Li com muita atenção a nota colocada por Vital Moreira no Causa Nossa relativamente à interpretação do Art.º 171.º da Constituição. A tese do ilustre constitucionalista admite, em situações de uma nova legislatura resultante de eleições antecipadas, 5 sessões legislativas, das quais a primeira é "autónoma" a que se seguem mais quatro.
Primeira dúvida: como é que essa tese se compadece com o estipulado no n.º 1 do referido artigo que estipula objectivamente que a "legislatura tem a duração de quatro sessões legislativas"?
Segunda dúvida: considerando a sessão terminada em 14 de Setembro último como "autónoma" porque é que aparece identificada como I (Primeira)?
Terceira dúvida: a legislatura iniciada em 5 de Abril de 2002 que se prolongou até 14 de Setembro de 2003 constitui precedente ou não. Se não, deverá ser considerada inconstitucional?
Quarta dúvida: é possível admitir que as interpretações possam ser diferentes de legislatura para legislatura, ao sabor de que critério?
Eu aceito que a interpretação de Vital Moreira, já exposta em 1985, estará "acima de toda a suspeita". Estará a posição de Jaime Gama - que era Deputado em 2002 - e do Partido Socialista - que não se opôs à interpretação contrária em 2002 - acima de qualquer suspeita?
Não, não estão! Chama-se a isto golpada a que poderemos acrescentar agora o termo "constitucional".
Esta é a primeira grande machadada no referendo sobre a IVG. Depois não se queixem que à "direita dos costumes" seja reconhecida a razão que lhe é devida.
Para mim a opção é muito simples: Referendo assim NÃO!
9 comentários:
Há em tudo isto uma sensação de leveza perante o que é realmente importante.
1. Que constituição é esta que dá para ser interpretada de forma tão diversa numa questão de datas? É que não estamos a falar de fusão nuclear fria, é simples calendário...
2. É importante salvaguardar o referendo enquanto instrumento democrático ou deitá-lo abaixo por uma questão de teimosia?
Quando olharmos para o resultado do referendo com 20 ou 25% de participação, porque esse vai ser o resultado relevante, não vai ser o sim ou o não, a quem devemos agradecer?
Caro Tonibler,
devemos todos agradecer ao PS por estar a fazer pouco da democracia, do povo, daqueles (que bem ou mal, isso agora não é relevante) fizeram o 25 de Abril, de um instrumento de decisão que deve ser um referendo nacional e por fim do sistema político em geral...
Mas também perante este circo todo quem é que se admira? Não aparece ninguém (por enquanto)"com eles" no sítio que consiga dizer BASTA...
Tocam na essência do problema, e a meu ver com muita razão, meus caros.
O que se está a fazer é a descredibilizar em absoluto o instituto do referendo. E já agora, o que talvez seja mais grave, a própria Constituição enquanto estatuto estável do poder político.
Tenho alguma esperança que sobre ao Sr. Dr. Jorge Sampaio alguma da clarividência que demonstrou ter quando recusou a convocação do referendo há uns meses, alertando justamente para o perigo que significaria a falta de correspondência popular manifesrada por nova baixa afluência às urnas.
Uma nota final para deixar bem claro, como outros aqui o fizeram, que as opiniões que aqui tenho exprimido sobre esta matéria não são influenciadas pelas minhas convições em matéria de IVG. Não tenho complexo, agora como no passado, em divulgar que concordo ocm a proposta de despenalização da IVG nos termos em que é proposta pelo PS.
O que para mim está em causa é a instrumentalização de institutos fundamentais à democracia que deveriam estar a salvo de interesses partidários conjunturais e o ocmportamento de algumas instituições cuja única atitude expectável era a da defesa intransigente da estabilidade constitucional.
Caro JM Ferreira d'Almeida,
É no multiplicar de discussões dessas, paralelas, acessórias e quantas das vezes sem interesse (não digo que não seja importante o ponto que refere, mas no meio de todos os outros irrelevantes e invariavelmente moralistas, de ambos os lados, perde objectividade) que se perde a vontade de participar.
Faço minha a sua atitude descomplexada em relação ao aborto (IVG porquê?), mas não concordo que o que esteja "em causa" seja algo para além disso. O que está em causa é o aborto. Só. E se um dia começarmos a discutir o assunto seriamente, sem falar de "assassinatos" nem de dizer com um ar orgulhasamente imbecil "eu fiz um aborto e não tenho vergonha", talvez o assunto se resolva.
Até lá, vamos à praia. Em Novembro é a data prevista? Bem, tenho que fazer as compras de Natal...
Permito-me discordar, caro Cmonteiro.
A questão do respeito pela Constituição não é neste caso, como nunca é, acessória e muito menos é irrelevante. É,antes, a questão.
E nada tem de moralista.
Pelas razões que aqui têm sido abundamentemente expressas, que só vejo razões para reiterar, referendo à golpada, não.
Seja sobre o aborto - não tenho medo nem me faz qualquer impressão a palavra, como me não incomoda que se diga IVG - seja sobre qualquer outra matéria.
Caro Ferreira D'Almeida,
Se reler a minha nota (não se diz post?) verá que eu refiro que a sua questão pode ser importante, mas perde-se. Não lhe chamei moralista e peço desculpa se assim o dei a entender.
Mas aqui entre nós dois que ninguém nos ouve: A questão só se coloca porque o meu caro não quer o referendo naquela data, não é? E porque é que não quer o referendo naquela data? Por motivos que nada têm a ver com o assunto do aborto em si, mas sim porque não deseja que o referendo seja branqueador do mau resultado prevísivel do PS nas autárquicas.
Certo?
Como lhe dizia, se as questões não constituem preocupações genuínas, confundem-se com o barulho de fundo. É o que está a acontecer. Pelo menos aos meus ouvidos...
Reli o seu comentário e percebo-o melhor. Culpa minha.
Quanto ao resto, independentemente de entender que o real motivo desta proposta de referendo após as autárquicas é exactamente o que refere, o que me choca é que se faça uma manipulação da Constituição para o efeito.
Por isso é que acho que se trata de uma golpada, que só não é mais chocante porque alguns prestigiados constitucionalistas sustentam a interpretação que até agora procedeu perante um dos decisores.
Procurando fazer-me entender melhor: caso se tratasse da renovação de uma iniciativa em termos constitucionalmente admissíveis, descontando o facto de me parecer pouco avisado para a defesa do próprio instituto do referendo, convocá-lo após um acto eleitoral e nas vésperas de um outro, não me chocaria que se discutisse um problema que existe, e que o País tem de resolver.
Mas mesmo visto na perspectiva do interesse em plebiscitar a questão do aborto, o meu Amigo julga possível fazer-se uma discussão serena e esclarecedora das questões que o tema envolve, num momento em que ainda se sentirão as consequências (quaisquer que elas forem) das autárquicas de Outubro e o País se mobiliza já para as presidenciais de Janeiro?
Penso então que me fiz entender. Respondendo à sua questão final: Claro que julgo que não é possível o debate sereno sobre o assunto. Claro que julgo que o agendamento do referendo para essa data não é inocente.
Daí o meu descontentamento com tudo isto e a paciência que eu, e julgo grande parte do eleitorado, tem para a expiral de argumentação e contra-argumentação, falaciosa e/ou moralista de ambos os lados, é cada vez menor. Aquilo a que invariavelmente assistimos não é «debate». É arremesso de argumentos.
E é no meio dessa expiral de disparates, que argumentos com seriedade como o que colocou, se perdem. O que é uma pena.
É claro que já me questionei sobre o facto de perante os atropelos que diariamente se fazem à Constituição, não ver por aí os «pais» da constituição e demais «especialistas» de dedo em riste a dizer, "isto não é constitucional!"...
Constitucinal é como o Natal. É quando um homem quiser.
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