas convicções.
Onde ficamos agora? O tal de Murcia foi bem condenado e Garzón mal condenado? Porquê? Por um ser o juiz Carretila ou Cartila ou lá como se chama o homem e o outro ser Baltasar Garzón? Mas aí estamos então a defender a justiça à vontade do freguês. Ou melhor, não estamos sequer a defender justiça nenhuma mas tão somente a arbitrariedade.
Lá por ser quem é deveremos permitir tudo a Baltasar Garzón? Lá por ter tido os grandes sucessos que teve devemos permitir-lhe o estatuto de intocavel? Lá por ser heroi popular devemos deixa-lo fazer o que quer? Mesmo quando põe em causa direitos básicos constitucionais e mesmo a paz social? Mesmo quando reaviva fantasmas há muito adormecidos em nome dum desejo pessoal de protagonismo e vingança? Não me parece. Ter em atenção o seu passado na medida da pena a aplicar parece-me elementar. Mas permitir-lhe tudo e mais alguma coisa não. Eu, por mim, prefiro ser julgado de acordo com a lei e não ter, de origem, um juiz que ache que eu sou culpado ou inocente apenas porque sim.
Entendo o que diz que muitas vezes Lei e justiça não serem sinónimos embora, se reparar, essa confusão ocorre na esmagadora maioria dos casos quando se mistura emoção e razão. Quando se atenta em casos particulares e não na aplicação geral que a lei pretende. Desde onde vejo a questão o problema é precisamente esse: olhar aos casos particulares, olhar para a árvore esquecendo a floresta. E, ainda assim, mesmo nos casos em que existe uma lei injusta, prefiro a existencia duma lei injusta do que a arbitrariedade de cada um. Uma lei injusta pode mudar-se.
A condenação do juiz Garzón é, mais do que nada, um exemplo da rectidão da justiça Espanhola e da sua rectidão ao aplicar a lei sem importar a quem. Não é por acaso que a justiça Espanhola é uma das instituições mais respeitadas e valorizadas pela cidadania.
Uma ultima reflexão. Alude o caro Professor a uma sociedade desestruturada. Note, por favor, que essa é a realidade em Portugal. Efectivamente tenho vindo a sentir que Portugal está doente, muito mais que do ponto de vista económico, do ponto de vista social e mesmo enquanto sociedade. Em Espanha as coisas estão muito diferentes, muito mais pacíficas, pese embora as tentativas do anterior governo para criar clivagens e problemas onde eles não existiam. Aliás, nesta história de Garzón tenho reparado que as reacções do exterior têm sido muito mais fortes do que as reacções existentes no Reino quanto ao assunto. Quando sair a sentença seguinte não sei se poderei dizer o mesmo mas em relação a esta sim, tenho-o notado.
Pois. Talvez o defeito seja meu. Eu vejo os problemas dentro e a partir da sociedade em que vivo. Logo, poderei estar enviesado, mas, mesmo assim, tenho algumas dúvidas. Ainda bem que a justiça espanhola funcione com retidão e seja respeitada, independentemente dos comentários que tenha feito ao caso Garzón, talvez, porque no fundo pretenda que as coisas melhorem neste Portugal. Pode ser que seja uma projeção da necessidade protoganizada por Garzón em Espanha para Portugal.
Em essência comungo das suas análises, mas o caso Garzón não se limita só a ter ou não cumprido a Lei, mas a todos os outros aspetos que o levaram a fazer o que fez, mesmo que seja um vaidoso.
Longa e saudável vida para a Justiça espanhola e que surjam novos "Garzóns", se não em Espanha, pelo menos em Portugal. Bem precisamos.
Caro António,
Persistes nos pontos finais como se a justiça sdeja algo que se possa conter num vaso de chumbo.
Não é.
Garzón tem uma carreira na judicatura notável a todos os títulos. Dir-se-á: As acções passadas, por mais brilhantes que sejam, não servem de atenuantes às acções ilegais posteriores.
Desde logo aqui coloco um reparo:
E por que não? Se, aceitando a acusação que lhe fazem e tu me informas, sempre as circunstâncias atenuantes contaram em julgamento como é que foram simplemente varridas neste caso?
Eu nunca me confrontei com a Justiça, e conto nunca me confrontar pela simples razão de que não confio nela. E nunca porque receie que ela saiba mais a meu respeito do que deve saber para eventualmente me julgar.
Só mais um ponto (não final, evidentemente): Leio o que me informas e pergunto-me: Se a um juiz chega o registo de uma escuta feita a uma conversa entre um advogado e o seu cliente a quem este informa ter sido autor material de um atentado que provocou milhares de vítimas, deve o juiz considerar ilegal a escuta e mandar destruir a prova?
Se me responderes, sim, se procedeu contra a lei, tenho outra pergunta: Que lei? Só há uma? Onde?
"Se a um juiz chega o registo de uma escuta feita a uma conversa entre um advogado e o seu cliente a quem este informa ter sido autor material de um atentado que provocou milhares de vítimas, deve o juiz considerar ilegal a escuta e mandar destruir a prova?"
Para memória futura.
Caro Rui:
Podes ter razão em muito do que dizes. Mas não podes deixar de me dar razão quando digo que um juíz não se pode sobrepôr à letra e ao espírito da lei, à doutrina e à jurisprudência. O juíz não é a lei. Nem faz a lei. Aplica-a. Se o fizer bem, faz tudo.
Há dias alguém (creio que foi o Bastonário da OA, mas não tenho a certeza), dizia que os juízes que se sentem tentados pela política devem despir a toga e fazer política, não podem é fazer política a coberto da toga. Os juízes devem ser reservados, a sua missão não é protagonizar mas ouvir, ponderar e aplicar a lei, fazendo a justiça que, em seu critério e de acordo com o que a lei permite, considera que responde ao que a sociedade espera e confia. Talvez Garzon tenha sempre agido de acordo com uma convição de que lhe cabia mudar o mundo, corrigi-lo dos seus defeitos, e considerou também que isso lhe permitia ir além do que a lei lhe permitia fazer. Errou, por vaidade, como diz zuricher, é o mais provável. Por mim, receio os juízes justiceiros, como receio todos os que se consideram iluminados o suficiente para fazer justiça por mãos próprias. Não cabe aos juízes fazer a lei, cabe aos cidadãos escolherem os políticos capazes de fazer as leis que são precisas e fazê-las bem, de modo a poderem ser aplicadas e alcançarem a justiça. Garzón era um bom juíz, mas convenceu-se de que podia também fazer as suas próprias leis. Foi pena, perdeu-se um bom juíz, mas não creio que daqui decorra que os que querem e são bons juízes se devam sentir desiludidos ou intimidados, um bom juíz saberá muito bem distinguir o que deu fama a Garzón e o que o perdeu.
Muito bem, cara Suzana!
Eu compreendo tudo o que dizem e o que querem transmitir.
Não pretendo que um juiz faça as suas leis. Eu só queria que os juízes que andam por aí e por Espanha também fossem capazes de dar tranquilidade e confiança aos cidadãos. Por cá não dão. Cumprem a lei? Claro que cumprem. É isso que pretendem? Que cumprem a lei? Da maneira como conhecemos? Da maneira como é feita? Ficam todos satisfeitos? Eu não fico, porque de um momento para outro vão surgir oportunidades para se porem de lado as leis e "criar" outras feitas à maneira. E que maneira. Garzón personifica, e bem, seja vaidoso ou não, arrogante ou não, uma vontade genuína de por na ordem muito sacana que anda por aí e que é capaz de tudo e mais qualquer coisa.
Perdeu-se um bom juíz? Provavelmente e os patifes da pesada agradecem, e muito, e vão continuar a agradecer, até que um dia a Lei acabe por colocada numa gaveta, enterrada ou queimada. É uma questão de tempo e se olharmos à volta podemos ver muitos sinais de impaciência, de turbulência e sei lá o que mais.
Um Garzón com "falhas" é muito melhor do que muitos bons "funcionários" da justiça.
As leis não prestam? Então o melhor é fazer novas. Um raciocínio básico, mas da forma com sabemos como são feitas...
Volto de novo, António, só para brevemente reflectir acerca destas tuas afirmações: "O juíz não é a lei. Nem faz a lei. Aplica-a. Se o fizer bem, faz tudo."
Se o fizer bem, dizes tu. Mas aí é que está o busílis da questão. Um julgamento em tribunal não é uma avaliação inequivocamente objectiva.
Garzón foi acusado e condenado por ter usado meios ilegais de prova, se bem percebi.
Coloquei-te anteriormente a questão, mas fiquei sem resposta, acerca da utilização dessas provas a favor de uma causa maior.
O problema não é novo e tem dado muito que falar aqui em Portugal a propósito, por exemplo, e é um entre muitos outros exemplos, das escutas que envolviam o registo de conversas com José Sócrates, no âmbito do processo "Face Oculta".
Ou terá sido do "Freeport"? Ou da "Operação Furacão"? Ou do "Portucale"? Ou do "BPN"?
São tantos que estou baralhado.
Tanto quanto julgo saber os que escutaram e os que usaram as escutas não foram condenados, o presidente do Supremo entendeu que deveriam ser destruídas, o Procurador-Geral da República já não sei às quantas ficou.
E o povo?, aquele em nome do qual deveriam os senhores juízes praticar a justiça, o que pensa destes?
Pensa que são os piores entre as profissões liberais, segundo as sondagens frequentemente repetidas.
Caro Rui Fonseca, permita-me uma correcção a algo que escreveu e que me parece importante para esta questão.
Escreve:
"Garzón foi acusado e condenado por ter usado meios ilegais de prova, se bem percebi."
Vai mais além do que isso. Garzón ordenou escutas ilegais de conversas constitucionalmente protegidas entre acusados e os seus defensores. Não usou algo que por casualidade lhe foi parar às mãos. Ordenou que fossem feitas essas escutas e é precisamente aqui que entra a questão da prevaricação pela qual foi condenado.
Obrigado Zuricher pelo seu esclarecimento.
Mas continuo com dúvidas: Se um meio ilegal for usado para proteger um mal maior (a frustração de um acto terrorista, por exemplo)subsiste o mesmo grau de ilegalidade?
Repare: O Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça afirmou recentemente (ainda que não em sede própria) que os cortes de 2 meses de vencimentos e pensões a alguns portugueses é ilegal.
Há professores constitucionalistas
que são da esma opinião.
O PR decidiu promulgar depois de discordar em público.
Invoca-se que em tempo de guerra não se limpam as Constituições.
Acerca de Constituição, caro Zuricher, e muito sobretudo acerca da Constituição portuguesa, a discussão possível escorrega sempre no terreno escorregadio
da pluralidade dos interesses em jogo.
E, desde logo, há quem tenha e quem não tenha recursos opara ir a jogo.
A Garzón, por agora, escassearam os recursos.
Caro Rui Fonseca, salvo melhor opinião, penso que na própria lei Portuguesa está consagrada a possibilidade do uso dum meio ilegal para proteger um bem de valor superior. Daqui que a questão que aponta não se coloca dado ter sido prevista em devido tempo pelo legislador. Todavia não é disso que se trata. Com o que fez, Garzón não visou impedir a consumação de acto nenhum. O que quer que tivesse sido feito já o tinha sido. Ainda por cima não são escutas entre um acusado e outra pessoa qualquer mas sim entre acusados e os seus advogados que serviram para a acusação preparar o seu caso. Dá-se o caso de que dois daqueles cujas conversas foram escutas por orden de Garzón foram integralmente absolvidos em julgamento.
Como disse anteriormente, os juizes Espanhóis têem tradicionalmente mão muito pesada para com os seus pares. A punição aplicada a Garzón não se destaca da aplicada a outros juizes que identicamente tenham prevaricado.
Zuricher,
Quando comentei a reflexão do prof Massano Cardoso fui sobretudo motivado pela sua profundidade que vai para além do caso Garzón. Mas depois também acicatado pelo "ponto final" do meu muito estimado Amigo António Pinho Cardão.
Eu não tenho conhecimentos bastantes do processo Garzón para argumentar de outro modo que não seja ler e discorrer sobre o que vem nos media.
Leio no "Expresso" (que não considero suspeito, a este respeito) que "o Supremo Tribunal espanhol suspendeu o juiz por 11 anos () o que motivou várias manifestações em Madrid, frisando o paradoxo de se condenar o homem que desmantelou a rede "Gurtel" ( o maior episódio de corrupção política em Espanha que afecta directamente o Partido Popular no poder)dando satifação aos corruptos.
Afirma Zuricher que os juízes espanhóis têm mão muito pesada
para com os seus pares. Não contesto porque não sei.
O que sei é que há, lá como cá, corrupção em escala que nos devia envergonhar a todos os que querem viver numa sociedade de direito.
Acontece, Zuricher, que, lá como cá, as pessoas não acreditam na justiça, cuja mão pesada não pesa sobre os maiores prevaricadores.
Você, Zuricher, pode persistir na defesa de um estado de direito e estaremos do mesmo lado; a diferença entre nós não está aí.
A diferença está na percepção da exibição quase diária do arremedo de justiça que o Zuricher não quer ver.
E, no entanto, os exemplos caem-nos quase diariamente em cima.
Não tem dado por eles?
Perdoem-me meter o bedelho em tão interessante debate, mas não resisto.
Compreendo bem os sentimentos que provoca a condenação de alguém que se fez notado como campeão das liberdades e perseguidor implacável da injustiça, mesmo daquela que quase se perdeu na memória coletiva. Tenho a minha opinião sobre os magistrados que atuam como o juiz Garzón tem atuado ao longo do tempo, em defesa de valores que julgo universais. Essa, porém, é outra conversa que não deve ser convocada quando se pondera a decisão de que foi alvo.
Segundo o que li, o juiz Garzón foi levado a julgamento porque terá ordenado a interceção de comunicações entre suspeitos de crimes de corrupção e os seus advogados. Tal facto foi provado em Tribunal. Não li uma linha que fosse protestando por não ter sido dada ao juiz Garzón a garantia de demonstrar o contrário. Isto é, que não mandou escutar quem sabia que não poderia ser escutado porque confiava na proteção da lei (constitucional, neste caso). Nada aponta, pois, para um cenário em que não foram dadas ao juiz Garzón as mesmas garantias de defesa que o próprio Grazón deveria assegurar se fosse ele a julgar e quisesse cumprir a lei.
Também não me apercebi de qualquer clamor público pelo facto de o julgamento a que Garzón foi submetido ter sido manipulado em relação à prova produzida ou viciado por qualquer outro fator, decorrendo sobre o império de principios e normas processuais e substantivas próprias de um Estado de Direito que Espanha é.
Sendo assim não posso deixar de escrever isto: usar o poder de mandar intercetar conversas entre arguidos e seus advogados é uma falta gravíssima, qualquer que seja o crime que esteja em investigação. Agravada, como sempre é, pela qualidade de quem a cometeu - um juiz, que tem a obrigação como nenhum outro cidadão de conhecer os limites que a lei lhe traça. A mesma lei que o juiz invoca quando ele próprio assume a sua condição de juiz das liberdades e em nome dela investiga, arquiva, condena ou absolve os seus semelhantes.
Vejo por alguns dos comentários que há quem tenda a considerar válido o comportamento faltoso de um juiz quando o crime que investiga é supostamente de maior gravidade do que a falta que ele próprio, juiz, comete ao violentar (não só violar) uma garantia basilar do Estado de Direito.
Perigoso entendimento este pois, na prática, equivale dar ao juiz o poder que nem o legislador tem: o de criar a lei para o caso concreto, segundo o seu livre arbítrio.
Há pouco tempo gerou-se em Portugal uma corrente na opinião publicada (e não só) legitimando idêntico procedimento de magistrados portugueses a propósito da investigação de um processo agora na fase de julgamento. Não levo as mãos à cabeça por serem muitos os que vejo assim pensar. Reconheço que os tempos não favorecem que se olhe para além dos casos individuais, relatados pelos media no mesmo registo das telenovelas. Mas entristece-me perceber que esta visão está a fazer o seu caminho, preferindo-se o justicialismo coevo do populismo reinante, à Justiça que, para o ser, se tem de nortear por valores estáveis e indiscutíveis. Que não pode variar nos seus critérios e nos seus desígnios por que o juiz se chama Garzón ou o suspeito Sócrates ou Aristóteles.
Desejo que quem pensa assim, decerto animado pelos mais nobres sentimentos e perceções, jamais sinta na pele as consequências trágicas de prevalecer esse entendimento no dia em que for objeto de torpe suspeita e investigado por ela!
Chocam-me os horríveis crimes do franquismo. Tal como me chocam as matanças determinadas pela república. Enoja-me a maldade que povoa a mente de homens como Pinochet que Garzón quis perseguir em nome da ideia de Justiça. Mas ai de nós quando na constituição não escrita das convicções coletivas passar a vigorar a ideia de que a justiça não tem de ter na lei - na sua letra e na sua razão de ser - um mínimo de tradução. Quando pensarmos assim, começamos por consentir tudo ao juiz; e acabamos, inexoravelmente, por admitir que todos somos juizes, tomando em nossas mãos a justiça que julgamos que deve ser feita.
Ferreira de Almeida. A sua visão está correta! O pior é o resto, que vai continuar na mesma ou ainda pior. Depreendo que dos dois "males", o que defende é o menos "mau". Assim será. Um "mal" com princípios! Não defendo o justicialismo, apesar de ter assistido a alguns casos lá para as minhas bandas. Uma sacholada e pronto, já está! E olhe que quem pegava na sachola eram homens de princípios e de honra! Uma incrogruência? Aparentemente sim. Mas à falta de melhor, se me compreende, ... Olhe que lá para o Douro, Lamego, que eu saiba, as coisas, por vezes, descambavam para o pior!
Caro Rui, antes de mais nada a notícia do Expresso. Os protestos foram tantos, tantos que eu mal dei por eles, imagine. Os protestos resumiram-se a um ajuntamento espontaneo em Sol quando se soube da sentença e posteriormente, incluindo ontem, em frente ao Supremo Tribunal de Justiça que reuniu 2000 almas. Não é importante. Depois o caso Gurtel. Os principais acusados, Francisco Camps e Ricardo Costa foram absolvidos dos crimes de que iam acusados. A salientar que o foram por um tribunal de juri e não um tribunal comum apenas com juizes! Poder-se-á dizer que a montanha pariu um rato.
Uma das lacras que o PSOE deixou a Espanha foi a tentativa de politização de tudo e mais alguma coisa incluindo da justiça. Dada a estrutura do processo Espanhol conseguiram realmente politizar o ministério público mas os tribunais nem pensar. O caso Gurtel tem sido um bom exemplo dessa tentativa de politização da justiça. Muito espavento, muito sururu mas as investigações têm dado em muito pouco.
A terminar, duas notas rápidas. A primeira para enfatizar algo que já tinha escrito antes: a realidade em Espanha é muito, muito diferente da realidade em Portugal e parece-me que o Rui tenta analisar uma realidade passada em Espanha à luz do que é a realidade geral em Portugal. A segunda; realmente vejo injustiças por aí. Mas longe, muito longe de mim, tentar responder a factos percebidos como injustiças (que não quer dizer que o sejam realmente) com injustiças maiores ou julgamentos em praça pública a toque de gritaria popular. Deus nos livre duma coisa dessas. Prefiro não viver num mundo em que, por sentir-me incomodado pelo barulho dum vizinho, em vez de chamar a polícia possa partir-lhe um vaso de plantas na cara.
Caro Ferreira de Almeida, gostei muito de ler o seu comentário!
Todas estas opiniões têm substrato. Espero que algumas delas não venham a ser postas em causa pelo andar da carruagem. O mundo dá muitas voltas e quando menos se espera podemos cair em maus braços que, se não forem amputados a tempo, estrangularão qualquer um de nós.
Por mim, continuo com a afirmação inicial, a justiça só é justa até um certo patamar, a partir daí ajusta-se e bem a interesses e a criminosos bem sucedidos. Provem-me o contrário e eu calo-me. Mas não conseguem, não é verdade? Falam e discutem como se a justiça (no seu sentido mais amplo, juízes, advogados, leis e quejandos) fosse nobre em toda a sua extensão, mas não é!
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