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sexta-feira, 4 de abril de 2014

PERIFÉRICOS deixaram de ser "PERIFÉRICOS"?

1. As obrigações do Tesouro Português, ao prazo de 10 anos, estão a transaccionar-se hoje a um preço que tem implícita uma taxa rendimento (yield) de 3,93% (já muito abaixo da famosa taxa “Machete”)...

2. Este será o nível de juro (yield) mais baixo desde Dezembro de 2009, ou seja 15 meses antes da derrocada financeira que culminou mais de 15 anos de vida fácil e indisciplinada, sobretudo no capítulo das finanças públicas, e que, como sabemos, na recta final assumiu características de autêntico delírio financeiro.

3. Ontem o Tesouro de Espanha colocou dívida no mercado a 5, 10 e 12 anos, arrecadando €5.583 milhões e obtendo taxas de juro das mais baixas de sempre:

- A 5 anos, 1,86%

- A 10 anos, 3,29%

- A 12 anos, 3,55% (mínimo histórico).

4. Há dois dias foi notícia o facto de as yields da dívida pública portuguesa se encontrarem a nível inferior ao de dívidas comparáveis de 36% dos países com ratings melhores do que o atribuído à dívida portuguesa...

5. Também há dois dias o F. Times noticiava que empresas sediadas em países da periferia do Euro estarem a conseguir emitir dívida no mercado a taxas de juro inferiores às conseguidas por empresas sediadas em alguns dos países considerados da sub-zona “core” do Euro...e Portugal seria um dos casos assinalados (recordo as condições excepcionalmente favoráveis de uma emissão de obrigações da BRISA, ao prazo de 7 anos, há cerca de 2 semanas).

6. Aqui chegados cabe perguntar: então os PERIFÉRICOS já perderam o estatuto de “PERIFÉRICOS”, agora só conservam o nome?  E passaram, como que por encanto, a merece todas as atenções e a preferência dos mercados?

7. E os mercados deixaram cair a sua perversidade, depois de, durante mais de três anos, terem sido acusados de pecaminosa cumplicidade com as políticas neo-liberais? O que terão a dizer sobre esta nova realidade os muitos e ilustres Comentadores domésticos, políticos e não-políticos, Crescimentistas na sua maioria, que acusaram os mercados de todas as malfeitorias contra os pobres países PERIFÉRICOS?

13 comentários:

opjj disse...

V.Exª. compara os juros de obrigações de Portugal e Espanha a 10 anos.
0,6% de diferença, olhado assim para este nº parece pouquinho, mas se o multiplicarmos por 130 MM transforma-se num nº gigantesco, talvez uns 780M€ juros a mais num só ano.
Será assim?
Cumprimentos

Diogo disse...

Tavares Moreira: «E os mercados deixaram cair a sua perversidade, depois de, durante mais de três anos, terem sido acusados de pecaminosa cumplicidade com as políticas neo-liberais? O que terão a dizer sobre esta nova realidade os muitos e ilustres Comentadores domésticos, políticos e não-políticos, Crescimentistas na sua maioria, que acusaram os mercados de todas as malfeitorias contra os pobres países PERIFÉRICOS?»



Eu tenho algo a dizer:

O Banco Central Europeu (BCE), segundo os próprios estatutos, está proibido de comprar dívida diretamente aos Estados mas tem toda a liberdade de financiar a banca a uma taxa de juro muito baixa (1%), não impondo quaisquer limites na utilização desse dinheiro. Este facto permite que os bancos possam obter lucros extra à custa das taxas de juro elevadas que cobram não só aos Estados, mas também às famílias e às empresas.

No entanto, o BCE pode comprar dívida soberana, ou seja, dos Estados, no chamado "mercado secundário" onde têm acesso os bancos. Portanto, está-se perante a situação caricata que permite à banca especular com a divida emitida pelos Estados, da seguinte forma:

O BCE não pode comprar directamente a dívida ao Estado português, mas já pode comprá-la aos bancos (os celebérrimos mercados) que a adquirem. E então o esquema especulativo montado pela UE e pelo BCE para enriquecer a banca à custa dos contribuintes, das famílias, e do Estado português é o seguinte: a banca empresta às famílias, às empresas e ao Estado português cobrando taxas de juro que variam entre 5% e 12%, ou mesmo mais, depois pega nessa divida, titularizando-a, e vende-a ao BCE obtendo empréstimos a uma taxa de juros de apenas 1%.

De 2008 a 2011 - EM APENAS TRÊS ANOS A DIFERENÇA DE TAXAS DE JURO DEU À BANCA PORTUGUESA UM LUCRO DE 3.828 MILHÕES DE EUROS.


Estatutos do BCE:

Capítulo IV - Funções monetárias e operações asseguradas pelo SEBC:

Artigo 21.º - Operações com entidades do sector público:

21.º 1 - De acordo com disposto no artigo 104.º do presente Tratado, é proibida a concessão de créditos sob a forma de descobertos ou sob qualquer forma, pelo BCE ou pelos bancos centrais nacionais, em benefício de instituições ou organismos da Comunidade, governos centrais, autoridades regionais, locais ou outras autoridades públicas, outros organismos do sector público ou a empresas públicas dos Estados membros; é igualmente proibida a compra directa de títulos de dívida a essas entidades, pelo BCE ou pelos bancos centrais nacionais.


***************


Alguém com dois dedos de testa pode aceitar que o BCE [Banco Central Europeu] possa emprestar dinheiro aos bancos comerciais à taxa de 1% (mas que esteja proibido de emprestar aos Estado Nacionais), e que os bancos comerciais, por sua vez, emprestem esse dinheiro aos Estado Nacionais a 5%, 6%, 7%, ... , 12%, embolsando nesse processo juros escandalosos?

Que outra justificação pode existir para o BCE oferecer tais benefícios aos bancos comerciais, senão o facto de esta «instituição europeia» estar exclusivamente ao serviço da Banca Privada? Porque é que os estatutos do BCE o proíbem de emprestar dinheiro aos Estados Nacionais? Quem terá escrito tais estatutos e com que objectivos?

Dudu disse...

São vários os prazos da dívida pública (meses, anos). Normalmente só se fala da taxa de juro a 5 e 10 anos, quando deveríamos estar a falar na média dos vários prazos, nos montantes a eles associados e, finalmente, na taxa de juro média de toda a dívida. Tenho ouvido falar da taxa de 1,8% para toda a dívida pública. Terá fundamento esta taxa?

Carlos Sério disse...

A resposta só pode ser uma.
Tudo se deve à boa governação de Portas/Passos. Por efeito de contágio do caso “maravilha português”, eis que começaram igualmente a descer os juros da dívida de Espanha, Itália, Bélgica, Grécia e Irlanda. O euro já não está ameaçado, o euro já não está em perigo.
E tudo, tudo se deve à influência positiva do governo português, o que naturalmente enche de orgulho, como se vê, os nossos sábios economistas apoiantes do governo.

Brytto disse...

Por agora a concordância dos crescementistas é com as agências de rating, por enquanto! Ambos acham que a dívida soberana é lixo.

Carlos Santos disse...

Infelizmente há comentadores que, não tendo ideia do que são, insistem nesta história dos empréstimos do BCE.
Os empréstimos do BCE são de curtíssimo prazo, a 1 dia ou 1 semana!
Aliás se este esquema que apregoam é tão simples porque tem a banca prejuízos? Porque teve o BPI de reportar perdas com a reestruturação da dívida grega?
Porque teve a banca de aceitar aumento dos rácicos feitos através de empréstimos do estado, com juros quase agiotas?
Adoro uma boa discussão, mas feita com argumentos válidos, eles estão à disposição de todos. Por favor, antes de atirar atoardas para o ar informem-se!

Carlos Sério disse...

Caro Carlos Santos, deverá informar-se melhor dado que
O BCE ofertou à banca europeia em 21 de Dezembro de 2011, 529.531 milhões de euros a 523 bancos a juros de 1% a três anos, acrescentando a 29 de Fevereiro de 2012 uma nova oferta de 489.200 milhões a 800 bancos, com iguais tão condições.

A banca nacional participou em força na inédita operação de refinanciamento a três anos, que o BCE promoveu em Dezembro, sugerem os dados divulgados ontem pelo Banco de Portugal. A exposição aos créditos de longo prazo junto da autoridade monetária subiu 15%.
O total dos empréstimos obtidos pela banca junto do BCE subiram em Dezembro para 46.002 milhões de euros, o valor mais elevado dos últimos cinco meses.
http://conteudos.sibace.pt/noticias/pdfs/201201101.pdf

Nuno Cruces disse...

E o Carlos Sério deverá ler com atenção o resto do comentário do Carlos Santos.

Se o negócio é tão fabuloso como pedir ao BCE a 1% e emprestar ao Estado a 5 e 12%, porque dá a banca prejuízo?

Porque pediu o BPI um empréstimo ao Estado de €1500M a uma taxa de juro anual efectiva de 8.75% (empréstimo pelo qual o Estado paga à troika 3.3%)?

O Carlos Sério sabe o que representam as yields? Julga mesmo que o Estado colocou recentemente dívida no mercado a 12%? Tem noção que o leilão recente com a taxa de juro mais elevada foi um leilão a 5 anos que ocorreu em Fevereiro de 2011, com uma taxa de 6.4%?

João Pires da Cruz disse...

Essa discussão da banca e do BCE é uma estupidez. Quando estávamos no escudo, o Banco de Portugal emprestava dinheiro às câmaras ou as câmaras tinham que ir ao banco? Conseguem perceber porque é que os estados não vão aos bancos centrais e os bancos centrais não podem emprestar aos estados?

Caro Tavares Moreira, precisamos de reestruturar isso tudo! É a catástrofe!

Carlos Sério disse...

Caro Nuno Cruces,
Bem, por acaso já lhe ocorreu consultar o total dos prejuízos dos bancos em crédito mal parado? O negócio da dívida pública foi excepcionalmente lucrativo para os bancos, (tal como afirma o Diogo) o que não significa que os ganhos tenham coberto os prejuízos do crédito mal parado e outros, como o pagamento dos juros e amortizações dos empréstimos à banca internacional que tinham contraído em avultados valores.
Na verdade, os Bancos e investidores que compraram títulos da dívida portuguesa tiveram uma rendibilidade excepcional: 57% no ano de 2012, a mais alta da Europa, segundo o ranking elaborado pela agência de informações económicas Bloomberg, em conjunto com a EFFAS – European Federation of Financial Analysts Societies. Em segundo lugar aparecem os títulos da dívida irlandesa, que renderam 29,3%, seguindo-se a Itália.

Carlos Sério disse...

João Pires da Cruz,
Parabéns, pela inteligente e elevada argumentação que trouxe à discussão.

João Pires da Cruz disse...

Não entendi. Quer que lhe explique ou não quer que lhe explique, atendendo que continua sem perceber?

Tavares Moreira disse...

Caro opjj,

As taxas da dívida portuguesa, que referi, são taxas obtidas no mercado secundário: o rendimento que essa dívida proporcionará a quem a adquirir à cotação vigente.
No caso da dívida espanhola, trata-se de taxas de juro médias de emissões de dívida no mercado primário.
Mas, grosso modo e feita esta clarificação, o seu raciocínio está mais ou menos correcto: se 0,6% for a diferença entre as taxas médias de juro das dívidas públicas de Portugal e Espanha, isso faz uma enorme diferença em termos de encargos anuais, atenta a elevada dimensão das dívidas em causa.
Para € 200 mil milhões de dívida, uma diferença de taxas dessa ordem implicaria um diferencial de juros anual de € 1.200 milhões...

Caros Nuno Cruces e João Pires da Cruz,

Os ilustres Comentadores não sabem apreciar a magnífica técnica que consiste em forçar a realidade a subscrever as teses que mais satisfação interior produzem, independentemente da sua vacuidade explicativa?
Trata-se de uma técnica utilizável em psicanálise, pelo potencial que tem de produzir felicidade nos seus cultores!
A realidade pouco ou nada conta para os Crescimentistas, por exemplo, nomeadamente quando ignora ou desmente os princípios da sagrada Cartilha!
Entre Cartilha e realidade, não pode haver jugar a hesitação!