Cada vez dou mais atenção à garotada. Gosto de os ouvir e admiro a construção dos seus pensamentos. São infantis? Sim, são, mas não deixam de ser pintados com pureza. Desprovidos de preconceitos, e ricos de fantasia, acabam por proporcionar novas visões do mundo permitindo compreender melhor os comportamentos dos mais velhos. Aprendo com eles e quero continuar a aprender.
Há dias escrevi um pequeno texto, intitulado "Imaginação", em que relatei um pequeno episódio de um coleguinha da minha neta, no qual o miúdo dizia que tinha o "mais poderoso de todos os poderes, a imaginação". Publiquei-o. A minha filha contou-lhe que tinha em casa o texto com a história para lhe dar. Ficou de boca aberta e, ansiosamente, perguntou-lhe quando é que lhe dava. Hoje deu-lhe. Ficou satisfeito e sentiu-se muito importante. Tem cinco anos e obrigou-a a que lhe contasse a história. Sentaram-se na salinha do colégio onde estavam os outros meninos. Não lhe leu o texto, contou-o para que o entendesse. Atento, de olhos esbugalhados, absorvia tudo. Afinal tudo tinha a ver com a imaginação, o seu mais "poderoso poder". - Sim, eu tenho muito poder. A certa altura, como tinha escrito que ao falar lançava perdigotos, manifestação do seu entusiasmo, perguntou: - Que é isso de perdigotos?- Perdigotos é isso que me estás a deitar na minha cara. A cuspir-me toda. Riu-se. No fim, a propósito de ter dito que a imaginação é uma forma de fugir à realidade, disse com muita ênfase: - Mas isto é a realidade! Isto é a realidade! E sabes, nós todos temos uma missão na terra, todos os dias, que é salvar o planeta. E eu tenho uma missão muito importante, um dia ainda vou cumprir uma missão, quando for mais crescido. - Claro, quando fores mais crescido. E quando fores mais crescido vais gostar mais desta história. Agora és muito pequenino. Vais guardar a história para ler mais tarde. - Ah, pois vou. Pois vou. Vou guardá-la, vou guardá-la para sempre e quando morrer vou levá-la comigo. Vai comigo. A forma excitada como o miúdo se expressava cativava num crescendo a contadora do meu texto, enquanto os coleguinhas se acotovelavam, dizendo que também tinham poderes. Demonstravam inequivocamente possuírem "poderes", poderes que gostariam de ser retratados também em textos, para mais tarde os lerem e guardá-los, como o meu amigo, que tem o "mais poderoso dos poderes", estava a fazer naquele momento, apertando com as duas mãos a fotocópia de um texto, inspirado em si, contra o peito, com medo que lhe o tirassem. Um pequeno papel que estava a atrair a atenção dos coleguinhas, desejosos de terem, também, o seu. E deveriam ter.
O miúdo que lança perdigotos ensinou-me que "nós todos temos uma missão na terra, todos os dias, que é salvar o planeta". E também tem consciência de ter "uma missão muito importante". Um dia ainda vai cumpri-la, quando for mais crescido. Tem cinco anos e pensa. Pensa e ensina. Ponho-me a pensar se não valeria a pena registar as histórias de crianças para os adultos lerem. Afinal, a garotada também sabe ensinar, e de que maneira...
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