Não percebo porque é que as televisões em vez de procurarem esclarecer os telespectadores sobre as reivindicações dos empresários dos carrosséis que se manifestaram hoje em marcha lenta nas ruas de Lisboa com uma centena de camiões, assim dizem as notícias, optam por fazer reportagens tipo show.
É claro que um comboio de camiões em marcha lenta, como convém, ocupando largos quilómetros de estrada, buzinando bem alto e dificultando o trânsito, é um acontecimento que tem todos os ingredientes para um espectáculo mediático. O aparato é de tal ordem que é evidente que os telespectadores não deixarão de se impressionar, não sei se positiva ou negativamente, e perguntar o que é que afinal se passa, quem é que tem razão.
Mas ficam a saber muito pouco ou nada. Ficam sem saber porque é que os proprietários dos carrosséis protestam contra as novas regras do licenciamento destes equipamentos de diversão. Numa das reportagens, um representante dos manifestantes questionado sobre as razões da descida à rua explica agitadamente que o povo tem que saber que as reivindicações têm que ser atendidas e que se até quarta-feira o decreto-lei não for revogado os empresários vão avançar com uma providência acautelar. Um pouco mais à frente um outro manifestante apressa-se a dizer que a nova legislação só deve ser aplicada aos novos carrosséis e que para os existentes tem que haver um período de adaptação/transição.
Às duas por três, o repórter anuncia um choque entre um camião e uma viatura ligeira e o acidente é transformado num acontecimento e passa para primeiro plano da cobertura, com todos os ingredientes que vendem, a confusão, o desentendimento entre os condutores, as agressões verbais, os curiosos que também botam sentença, a polícia, ninguém se entende...
E o trânsito caminha para o caos, informa o repórter, a coisa não é para menos, como convém, e a fome ao final de uma jornada de protesto já aperta, mas nada como umas pizzas ou umas bifanas em cima da estrada...
E a reportagem não ficaria completa se os condutores alheios à marcha, metidos nas suas viaturas à espera que os camiões passassem, não dissessem qualquer coisinha para apimentar o ambiente e já agora, porque não saber o que pensam os transeuntes parados nos passeios a ver passar a marcha, recordando os seus tempos de infância voando nos carrosséis...
Se as manifestações dos carrosséis justificam coberturas televisivas com honras de prime time, porque é que as televisões não cuidam de explicar aos telespectadores, com a necessária serenidade, o que é que a nova legislação concretamente estabelece sobre o funcionamento dos carrosséis, quais foram as razões do legislador para estabelecer novas regras e quais são as razões porque os empresários não concordam. Temos assistido a acidentes graves com carrosséis. As questões da segurança e da fiscalização destes equipamentos é matéria importante. Estes equipamentos de diversão continuam a fazer as delícias de muita gente, em particular em localidades no interior do país.
Assim prestariam um bom serviço, de outra maneira que outra coisa se poderá pensar que não seja venham daí mais "carrosséis" porque assim é fácil e é barato entreter os telespectadores...
5 comentários:
Compreendo perfeitamente o que a cara Drª Margarida, pretende demonstrar neste post.
Aquilo que é mostrado nos directos televisivos, reflecte a falta de capacidade de diálogo entre o governo e os representantes da classe que se manifesta.
O assunto é específico e exige que seja reflectido e avaliado em conjunto pelos donos dos carroceis, pelos técnicos e até, pelos fabricantes dos engenhos.
Estão em causa a segurança dos utilizadores, crianças e adultos, está em causa a subsistência de famílias e está em causa a figura do estado. No meu ponto de vista, estes três factores deveriam ser discutidos e encontrado um ponto de equilíbrio entre eles, necessáriamente sem que os manifestantes precisassem de o fazer, por se sentirem vítimas da prepotência do estado.
Post muito oportuno. De facto, ao ver e rever as reportagens sobre o assunto dos carrosséis, fiquei com muitas dúvidas sobre a razão e as razões dos manifestantes e do governo. Ou melhor, não foram muitas dúvidas, foi uma dúvida imensa. Se a legislação é, como disse o secretário de Estado, de 2003, como pode um dos empresários afirmar que não houve período de adaptação? Ou a legislação é recente? As mudanças referem-se apenas às inspecções, ou também às características de segurança dos aparelhos, isto é, teriam os empresários de fazer modificações ou investimentos para cumprirem a lei. O que exige a lei? Estas normas são assim tão difíceis ou dispendiosas? Nada disto ficou esclarecido. Mas não admira: as televisões não costumam esclarecer o que está por trás das notícias; só interessa mostrar o que impressiona.
Cara Dra. Margarida Aguiar:
Ora aqui está o busílis da questão!
Ao fim de tantas transmissões em directo da passagem deste carrossel volante por Lisboa, ainda não percebi se há motivos de justiça que levem estes empresários do lazer a manifestarem-se desta forma, ou se toda este espectáculo que incomoda os lisboetas é a forma encontrada para fazer soçobrar os serviços a que compete fiscalizar todos os equipamentos de lazer…
Parece-me mais um caso em que a comunicação social não está a desempenhar correctamente o seu papel de informar, omitindo uma análise crítica da situação…
Caro Bartolomeu
Nada sei se a nova legislação que os proprietários dos carrosséis reclamam foi discutida ou submetida à apreciação prévia daqueles e de outras entidades especializadas antes da sua aprovação.
Também não sei ao certo de que se queixam e se a nova legislação é eventualmente desproporcionada, prejudicando os interesses em jogo.
Será assim tão difícil o diálogo? É preciso que os carrosséis venham para a estrada protestar? Quem é que ganha com este espectáculo?
As televisões certamente que ganham pois encontram nestas manifestações o argumento para ajudar ao espectáculo...
Caro Freire de Andrade
Pois as minhas dúvidas são precisamente as suas. A quem interessa o esclarecimento? O que se está a passar em relação aos carrosséis tem-se passado em relação a muitas outras actividades. A opinião pública fica sem perceber o que está verdadeiramente em jogo. As televisões poderiam ter aqui um papel informativo importante mas preferem o espectáculo. A bem dizer transmitem para o povo que somos. Mas não serve de desculpa. Não estão a cumprir com as suas responsabilidades.
Caro jotaC
A meu ver a comunicação social não está a desempenhar o seu papel. Ontem durante o dia lá continuaram as coberturas mediáticas sem que se vislumbrasse um esclarecimento capaz da opinião pública sobre o diferendo que opõe os carrosséis ao governo.
Excelente post margarida, também me parece que os queixosos devem ficar muito frustrados ao ver as notícias, o seu relato é um retrato perfeito do que se passa na informação, só folclore.
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