Leio com interesse as opiniões sobre a origem do homem e a sua eventual relação com deus. Em pequeno ouvia as explicações, mas era mais fácil acreditar nas prendas que o menino Jesus me dava no Natal do que acreditar nas histórias bíblicas da criação do mundo, ou melhor, do homem, porque o mundo fazia-me muita confusão, era grande demais para mim, já que estava acantonado a uma pequena e desconhecida vila. Cedo comecei a ouvir que os homens se maltratavam uns aos outros. Ouvia muito acerca da guerra, dos mortos, dos feridos, da miséria e da fome. Vi a agressividade expressa na violência brutal que as mulheres eram vítimas durante o silêncio da noite rasgado pelos gritos de dor. Vi a dor expressa nos rostos de pais que perdiam os seus pequeninos. Sentia-me ofendido com a explicação do padre, segundo o qual deus queria "anjinhos", "matando" bebés não batizados, alguns dos quais levei até ao cemitério, sem qualquer cerimónia religiosa. Quando queriam explicar algo mais complexo, ou transcendental, socorriam-de de soluções divinas não passíveis de serem discutidas. Ai de mim se exteriorizasse alguma das interrogações que começavam a germinar dentro da cabeça. Das poucas vezes que me atrevi a fazer perguntas inoportunas, senti, imediatamente, faíscas reprovadoras a quererem queimar-me a alma e sabe-se lá se não o corpo. Crescia e desconfiava. Cada vez mais. As explicações não eram verificáveis nem passíveis de serem contestadas. Calava-me. Era o melhor que fazia. Hoje posso falar sem medo.
Vejo, repetidamente, a tentativa de colocar deus por detrás de tudo, como se fosse possível explicar tudo o que não se compreende e o que não se sabe. Argumentos? São produzidos à exaustão através de uma dialética intencionalmente complexa, mostrando que assim se pode ir até à causa última. Não digo que me divirto, apenas me surpreende esse comportamento arrogante e típico da espécie humana que se deve julgar como tendo atingido o máximo de inteligência digna de um "deus". Os seres humanos endeusam-se a cada dia que passa e a cada dia que passa demonizam-se a ponto de fazer corar de vergonha o diabo e companhia. No tocante à evolução fazem tudo para colocar deus na sua génese, misturando religião, fé e ciência, uma estranha emulsão que querem fazer crer que é a "solução". Agora já não contestam, já viram que não conseguem. O inexplicável passa muitas vezes para o campo da fé. Um bom refúgio, que permite tranquilizar e morfinar os sentidos da alma. No fundo, até são capazes de terem alguma sorte, não em termos de razão, mas em termos de paz existencial.
Lembro-me de em pequeno, a par das minhas crescentes desconfianças das explicações que me queriam impingir, que era "obrigado" a fazer maionese. Tinha de ter muito cuidado para "ligar" as gemas de ovo, o vinagre e o azeite. Qual quê! Nunca consegui fazer uma maionese, o que me valia alguns raspanetes e críticas. Acredito piamente que os que acreditam nas explicações divinas ficam satisfeitos com as suas escolhas e visão do mundo, porque sabem fazer maioneses "interpretativas", usando como ingredientes os ovos da criação, o vinagre da imaginação e o azeite da inspiração. Eu nunca consegui fazer maionese...
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