Maria da Graça foi o nome que escolheram para a menina quando, já passada a juventude, nasceu aquela filha única, como uma bênção dos céus sobre a sua casa humilde.
Viviam no campo, numa aldeia que as estradas fizeram hoje próximo de Lisboa mas que nos anos cinquenta se perdia lá longe, numa desolação de casas vazias dos vizinhos e amigos que, um a um, partiam para França, para a Venezuela ou para lugares que só conheciam depois, das cartas garatujadas de saudades.
Eles tinham ficado, agarrados à terra que ele lavrava com esmero para um proprietário da zona e ela às galinhas, patos e coelhos que criava no seu quintal. Não sabiam ler nem escrever mas a sua filha única foi à escola e em casa aprendeu a costurar, a mãe fazia dela uma boa dona de casa para que pudesse casar bem, com um rapaz dos arredores que a estimasse e lhe merecesse a beleza morena e o sorriso aberto, que era um regalo só de a olhar.
Viam-na crescer embevecidos. A garota era a alegria da aldeia, o pai esperava ansioso a hora do almoço para a ver aparecer ao fundo da rua, muito afogueada, com a cesta da merenda, e impacientava-se quando ela parava por momentos, a tagarelar com quem encontrava pelo caminho. Que bonita era a sua Gracinha!, estava a fazer-se uma mulher, pensava orgulhoso, até o patrão a tinha elogiado por duas vezes, uma quando foi preciso ajudar na cozinha num dia de festa rija no casarão, outra quando o filho mais velho festejou os anos e quis que fosse ela a servir os convidados. Ela tinha esmero, sim senhor, nisso saía à mãe, não havia cozinheira mais apurada ou que pusesse uma mesa com mais gosto, as suas mãos ásperas e rudes tinham a arte de transformar uma côdea de pão numa ceia saborosa e reconfortante.
O tempo foi passando e o filho do patrão tomava agora mais sentido na lavra, não quis deixar a terra para ir estudar para Lisboa, como o irmão. Ocupava-se cada vez mais da quinta e chamou o pai da Gracinha para lhe dar mais responsabilidade, vocemecê agora é o meu braço direito, contrata os homens, compra as sementes e as alfaias, olha por tudo quando eu estiver fora. Também lhe disse que a Gracinha podia olhar pelo casarão, que fosse lá todas as semanas, os seus pais estavam velhos e precisavam de alegria na casa, ele não tinha encontrado ainda noiva que lhe agradasse e sempre era um modo de os ir compensando da falta de companhia. E ria-se, um pouco tímido, como se receasse que a proposta fosse mal aceite.
Viviam no campo, numa aldeia que as estradas fizeram hoje próximo de Lisboa mas que nos anos cinquenta se perdia lá longe, numa desolação de casas vazias dos vizinhos e amigos que, um a um, partiam para França, para a Venezuela ou para lugares que só conheciam depois, das cartas garatujadas de saudades.
Eles tinham ficado, agarrados à terra que ele lavrava com esmero para um proprietário da zona e ela às galinhas, patos e coelhos que criava no seu quintal. Não sabiam ler nem escrever mas a sua filha única foi à escola e em casa aprendeu a costurar, a mãe fazia dela uma boa dona de casa para que pudesse casar bem, com um rapaz dos arredores que a estimasse e lhe merecesse a beleza morena e o sorriso aberto, que era um regalo só de a olhar.
Viam-na crescer embevecidos. A garota era a alegria da aldeia, o pai esperava ansioso a hora do almoço para a ver aparecer ao fundo da rua, muito afogueada, com a cesta da merenda, e impacientava-se quando ela parava por momentos, a tagarelar com quem encontrava pelo caminho. Que bonita era a sua Gracinha!, estava a fazer-se uma mulher, pensava orgulhoso, até o patrão a tinha elogiado por duas vezes, uma quando foi preciso ajudar na cozinha num dia de festa rija no casarão, outra quando o filho mais velho festejou os anos e quis que fosse ela a servir os convidados. Ela tinha esmero, sim senhor, nisso saía à mãe, não havia cozinheira mais apurada ou que pusesse uma mesa com mais gosto, as suas mãos ásperas e rudes tinham a arte de transformar uma côdea de pão numa ceia saborosa e reconfortante.
O tempo foi passando e o filho do patrão tomava agora mais sentido na lavra, não quis deixar a terra para ir estudar para Lisboa, como o irmão. Ocupava-se cada vez mais da quinta e chamou o pai da Gracinha para lhe dar mais responsabilidade, vocemecê agora é o meu braço direito, contrata os homens, compra as sementes e as alfaias, olha por tudo quando eu estiver fora. Também lhe disse que a Gracinha podia olhar pelo casarão, que fosse lá todas as semanas, os seus pais estavam velhos e precisavam de alegria na casa, ele não tinha encontrado ainda noiva que lhe agradasse e sempre era um modo de os ir compensando da falta de companhia. E ria-se, um pouco tímido, como se receasse que a proposta fosse mal aceite.
O patrão novo não era um homem bonito. Já bem passados os trinta anos, era magro e de estatura média, os seus cabelos ralos denunciavam uma calvície precoce e tinha bem fundas as marcas de um acne mal tratado, que a sombra escura da barba não conseguia ocultar. Diziam na aldeia que não quisera casar com a noiva que o pai lhe destinara, já o assunto estava apalavrado como manda a honra e os negócios. A moça era rica e bem apresentada, as terras eram vizinhas e assim se multiplicava a lavoura, mas ele cismou que não, que havia de casar com quem quisesse e que aquela não era a mulher com que ele sonhava. O pai enfurecera-se mas depois desistira, via o tempo a passar mas o filho nunca mais voltara ao assunto, era sisudo e de poucas falas, dedicava-se ao trabalho, tomava-lhe conta das terras e ia a Lisboa de quando em quando, já a ganhar hábitos de solteirão. (continua)
12 comentários:
Excelente. espero que continue.
http://www.youtube.com/watch?v=k49paH8plfY&feature=related
«Life is older, older than the trees...»
Bom, cara Drª. Suzana, se a ideia é competir com o Miguel Sousa Tavares, digo-lhe já: o homem não tem hipotese!
;)
Límpido, real, genuíno, adorei e... olhe, se até agora pouco mais fazia que estar à porta do "quarta" esperando como mendigo por uma esmola, a partir de agora, vou passar a dormir na soleira. Pelo menos enquanto os capítulos da novela não forem totalmente editados.
;)
Ora aí está, cara Suzana. Grandes escritores portugueses começaram por publicar as suas obras em folhetins diários nos jornais. Exemplos maiores, Camilo e Eça/Ramalho.
Os tempos mudaram. Não há folhetins à moda antiga nos jornais, excepto aqueles "rascas" de que os jornalistas se servem para aumentar as tiragens.
Com a Suzana, começa a era dos bons folhetins nos blogs. Um dia, dir-se-á:"mais um romance de Suzana Toscano. A sua primeira obra, A Canja de Galinha, viu a luz do dia no Blog Quarta República, iniciava-se o ano de 2010..."
Exactamente, Pinho Cardão!
É um prazer ler a Suzana.
os meus amigos são uns brincalhões, arriscam-se que os leve a sério e estique os capitulos da novela, só para ter o caro bartolomeu "a dormir na soleira" do 4r (embora já disponha de uma confortavel assoalhada neste espaço :)e me deixar embalar pelas apreciações lisonjeiras que tanto me animam. Obrigada, seguem os próximos episódios, espero não desiludir.
caro bartolomeu, sempre lhe digo que a música de fundo não podia ter sido mais bem escolhida e as paisagens parece que escrevem a história sozinhas, assim qualquer frase soa como obra de arte, está contratado para a edição em versão cinematográfica!:)
caro francisco, cá o esperamos a seguir o fio à meada...
Mãos à obra, cara Drª Suzana!
Pela minha parte, vou já começar a reunir temas e paisagens etnográficas.
;)
Suzana
Fico anciosamente à espera de conhecer mais sobre a Gracinha...
Estou a tentar advinhar em que terras se passa este conto tão português...
Excelente desafio, cara Drª. Margarida!!!
Ora bem, vamos lá então olhar para as "cartas" com atenção e tentar perceber que "jogo" temos:
A narradora localiza a história nos anos 50, e como muito bem relata, foi uma época de êxodo para os países descritos. o facto de nos dizer que a longínqua aldeia é hoje perto, graças às novas vias de acesso, não é por si só relevante, na medida em que hoje até a aldeia de Montezinho fica perto de Lisboa, ou a de Boliqueime, portanto vamos colocar esta carta de reserva. Depois a autora relata-nos o processo de lavoura, a lavra é a forma de preparação mais comum em Portugal nos anos 50 desde norte a sul, daí, vamos colocar esta carta a fazer companhia à outra. Mas... no final do capítulo I, a nossa estimada autora dá-nos uma pista importantíssima. Revela-nos que o "patrão novo... vinha a Lisboa de quando em quando, já a ganhar hábitos de solteirão".
Ora bem, esta "tradição", revela-nos para já que este conto não se passa muito para norte do Tejo. Isto porque, os patrões novos... e os velhos tambem, uns a ganha-los, outros a mantÊ-los, sustentavam estes "habitos" nas grandes cidades, os de riba Mondego, íam ao Porto, os até Leiria íam a Coimbra, os do Ribatejo até ao Alentejo, vinham a Lisboa, os do Algarve... esses não íam a lado nenhum, ficavam a olhar o oceano e a mascar alfarroba.
Por esta lógica, aposto no Ribatejo, muitos foram os Ribatejanos que na década de 50 emigraram, lavravam a terra e vinham a Lisboa, vestidos de marialva e cantarolavam:
Eu cá pra mim, não ha ai não maior prazer, do que o selim e a mulher, redeas na mão, sorrir, trotar, amar, esquecer e digam lá se isto é descer. Rapaziada de agora, voltem à bota e à espora, com orgulho e altivez, deixem as coisas modernas, arranjem força nas pernas, montar é que é português!!!
;))))))
Huuum, está morno, caro Bartolomeu, valeu a pena ver como se aproximou do alvo detectando as pistas mais ou menos ténues. A Margarida e a sua curiosidade, pedindo factos concretos, deixa-me aqui a olhar para o mapa...
Enígmas, são o que mais cativa a minha atenção, portanto, vou manter-me atento aos sinais, cara Drª. Suzana.
;)
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