No casarão também souberam ler os sinais. O lavrador começou a vigiar o filho quando lhe estranhou os modos alegres com que falava da Gracinha, as demoras em sair de casa nos dias em que ela vinha, ou o brilho dos olhos que nunca antes se lhe iluminavam.
Percebeu e não gostou do que viu. Como era possível que aquele lunático se embeiçasse por uma garota da aldeia, jeitosa, é certo, mas filha de um camponês e ela própria uma criada da casa? Não que fosse gente para um capricho, isso não, por isso mesmo o problema, não queria que acusassem o filho de estar a levar a desonra a casa de quem sempre servira lealmente a família e outra hipótese não se punha, nada de sério poderia sair daquela loucura. Ah, se ele tivesse imposto a sua autoridade de pai e o tivesse casado com a filha do Mendes!, mas não, deixou-se levar na teimosia do rapaz e o resultado estava à vista, uma paixoneta tola e serôdia de que era preciso dissuadi-lo sem demoras.
Chamou o filho e falou-lhe asperamente, proibiu-o de voltar a falar com a Gracinha e que nunca mais a queria ver lá em casa, fosse por que motivo fosse. E, se ele insistisse, ver-se-ia obrigado a despedir o pai dela, causando a miséria à família e a vergonha a quem durante uma vida o tinha servido lealmente. Mas que o faria, disso não tivesse dúvidas, assim ele o obrigasse.
Gracinha deixou de ir servir à casa grande, num acerto que nunca lhe revelaram, e o filho do patrão abalou para Lisboa sem se despedir, num desgosto de que não queria testemunhas nem conversas. Na aldeia sentiu-se um pairar de tristeza que ninguém conseguia explicar e que contrariava a prática do falatório das velhas e das confissões da vida dos outros, em que entretinham os serões.
Começou a notar-se um abandono dos campos até então férteis e bem cuidados, o pai de Gracinha queixava-se de que o patrão velho não tinha ânimo para lidar com as querelas dos camponeses e ele, ao fim de tantos anos, já sentia que lhe faltava força e autoridade para se impor ao trabalho.
Na aldeia, comentava-se a tristeza da rapariga, antes tão alegre e amiga de ajudar, agora esquiva, fechada em casa, movendo-se na lida como uma sombra. A mãe limpava as lágrimas furtivas, não via forma de compor as coisas, quem havia de dizer que a sua menina se ia perder de amores por aquele homem tão mais velho, sem beleza nem garbo, quem a dera tê-la deixado abalar para fora, como tantas outras da terra, agora vi-a ali, sem gosto nem viço, perdida num amor insensato e inútil.
Foi a patroa que decidiu mandar que o filho viesse de Lisboa. Pesava-lhe a solidão, já não suportava ouvir o marido resmungar diante das janelas, a ver o desleixo nos campos, a olhar para o relógio de horas lentas, tão lentas quanto o esmorecer dos sentimentos contrariados e imprevisíveis. Era tempo de dar por finda a cura de Lisboa. (continua)
Percebeu e não gostou do que viu. Como era possível que aquele lunático se embeiçasse por uma garota da aldeia, jeitosa, é certo, mas filha de um camponês e ela própria uma criada da casa? Não que fosse gente para um capricho, isso não, por isso mesmo o problema, não queria que acusassem o filho de estar a levar a desonra a casa de quem sempre servira lealmente a família e outra hipótese não se punha, nada de sério poderia sair daquela loucura. Ah, se ele tivesse imposto a sua autoridade de pai e o tivesse casado com a filha do Mendes!, mas não, deixou-se levar na teimosia do rapaz e o resultado estava à vista, uma paixoneta tola e serôdia de que era preciso dissuadi-lo sem demoras.
Chamou o filho e falou-lhe asperamente, proibiu-o de voltar a falar com a Gracinha e que nunca mais a queria ver lá em casa, fosse por que motivo fosse. E, se ele insistisse, ver-se-ia obrigado a despedir o pai dela, causando a miséria à família e a vergonha a quem durante uma vida o tinha servido lealmente. Mas que o faria, disso não tivesse dúvidas, assim ele o obrigasse.
Gracinha deixou de ir servir à casa grande, num acerto que nunca lhe revelaram, e o filho do patrão abalou para Lisboa sem se despedir, num desgosto de que não queria testemunhas nem conversas. Na aldeia sentiu-se um pairar de tristeza que ninguém conseguia explicar e que contrariava a prática do falatório das velhas e das confissões da vida dos outros, em que entretinham os serões.
Começou a notar-se um abandono dos campos até então férteis e bem cuidados, o pai de Gracinha queixava-se de que o patrão velho não tinha ânimo para lidar com as querelas dos camponeses e ele, ao fim de tantos anos, já sentia que lhe faltava força e autoridade para se impor ao trabalho.
Na aldeia, comentava-se a tristeza da rapariga, antes tão alegre e amiga de ajudar, agora esquiva, fechada em casa, movendo-se na lida como uma sombra. A mãe limpava as lágrimas furtivas, não via forma de compor as coisas, quem havia de dizer que a sua menina se ia perder de amores por aquele homem tão mais velho, sem beleza nem garbo, quem a dera tê-la deixado abalar para fora, como tantas outras da terra, agora vi-a ali, sem gosto nem viço, perdida num amor insensato e inútil.
Foi a patroa que decidiu mandar que o filho viesse de Lisboa. Pesava-lhe a solidão, já não suportava ouvir o marido resmungar diante das janelas, a ver o desleixo nos campos, a olhar para o relógio de horas lentas, tão lentas quanto o esmorecer dos sentimentos contrariados e imprevisíveis. Era tempo de dar por finda a cura de Lisboa. (continua)
45 comentários:
Ainda bem que a esposa tinha algum poder sobre o marido! Mulher segura das suas decisões! Sem receio do despotismo do seu marido! Pode continuar..... :)
Claro, catarina, eu inspiro-me na vida real :)
Suzana
Mas na vida real muitas hipóteses se colocam. Fico à espera do próximo episódio, de saber o que aconteceu aos dois corações partidos. Quando o amor é forte resiste a muitas contrariedades...
Está visto que continuamos um povo de românticos, a quantidade de fãs que têm estes amores contrariados...:)
Amor forte, cara Margarida? Mas isso ainda existe? Pensei que estivesse em vias de extinção ou mesmo já extinto!... : )
Cara Dra. Suzana Toscano:
Mas o que importa agora é conhecer os próximos episódios e, evidentemente, o epílogo!. A sua capacidade intelectual e forma de narrar são indubitavelmente características especiais que encantam, por isso, força, continue, mesmo no silêncio do meu poleiro, estou atento...:)
Ahahaha ... “no silêncio do meu poleiro”! JotaC... mas isso é uma gracinha de criatividade! ... :)
AHAHAH...
Agora, Catarina, ri-me com prazer!
Para dormir tranquila (não precisa de contar poleiros :) eu explico:-A Draª Suzana Toscano, sabe do meu poleiro e sabe, também, que o meu silêncio (não tenho comentado) não significa desencanto e/ou desinteresse pelo 4R! Isso nem pensar! O meu problema é que ao fim do dia os meus olhos estão exaustos, trabalho com aplicações que exigem muita atenção, e agora só me apetece fechá-los...os olhos claro! Gosto das suas intervenções.
:)
Cara Catarina
É uma espécie em extinção, mas por ser rara tem muito valor...
O final do amor da Canja de Galinha é já uma caixinha de surpresas. Suspense!
JotaC!!!!! Eu compreendi perfeitamente o “no silêncio do meu poleiro”!!!
Admirei-lhe foi a metáfora!
: ) : ) Durma bem! De olhos fechados!
Cara Margarida! Pois é... suspense!
Temos que ter paciência e aguardar!
Ah... o romantismo...
Esse substantivo termo, foi certamente inventado pelo rei trovador, D. Dinis, talvez inspirado pelo milagre que a rainha santa ajudada pelas rosas, ou as rosas ajudadas pela rainha, com um empurrão do espírito santo se operou neste cantinho à beira-mar plantado.
Quem é que ficaria indiferente a tão terno e enlevante quadro?
O mesmo se passa com este conto da nossa estimada autora. Cada capítilo é-nos apresentado como um romântico milagre das rosas.
Dessa sua pena, autora
Saem pétalas perfumadas
Como da rainha benfeitora
Saíram aquelas rosas
;)))
Bom, e aqui fica mais um linkezinho, para que volteis a recordar o rei "the king"
http://www.youtube.com/watch?v=VI94AsuvUUA&feature=related
Esperemos tambem que a "Gracinha" se mantenha sempre na memória do António Manuel.
O personagem do conto chama-se António Manuel, cara Autora?
Parece que o “Agricultor” e homem das artes não era assim uma flor que se cheirasse como se poderá pensar à primeira, de contrário não teria havido motivo para o “milagre das rosas”!...
Ora, ora, cara Catarina, aquele rei foi um trovador, cantou amores, qualquer ventre femenino se abriria perante tais melodias encantatórias... e dele brotariam as mais belas e aromáticas flores...
;))))
Essa ideia do ventre feminino se abrir parece-me um quanto ou tanto radical, não acha caro bartolomeu!?
:)
Fogo de vista!
Lá trovar, ele trovou e provavelmente até encantou ... mas pobre Isabel.. nem sequer pode distribuir o pão em paz e sossego...
Depende do seu conceito de radicalidade, caro Jóta Cê.
Para mim, um ventre femenino que se abre, representa algo de sublime, algo de místico. Representa afinal o "todo", numa escala infinita.
Cara Catarina... não quereria ter escrito "em paz e segredo"?!
É que esse conceito de "distribuir o pão"... convem que seja revestido de muita discrição, não vá o "rei" saber e... não gostar.
;)))))
“Em paz e sossego” é que deveria ter estado sempre essa Rainha Santa... e não em segredo! Deveria... mas não esteve... Apesar de tanta sensibilidade trovadoresca, parece ter sido somítico! Tratava-se apenas de pão... Por outro lado, deu origem ao tão conhecido “Milagre das Rosas”... : )
Bom, cara Suzana, recapitulando, tínhamos o patrão, o filho do patrão, o feitor, a mulher do feitor, e a filha do feitor. Passamos a ter também a "patroa", que entrou assim de chofre na história. Eu até pensava que o patrão não tinha patroa. Mas, se tem, como parece, se ela sai da sombra vai ser o cabo dos trabalhos. Pior ainda se a patroa for mulher de barba ou bigode. Exige-se uma descrição do busto e do buço. Espero que não descuide esse essencial e fundamental detalhe, essencial para entrar no âmago da história...
E não poderá levantar-se a hipótese de ser daquelas “patroas” de aparência frágil, delicada mas com um poder de persuasão de se lhe tirar o chapéu?!
Ah...caro bartolomeu, já tinha pensado o ventre sob o prisma de "almofadinha" de conforto (reminiscências, talvez, da minha gestação, hoje para pousar suavemente a cabeça nos dias de praia...), mas por este prisma de sublime, de mítico, de escala infinita, confesso que não! Muito Obrigado.
Óh Catarina, a aparência da patroa até que poderá ser frágil, mas é bom que não seja demasiado insubstancial...um homem também gosta de ter onde assentar a mão!
PS
Catarina, atenção! Assentar a mão no sentido de ter onde agarrar, nada de confusões!
:)
A fragilidade (a que me referi) não tem nada a ver com o “poder assentar a mão” se a conotação desta expressão for “acariciar”!!!!! : )
Ahahaha… estávamos na mesma onda de pensamento, JotaC!
É verdade cara catarina, acontece sempre (ou quase) essa estranha "ocorrência" de uma coisa... dar lugar a outra coisa.
Diz o rifão "Deus escreve direito... por linhas tortas"
Só espero que a santa rainha tenha "aproveitado" as ocasiões que o destino lhe proporcionou, mesmo que raras fossem.
A rainha acabou por entrar num convento. Teria sido apenas por devoção?!
E não pensou nada mal, caro Jóta Cê!
Um delicioso ventre onde um homem repouse a cabeça ao final de cada jornada árdua de trabalho,´constitui um bálsamo regenerador, capaz até de rejuvenescer qualquer um. Eu diria até: capaz de ressuscitar um morto!
Se assim for não será necessário o elixir da juventude.(para os homens).. o cientificamente fabricado ou a fabricar... Bem se diz que os produtos naturais ainda são os que dão melhores resultados! : )
Olhe cara Catarina... tenho pena de não ter vivido nessa época em que as meninas casadoiras eram enclausuradas, por forma a serem impedidas de se "entregar" aos verdadeiros amores, que geralmente eram contrários aos desígnios paternais.
Mas... são bastos os relatos desses tempos que trazem ao conhecimento d'hoje os martírios da carne porque essas virtuosas meninas passaram.
Não pode calcular a pena que eu tenho delas...
Calculo pois...
Ora aí está, cara Catarina!
A razão falou através da sua escrita.
Como fácilmente podemos concluir, nada existe de artificial e ilusório que possa substituir o que é natural e genuíno.
Não, não calcula!
Ora bem...sendo que a razão é o quociente de entre duas coisas, e esse quociente é a bonita narrativa da "canja de galinha", parece-me que chegámos ao ponto de retorno, esperar pela continuação...
:)
Caro Dr. Pinho Cardão, uma "patroa" de bigode assim de chofre, na aldeia... parece-me coisa deste século.
Tormento que o padroeiro da cidade de Lisboa vai ter de enfrentar e... a menos que ocorra um novo milagre, não sei como é que o "santinho" vai conseguir contornar o milagre de reconstruir as "bilhas partidas".
Vamos lá ver, como é santo... pode ser que se safe.
caro jotac, estou aver que temos que nos esmerar mais para que a leitua do 4r sirva como bálsamo para uns olhos cansados :)
caro Pinho Cardão, então o meu amigo quer desenvolvimentos laterais, está visto que ainda não está convencido de que os verdadeiros poderes são ocultos (expressão perigosa,nos dias que correm)é claro que há uma patroa de carácter forte, como poderia não haver, ainda para mais se o meu amigo recomenda vivamente um final feliz? Ora, isso implica uma influência discreta mas firme, sensata e ousada ao mesmo tempo, oportuna e definitiva, isso implica uma acção política digna desse nome! Uma mulher, portanto, sem precisar de mais detalhes.
Quanto ao animado diálogo que por aqui vai entre os nossos convivas só por si vale mais que o pretexto que lhe dá mote,e bem mais divertido!
A pedido de vários leitores que já não aguentam mais dramas, anuncio que a novela continua hoje mas acaba amanhã com a publicação do último episódio. Tarantantã...!
Já amanhã, cara DRª Suzana?
Ohhhh...
Certo está o ditado que diz "não haver bem que sempre dure..."
Já termina amanhã?
E eu a pensar que só o buço da patroa demorava uma semana a descrever!...
Caro bartolomeu, o meu amigo é um resistente, muito obrigada!
Pois é por isso mesmo que omiti o detalhe, caro Pinho cardão, já viu que exigia mais "2 ou três écrans" de novela? Ou bem que se descreve como deve ser ou bem que se deixa á imaginação do leitor e eu não quis abusar da paciência dos 4republicanos, tudo tem o seu limite...! ;)
Concluo que a patroa é elegante e não tem buço...
"...uma influência discreta mas firme, sensata e ousada ao mesmo tempo, oportuna e definitiva, isso implica uma acção política digna desse nome! Uma mulher, portanto, sem precisar de mais detalhes."
Temo que uma tão grande concentração de virtudes no ente feminino acabe por se tornar numa fonte de infelicidade...
Não sei se nos anos 50's as "patroas" já eliminavam o buço, caro Dr. Pinho Cardão. Mas menos provável ainda, se o fizessem, seria o patrão velho, alinhar nessas modernices.
Aquela coisa de passarem o dia a lavrar, agarrados à rabiça do arado e de aguilhão nas unhas a picar o lombo às vacas para que se mexessem... esturigia-lhes a mioleira.
Caro bartolomeu, por esta altura já estamos nos "late sixties", a menina já está casadoira...
Caro Pinho cardão, terá o meu amigo oportunidade de constatar que esses são detalhes sem importância, o que conta é a perspicácia e a inteligência na acção :)
O caro just-in-time é um tanto céptico das virtudes femininas,veremos se vamos redimir tanto cepticismo!
Enviar um comentário