1. No meio da avalancha de notícias e comentários que tem enchido por estes dias os media domésticos sobre a proposta de OE para 2010 – a qual suscita um sem número de interrogações que ainda não será tempo de explicitar e tentar desenvolver neste espaço – um outro tema tem ocupado com destaque as notícias dos media externos e internacionais: o possível apoio da China à Grécia através de uma aquisição de dívida grega em montante avultado (falava-se ontem em qualquer coisa como € 25 mil milhões, quase 40% das necessidades brutas de financiamento da Grécia neste ano).
2. Esta notícia teve já dois efeitos opostos ontem e hoje, que nos dão uma imagem do nervosismo e da incerteza que se instalaram nos mercados acerca da capacidade dos gregos para resolverem o seu problema orçamental e (bem pior) económico.
3. Ontem, a simples notícia da possibilidade dos chineses adquirirem dívida grega, no montante atrás mencionado, dava alguma acalmia e uma ligeira redução dos “spreads” da dívida grega sobre as obrigações alemãs: “Athens turns to Beijing for bond sale” era o título mais destacado da 1ª página da edição de ontem do F. Times, que referia a intermediação da Goldman Sachs nesse negócio.
4. Hoje, a não confirmação daquela notícia criou uma nova onda de cepticismo, levando os "spreads" para valores da ordem de 370 pontos base e a taxa de juro da dívida grega a 10 anos para um nível próximo de 7%, mais próprio de dívidas de economias em desenvolvimento: “Chinese whispers hit Greek bonds” é o título de hoje...
5. A não confirmação da notícia levanta justificadas interrogações acerca dos motivos que poderão estar por detrás de um eventual recuo dos gregos apesar de um mais do que provável interesse em colocar dívida no investidor chinês por excelência - o State Administration of Foreign Exchange, entidade encarregada de gerir as reservas oficiais da China em moeda estrangeira.
6. Segundo o F. Times de ontem, os chineses não estariam interessados em comprar dívida grega apenas e só, quereriam ao mesmo tempo adquirir participações relevantes em empresas gregas de renome, nomeadamente no National Bank of Greece (NBG), uma espécie de “CGD” local, com maior projecção internacional até do que a “CGD” que conhecemos...
7. Segundo as mesmas notícias, o Governo grego, apesar de muito necessitado dos fundos chineses, estaria bastante relutante em aceitar essa contrapartida. Isso poderia gerar uma comoção nacional, dado que o NBG é considerado uma “jóia da coroa” e a alienação de uma boa parte do seu capital para conquistar um financiador, por muito importante que seja, seria considerada uma capitulação humilhante do Governo perante os credores, podendo mesmo arrastar a sua queda...
9. Essa notícia mostra também que os chineses não estão disponíveis para fornecer “almoços” grátis e que poderão estar dispostos a servir de muleta no financiamento dos países da zona Euro em maiores dificuldades mas...apenas mediante adequadas contrapartidas, para além dos juros altos. Eles lá terão as suas razões...
10. Curiosamente, um habitual comentador dos mercados financeiros observava ontem que “recorrer à China para manter a solvabilidade financeira de países da zona Euro transmite um sinal bem pior do que um eventual recurso ao FMI”...
10 comentários:
Isto está bonito...! Está aqui um lindo serviço!
Caro Tavares Moreira:
Dentro da ficção que reina em Portugal, uma "intervenção" chinesa seria vista e propagandeada como um negócio da china pelo governo português...
Caro Fartinho da Silva,
É inquestionável a lindeza deste cenário, apetecível pelos vistos para os políticos lusos...
Caro Pinho Cardão,
É bem capaz de estar cheio de razão o meu amigo...
Se os negócios com a Venezuela, agora "feitos em cacos", foram propagandeados como grandes proezas nacionais, porventura dignas de um prémio Nobel, porque não a mesma tagarela propagandística se os negócios forem feitos com os Chineses, que ainda por cima tomariam uma boa fatia da dívida pública portuguesa (se a taxas proibitivas pouco importaria...)?
Caro Tavares Moreira
Os chineses apenas pediram o que, qualquer credor irá pedir...contrapartidas para um empréstimo de favor, agora que já não existe património...
Os gregos poderão considerar que a contrapartida é demasiada, "the pound of flesh", no caso do mercador de Veneza, o penhor era demasiado; neste caso, é uma questão cultural....
De todos os modos, existem rumores que se prepara um "pacote" de apoio liderado pela União Europeia; como o art 100º do Euro impede a concertação para apoiar um membro, mas não a bilateralidade, o pacote vai ser em parcelas; assim é mais fácil conseguir contrapartidas..
Recorda-se de um comentário a um seu post anterior? Está na calha....
Os nossos políticos ainda não compreenderam o que para aí vem, se este "esquema" for para diante....
Um pormenor curioso:
Reparou que a Grécia e a China são os dois únicos países do mundo em que os seus nacionais podem ler e compreender escritos com mais de 2.000 anos? E não se entenderam???
Cumprimentos
joão
Caro João,
Recordo perfeitamente o seu anterior comentário e o prognóstico que nele fez, excluindo uma intervenção FMI e admitindo uma intervenção UE, com programa de ajustamento associado...
As declarações de hoje, em especial de Christine Lagarde, parecem apontar no sentido por si sugerido, mas quero recordar-lhe que qualquer esquema de apoio que se assemelhe a um prémio ao incumprimento será fatídico para o Euro...
Julgo que este tema está ainda muito "verde", falta esclarecer quase tudo...
E falta sobretudo saber se nestas circunstâncias, de moeda única, é mesmo possível resolver apenas com eventuais apoios financeiros um problema que em última analise é mais económico do que financeiro - embora seja esta vertente a mais visível e mais crítica no momento que passa...
Isto vai dar para meses ou anos, meu Caro e creio que vamos aprender todos (com excepção dos nossos políticos, certamente, pois estes já sabem tudo...) um pouco como é que uma crise destas, em união monetária, pode ser tratada...
Não querendo com isto entrar pela onda do Mississipi, uma coisa parece-me razoável que os gregos perguntem. Afinal, porque temos nós uma união monetária? Ou, porque pertencemos nós a uma união?
Esta união europeia, a acreditar nessas notícias, vale bem ser questionada e pode bem ser o caso de a Grécia desfazer todas as ilusões europeístas de muita gente para demonstrar que somos todos muito europeus, mas não é para as coisas difíceis.
Ah, e já agora, não era melhor chamar os senhores que nos fizeram entrar num tratado constitucional sem referendo? Parece que temos algumas coisas que esclarecer...
Caro Tonibler,
A onda do Mississipi é um esquema de altíssimo risco, acho que faz bem em não ir por aí...
Quanto ao resto, devo dizer-lhe de que fiquei com a impressão de que as declarações de apoio à Grécia, maxime a de Christine Lagarde, não passam por ora de inte~ções mais ou menos piedosas...
Este tema da assistência financeira a um país de uma zona monetária, que tem incorrido em erros clamorosos de política económica tem muito mais que se lhe diga do que à primeira vista pode parecer...
Pouco adiantará emprestar 10 ou 15 mil milhões de Euros à Grécia se os erros de política económica semantiverem, como parece infinitamente provável...
Quanto ao dito Tratado Constitucional, deixe-os lá Tonibler, não se amofine muito com eles...olhe que não é por aí que o "gato vai às filhozes"
Caro Tavares Moreira,
Entre mandar a Grécia amanhar-se com os chineses e enfiar mais 15 bis em patetices, há um espaço de soluções. Sendo que aquilo que se fizer com a Grécia vai, mais do que aquilo que os burocratas da comissão pensam, definir o sentimento das pessoas sobre a coesão da união, ao mesmo tempo que vai definir o sentimento dos governos sobre a elasticidade da união.
É por isso que estas coisas devem ser referendadas e já que aparentemente a coisa vai correr mal, é tempo de começar a a fazer as listas para o pelotão de fuzilamento.
Registo seu estado de espírito, caro Tonibler, embora sugira balas de borracha para uso pelo tal pelotão...
Quanto à natureza real dos problemas de Portugal e da Grécia - muitíssimo semelhantes ao contrário daquilo que o marketing político pretende impingir-nos - recomendo-lhe, se me permite, a leitura de um magnifico artigo de Daniel Gros, no F. Times da última 6ª Feira, ao qual tenciono dedicar próximo Post.
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