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quarta-feira, 2 de abril de 2014

As políticas automáticas que "mecanismos" exigirão?

Vi hoje, na RTP 2, um excelente e muito impressionante documentário sobre o Banco Goldman Sachs, que nos leva aos primórdios da crise financeira exportada para a Europa e hoje transformada na crise da dívida, na crise do Estado Social e no desenho de uma nova ordem europeia. Enquanto por cá se discute acaloradamente a eficácia do detergente que há-de fazer a saída do Programa de Ajustamento mais ou menos branca, as manobras militares da NATO com a Ucrânia aparecem nas notícias e sabe-se que a Polónia e seus vizinhos querem o reforço da presença da Nato no seu território, assim como parte do processo natural de integração. Toda esta profunda evolução à nossa volta nos obriga a ler, a tentar compreender para além das deixas dos telejornais ou das opiniões de uns e de outros. Interessantíssimo é o último livro de Medeiros Ferreira, "Não Há Mapa Cor-de-Rosa. A História (Mal)Dita da Integração Europeia", um ensaio sobre o processo político e economico que esteve na origem desta União, desde as suas raízes profundas no rescaldo da 1ª Guerra e da evolução muitas vezes mitificada que nos trouxe até onde estamos. Sobre o ponto onde estamos, deparei com a entrevista que o ex-ministro Vitor Gaspar deu a Teresa de Sousa, de que destaco o seguinte diálogo:
(...) Há um pequeno ensaio de Tony Judt, escrito em 1996, no qual ele diz que “a Europa ou será alemã ou não será”. Uma ideia simples que agora começamos a pensar que faz algum sentido. Neste modelo que estamos a construir para a zona euro, parece que temos todos de ser um pouco mais alemães. Ora, a integração europeia sempre assentou no respeito pela diversidade dos seus países, obrigando ao compromisso permanente entre interesses e culturas distintas. Como se restaura esse equilíbrio? (...) 
Eu leria essa observação à luz de Friederich Hayek. Não sei se leu um artigo do Hayeke de 1939, que se chama Economic Interstate Federalism…(...)
O ponto que Hayek faz é parecido com o que está a dizer. A Europa é e deve ser muito diversa. Ele usa esse aspecto da diversidade política e cultural da Europa como um dos factos básicos do seu artigo, sendo que o outro é o seguinte: se a federação for muito integrada do ponto de vista do comércio de bens e serviços e do ponto de vista financeiro, então haverá uma série de políticas que não podem ser exercidas a nível nacional porque não seriam eficazes ou arriscariam a fragmentação do espaço interestadual da União. A conclusão que tira é que muitas das competências que são exercidas a nível nacional não serão exercidas a nível da União, não porque conceptualmente não o possam ser, mas porque a diversidade cultural e política significará que não haverá consenso para o fazer. Concluía, em 1939, que o sistema, para assegurar a coesão de um espaço interestadual, teria de ser baseado em regras e no funcionamento quase automático de políticas. Ora, esse funcionamento..
... Que é o nosso… 
É precisamente o caminho que estamos a seguir na Europa."

8 comentários:

João Pires da Cruz disse...

Mas há alguém que não queira que Portugal seja mais alemão economicamente? Há alguém que seja contra "a terra a quem a trabalha", que a sua vida não seja feita de trabalho e lazer, com tempo para as duas? Há alguém que queira ver os seus pelas ruas em troca de um estado gordo e inútil ao estilo africano?
Se há coisa para que todos lutamos é que Portugal seja mais Alemanha, sim. E, tirando o estado que ainda está agarrado às sua vertente africana, já lá estamos há algum tempo.

Bartolomeu disse...

Conta-se que o grego Arquimedes, para explicar a teoria das alavancas, terá dito: Dê-me um ponto de apoio, e moverei o mundo.
Mais fácil seria, segundo a teoria de Arquimedes, mover um simples continente, a Europa, se as "alavancas" não fossem em número superior aos países. Razão teria Saramago, ao escrever a sua "Jangada de Pedra".
Mas a Europa ainda está a tempo de ser unida? Está! Desde que o modelo inicial seja retomado, com a mesma seriedade com que foi idealizado.

JM Ferreira de Almeida disse...

Também assisti ao programa (francês) transmitido pela RTP 2 sobre o Goldman Sachs. E percebo bem que a Suzana tenha iniciado ESTE post por uma referência ao que se revelava, ou mesmo ao que se especulava, no referido programa...

Suzana Toscano disse...

Caro João pires da Cruz, não sei se há em Portugal assim tantos sonhadores com a Alemanha, mas enfim, há gostos para tudo não podemos andar todos contrariados ao mesmo tempo :)
Belo comentário, caro Bartolomeu! SE houvesse uma única alavanca teria sido fácil movimentar o mundo todo para o mesmo lado e ao mesmo tempo, não sei se o resultado teria sido bom, mas o que parece é que agora se inutilizam todas as alavancas até só sobrar aquela que alguns querer manobrar a seu favor... Nunca resultou, mas o custo da experiência foi sempre elevadíssimo para todos.
Pois é, caro Ferreira de Almeida, impossível não fazer as associaçóes.

Suzana Toscano disse...

O que parece muito curioso na entrevista é que se conclua que a impossibilidade de haver consensos pode ser substituída por "funcionamentos automáticos" ficando por explicar como é que estes se vão manter contra a vontade dos povos e a acção política que os povos exigem aos seus responsáveis, aparentemente é com leis supraestaduais "sem alternativa" e com multas aos incumpridores...

jotaC disse...

Acho que chegamos ao ponto em que o discurso retórico começa, por exigência da sociedade civil mais disponível, a dar lugar ao discurso pragmático, ele mesmo incisivo sobre questões mais profundas que, de algum modo, têm a ver com o desencanto do horizonte do nosso dia-a-dia. Porém, as certezas de uns e as dúvidas de outros deixam-me como o tolo no meio da ponte, sem saber bem para que lado cair, aquela europa aonde fizemos o check in, afinal não existe.
Das certezas de uns:-Tenho a certeza que tenho de viver com aquilo que tenho, que sou um grande mandrião, que produzo pouco, que tenho de me fazer à vida por esse mundo fora…
Das dúvidas de outros:- Tenho dúvida se é assim...
É um dilema, não é? É. E é por isto que se busca em cada história do país, o alento, a fundamentação, o fervor para apaziguar angústias. Às vezes encontramo-las recheadas de certezas, como a dizer: que seria da terra se todas as estrelas brilhassem com a mesma intensidade!?...

Suzana Toscano disse...

Caro jotac, ao contrário do que já se aventou a propósito da queda do muro de Berlim, a História não tem fim, ou seja, os problemas nunca estão todos resolvidos definitivamente pela simples razão de que a realidade nunca é igual em cada momento e ninguém, felizmente, controla todos os fatores de perturbação, para o bem e para o mal. Dilemas, sim, mas são uma constante da vida...!

jotaC disse...

Cara Dra. Suzana Toscano,
É verdade...