Era muito pequeno, deveria ter sete ou oito anos, não mais, quando vi o meu primeiro filme. Foi na Figueira da Foz, num cinema mesmo ao lado de um parque de diversões que se manteve, ainda, por décadas. Andei num carrinho de choque e fiquei deslumbrado com os efeitos de uns espelhos que refletiam as nossas figuras, baixas e “gordas”, altas e “magras”, sempre acompanhadas de deformações da cara a qual ainda ficava mais afeada quando punha a língua de fora e repuxava os cantos dos lábios com os dedos. Duas novidades a que se juntou uma terceira, ver um filme. Uma tarde de sol inesquecível. Ao ver aquelas imagens projetadas num écran, parecia ter penetrado no reino dos gigantes. Uma coisa “monstruosa” para um petiz em que as dimensões do que vê são muito superiores à realidade, porque, para quem é pequeno, o padrão das medições é definido pelo tamanho do seu corpo.
O filme era sobre a Cinderela. Ainda hoje consigo recordar algumas passagens com as cores muito vivas próprias dos filmes animados de Walt Disney. As emoções produzidas foram muito fortes ao ponto de viver as cenas como se fossem verdade. E, durante muito tempo, quase que o conseguia reproduzir mentalmente como se o meu cérebro fosse um animatógrafo com apenas um filme e que punha a rodar sempre que me apetecesse. Não me cansava.
Perturbou-me muito as cenas em que a pobre Cinderela era mal tratada quer pela malvada da madrasta quer pelas duas filhas cuja fealdade contrastava com a beleza da enteada. Uma injustiça, pensei eu. - Como é possível ser-se tão má?
Mais tarde, muito mais tarde, depois de ter visto o filme, li que o seu nome tinha sido associado a uma síndrome. É frequente em medicina, e também em psicologia, a criação de síndromes para personalizar e identificar algumas doenças.
Peter Lewin, há cerca de 35 anos, inspirou-se nesta história para criar a síndrome de Cinderela com o propósito de descrever as falsas acusações de maus-tratos ou negligência praticada pelas mães adotivas. A par desta síndrome, foi criado, muito mais recentemente, o complexo de Cinderela, o qual se prende com o desejo inconsciente de uma mulher ter medo de se tornar independente, aspirando encontrar alguém que tome conta dela. Aliás, é muito comum determinadas interpretações psicanalíticas de histórias como a Cinderela, a Branca de Neve, a Bela Adormecida e muitas mais.
Agora, num período em que a liberdade feminina é uma realidade, conquistada apenas em certos cantos do mundo, não é de estranhar que histórias de encantar sejam objeto de redefinição. Foi o que aconteceu em Espanha com a feitura de um livro intitulado “A Cinderela que não queria comer perdizes”. Quando li o título, fiquei surpreso com esta de não querer comer perdizes. Foi então que soube que, enquanto em Portugal, estas histórias têm o tradicional final: “Casaram e foram felizes para sempre”, em Espanha não é assim. O equivalente é o seguinte: “Foram felizes e comeram perdizes”. Aqui está um final, pelo menos, muito mais original e apetitoso. Sem sombra de dúvida. Mas afinal qual a razão de ser deste livro? Contribuir para o combate à violência contra a mulher. Nesta nova versão, que ainda não li, mas vou tentar, a Cinderela borrifa-se para a meia-noite, sai do baile alta madrugada, manda às malvas o príncipe encantado e parece que se torna vegetariana. Neste último caso não consigo compreender muito bem. Mas não é só a Cinderela que pretende mudar de vida, também as suas amigas. A Bela Adormecida não precisa mais do beijo do príncipe para acordar, mas tenho que ler o livro para saber como é que ela conseguiu e até a Branca de Neve deixou de ter depressões, passou a tomar Prozac, apenas enquanto teve necessidade, e depois foi para a praia bronzear-se.
Ora aqui está como se pode mudar as histórias que nos contaram por outras mais adequadas aos nossos tempos, sem corrermos o risco de condicionar o comportamento dos mais jovens. Não quer dizer que sejam as mais apropriadas para os pequenos, mas também as outras, as clássicas, parece que não são grande ajuda. Para isso seria conveniente ouvir dissertar o pessoal que se dedica à educação das crianças. Entretanto, muitas das mulheres que já leram o livro, deverão ter-se libertado do complexo de Cinderela. E ainda bem! Mas, apesar de tudo, acho que as mulheres espanholas deveriam continuar a comer perdizes...
O filme era sobre a Cinderela. Ainda hoje consigo recordar algumas passagens com as cores muito vivas próprias dos filmes animados de Walt Disney. As emoções produzidas foram muito fortes ao ponto de viver as cenas como se fossem verdade. E, durante muito tempo, quase que o conseguia reproduzir mentalmente como se o meu cérebro fosse um animatógrafo com apenas um filme e que punha a rodar sempre que me apetecesse. Não me cansava.
Perturbou-me muito as cenas em que a pobre Cinderela era mal tratada quer pela malvada da madrasta quer pelas duas filhas cuja fealdade contrastava com a beleza da enteada. Uma injustiça, pensei eu. - Como é possível ser-se tão má?
Mais tarde, muito mais tarde, depois de ter visto o filme, li que o seu nome tinha sido associado a uma síndrome. É frequente em medicina, e também em psicologia, a criação de síndromes para personalizar e identificar algumas doenças.
Peter Lewin, há cerca de 35 anos, inspirou-se nesta história para criar a síndrome de Cinderela com o propósito de descrever as falsas acusações de maus-tratos ou negligência praticada pelas mães adotivas. A par desta síndrome, foi criado, muito mais recentemente, o complexo de Cinderela, o qual se prende com o desejo inconsciente de uma mulher ter medo de se tornar independente, aspirando encontrar alguém que tome conta dela. Aliás, é muito comum determinadas interpretações psicanalíticas de histórias como a Cinderela, a Branca de Neve, a Bela Adormecida e muitas mais.
Agora, num período em que a liberdade feminina é uma realidade, conquistada apenas em certos cantos do mundo, não é de estranhar que histórias de encantar sejam objeto de redefinição. Foi o que aconteceu em Espanha com a feitura de um livro intitulado “A Cinderela que não queria comer perdizes”. Quando li o título, fiquei surpreso com esta de não querer comer perdizes. Foi então que soube que, enquanto em Portugal, estas histórias têm o tradicional final: “Casaram e foram felizes para sempre”, em Espanha não é assim. O equivalente é o seguinte: “Foram felizes e comeram perdizes”. Aqui está um final, pelo menos, muito mais original e apetitoso. Sem sombra de dúvida. Mas afinal qual a razão de ser deste livro? Contribuir para o combate à violência contra a mulher. Nesta nova versão, que ainda não li, mas vou tentar, a Cinderela borrifa-se para a meia-noite, sai do baile alta madrugada, manda às malvas o príncipe encantado e parece que se torna vegetariana. Neste último caso não consigo compreender muito bem. Mas não é só a Cinderela que pretende mudar de vida, também as suas amigas. A Bela Adormecida não precisa mais do beijo do príncipe para acordar, mas tenho que ler o livro para saber como é que ela conseguiu e até a Branca de Neve deixou de ter depressões, passou a tomar Prozac, apenas enquanto teve necessidade, e depois foi para a praia bronzear-se.
Ora aqui está como se pode mudar as histórias que nos contaram por outras mais adequadas aos nossos tempos, sem corrermos o risco de condicionar o comportamento dos mais jovens. Não quer dizer que sejam as mais apropriadas para os pequenos, mas também as outras, as clássicas, parece que não são grande ajuda. Para isso seria conveniente ouvir dissertar o pessoal que se dedica à educação das crianças. Entretanto, muitas das mulheres que já leram o livro, deverão ter-se libertado do complexo de Cinderela. E ainda bem! Mas, apesar de tudo, acho que as mulheres espanholas deveriam continuar a comer perdizes...
12 comentários:
Agentes amás, quer elas comam predizes, ou nam...
Mulheres são exímias…
desenhadoras de almas.
Fadas agitadas, lascívias
Mães, dulcíssimas… quando calmas
Astrais fulgentes, Arrebatadas
Calorosas, ausentes, apaixonadas
Efémeras…urgentes, transitórias
Guerreiras, cobertas de glórias
Mulheres são frágeis, são felinas
Instinto puro, graciosas, femininas
Delicadas, sensíveis em meninas
Mulheres, algumas vezes saturninas
Arquitectas da outra metade do mundo
Olhar, sentido, arguto, profundo
Amá-las não é fácil mas, contudo
É d'esse amor que se mantém o mundo… fecundo
A Cinderela era boazinha e paciente mas sofria por causa de dois males terríveis, a prepotência de quem explorava a dependência dela e a inveja das que não suportavam a sua beleza.Um dos "complexos de Cinderela" era a vontade de agradar a todo o custo, sujeitando-se aos trabalhos mais duros e injustos a troco de tréguas nos maus tratos, o que passou à posteridade como o complexo das donas-de-casa-perfeitas, que têm que trabalhar em casa para ter tudo muito limpinho e agradável para os que chegarem e além disso têm que se apresentar muito bonitas, sorridentes e bem humoradas com toda a família, sob pena de serem más mães de família. A isso acrescenta-se hoje a profissão fora de casa mais ou menos com os mesmos requisitos, competentes, agradáveis, dispostas a provar a cada momento que são exemplares para serem tão consideradas como os seus colegas masculinos, caso em que se tornam com frequência alvo de inveja... Enfim, com a evolução dos tempos talvez haja mais príncipes encantados dispostos a partilhar as tarefas e a dar valor à independência financeira, ou ao contributo para a economia doméstica, das suas cinderelas, mas que o complexo ainda existe, isso existe, muitas vezes alimentado pelas próprias, mesmo inconscientemente. Talvez a versão moderna de que fala o massano cardoso contribua para que as perdizes possam chegar à mesa de muitas mais cinderelas...
Estou quase a tomar uma decisão: cancelar a subscrição dos jornais e revistas que recebo.
Tudo o que quero saber – e muito mais – encontro aqui no 4R! : ) Desde política, a conhecimentos gerais, a bom humor, a romances etc etc... a diálogos interessantes com outros comentadores... Basta um clique aqui no meu teclado!!!! E futebol também... pois claro!
Aonde ficaria eu a conhecer esta nova “moda” dos cisnes? Promiscuidade!
As Cinderelas a comerem perdizes?!
Estou a criar aqui uma certa habituação! Habituação ao 4R! : ) : )
Concordo consigo, cara Suzana! Super-mulher é o que todos esperam ver! E por isso desenvolvemos esta capacidade de “multitasking” que nos torna quase imprescindíveis! :) Mas há sempre um preço a pagar! .....
Aqui não gostamos de monotonia, Catarina, e "les bons esprits se rencontrent" :)
Cara Catarina.
Isso da "Super-Mulher" é um mito, degenerativo de um estigma social, suspeito que criado pela própria mulher.
Coisa ao jeito da teoria Marxista: O capitalismo cria necessidades...para depois criar os mecanismos capazes de as satisfazer.
Nós os homens somos muito mais simplistas, e o único mito que criámos tem a ver com aquela relação estúpida entre o tamanho do carro... e da conta bancária...
Não concordo.
Aliás, concordo quando diz que o homem se classifica pelo tamanho: ego, carro, conta bancária... repressões, etc. Freud lá fez essas análises profundas... embora se tivesse enganado relativamente à mulher – nem aceitava a sua (da mulher) emancipação.
Agora que a mulher tem a grande capacidade de executar tarefas de vária ordem quase em simultâneo, não há dúvida! Se o deve fazer...isso já implica outro tipo de análise. Na minha opinião, não! Não deve.
: )
Sim, é verdade, cara Catarina, a maioria das mulheres, possui essa "faculdade", ou, para ser mais preciso, conseguem ocupar o pensamento com vários assuntos (geralmente pouco interessantes) enquanto executam uma tarefa. Talvez por isso cortam os dedos enquanto descacam os legumes, apanham choques electricos, enquanto manuseiam electrodomésticos, ou batem com as rodas do carro no fundo dos buracos da estrada, enquanto conduzem.
Mas, isso são pormenores de concepção, que pouco interessam para o caso.
Aquilo que seria importante "esmiuçar" seria aquela relativa às conclusões Freudianas.
Para isso deixo-lhe uma questão, cara Catarina: a mulher é emancipada?
Caro Bartolomeu… mas o seu comentário é uma revelação sobre o seu conceito relativo à mulher!
Se a mulher é emancipada?! O meu pai emancipou-me aos 18 anos porque só assim se poderia abrir uma conta bancária em meu nome! E comecei logo a gerir o “meu” dinheiro... sim porque a partir do momento que os papás iam recheando a conta mensalmente... o dinheiro era meu!!!!!
Claro que no mundo ocidental somos emancipadas, caro Bartolomeu! Tem dúvidas?! E qual vai ser essa análise profunda que aí vem para me provar que estou errada?! Fico a aguardar....
Não está enganada, não tenciono provoca-la.
Talvez os meus comentários possam não transparecer, mas garanto-lhe que a estimo, considero e respeito.
Quer na sua condição feminina, como nas suas opiniões e convicções.
A minha questão carece de uma definição prévia de emancipação.
No meu conceito, emancipação é acima de tudo a tomada de consciência, plena e concreta de si e do mundo que a rodeia e onde está inserida.
E não tem própriamente, ou unicamente a ver com ganhar ou receber o dinheiro que deposita na sua conta.
Emancipação, quer feminina, como masculina, tem para mim um significado mais abrangente e extenso. Pode até saír fora da maioria dos conceitos sociais, na medida em que os mesmos limitem a liberdade das pessoas.
Para início de "provocação"... não desejo acrescentar mais nada.
;)))
Não me expressei bem – quis dar um toque de bom humor e falhei – É evidente que emancipação e conta bancária foi um aparte! Foi outro tipo de emancipação! Não tem nada a ver com a forma abrangente como abordou o assunto e que eu entendi perfeitamente! E não duvido dessa “admiração” toda que por mim nutre! : )
“...emancipação é acima de tudo a tomada de consciência, plena e concreta de si e do mundo que a rodeia e onde está inserida.” - absolutamente de acordo. Não há regra sem excepção: haverá mulheres que ainda estão a meio de se “encontrar”, e de aprender a conciliar-se com o mundo que as rodeiam. E como tenho que sair... vou ficar por aqui... : )
É evidente que sim, cara Catarina, percebi perfeitamente o seu tom humorístico. Só peguei no conceito, porque me parece que para muitas pessoas, sejam homens ou mulheres, o facto de ganharem o dinheiro de que necessitam, representa por si só, a sua emancipação.
Na verdade, muitas vezes, a forma como esse dinheiro é ganho, ou melhor, aquilo que é necessário fazer, ou deixar de fazer, para o ganhar, colide com o conceito lato de emancipação.
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