O filho chegou, magro e triste, mais calado que nunca. O regresso ao casarão agravou-lhe as lembranças, via a Gracinha em cada dobra dos montes, ouvia o seu riso no correr do rio, sonhava-lhe os cabelos negros na ondulação das árvores ao cair da noite. Foi definhando em silêncio até que um dia não teve forças para sair do quarto, no outro ficou de cama, por fim uma febre teimosa prostrou-o numa sonolência que alarmou os pais. Chamaram então o médico da vila e esperaram, ansiosos, o diagnóstico que havia de resultar da longa observação que se desenrolou no quarto.
O médico saiu de semblante carregado e olhar severo. Usou a sua voz pesada para dizer que o doente sofria de tristeza, uma tristeza tão grande que o consumia sem remédio, sem luta e sem esperança. Que não lhe encontrara moléstia tratada nos livros que falam do corpo, mas que antes tivesse encontrado, porque a que via era da alma, tão grave e tão oculta que não havia mezinha que lhe devolvesse o gosto da vida. A menos que eles soubessem a causa de tão grande pena e o segredo para a resolver, o mais que o médico podia fazer era apaziguar-lhe os dias num adormecimento suave e confiar num milagre. Pegou o chapéu e saiu, deixando atrás de si um silêncio atormentado e incrédulo.
A mãe do doente tomou a decisão, ao acudir-lhe de súbito à memória a devoção com que o filho saboreava as ceias preparadas por Maria da Graça. Em tanta aflição não havia que medir os remédios, quem sabe se o médico não teria razão e aquela estranha doença fosse apenas um grande mal de amor? Mandaram em urgência um moço à casa dos caseiros, suplicando que deixassem vir a rapariga e que com ela trouxesse um caldo de galinha, apurado pelas suas próprias mãos.
Vieram os pais da rapariga, alvoraçados na madrugada, acompanhando a filha, que corria à sua frente, carregada com a marmita bem aconchegada no cesto da merenda que tantas vezes tinha levado ao encontro do pai, e parecia que tinha asas nos pés quando viu a luz pálida na janela do quarto, a esbater-se na claridade da manhã como um apelo que desesperava de ser ouvido.(continua)
O médico saiu de semblante carregado e olhar severo. Usou a sua voz pesada para dizer que o doente sofria de tristeza, uma tristeza tão grande que o consumia sem remédio, sem luta e sem esperança. Que não lhe encontrara moléstia tratada nos livros que falam do corpo, mas que antes tivesse encontrado, porque a que via era da alma, tão grave e tão oculta que não havia mezinha que lhe devolvesse o gosto da vida. A menos que eles soubessem a causa de tão grande pena e o segredo para a resolver, o mais que o médico podia fazer era apaziguar-lhe os dias num adormecimento suave e confiar num milagre. Pegou o chapéu e saiu, deixando atrás de si um silêncio atormentado e incrédulo.
A mãe do doente tomou a decisão, ao acudir-lhe de súbito à memória a devoção com que o filho saboreava as ceias preparadas por Maria da Graça. Em tanta aflição não havia que medir os remédios, quem sabe se o médico não teria razão e aquela estranha doença fosse apenas um grande mal de amor? Mandaram em urgência um moço à casa dos caseiros, suplicando que deixassem vir a rapariga e que com ela trouxesse um caldo de galinha, apurado pelas suas próprias mãos.
Vieram os pais da rapariga, alvoraçados na madrugada, acompanhando a filha, que corria à sua frente, carregada com a marmita bem aconchegada no cesto da merenda que tantas vezes tinha levado ao encontro do pai, e parecia que tinha asas nos pés quando viu a luz pálida na janela do quarto, a esbater-se na claridade da manhã como um apelo que desesperava de ser ouvido.(continua)
10 comentários:
Isto é que é suspense…
Vim a correr ler o episódio seguinte...
Posso imaginar a leveza dos pés da Gracinha a palmilhar aquele caminho ansiosa por ver o seu bem-amado! :)
O amor dá asas, catarina, mas essa frase banal, assim preto no branco, até parecia que isto era uma novela :)
Que as galinhas nunca venham a saber desse remédio para os males de melancolia.
:)
Caro francisco, as galinhas não são dadas a voos altos, deve ser por isso que são mais inspiradoras em canja :)
Suzana
Um desfecho lindíssimo, envolto em drama amoroso até à última...
Palpitava-me um amor forte capaz de enfrentar todas as contrariedades...
Embora sendo uma "espécie em extinção", o amor venceu. Um final feliz, é sempre bonito!
Bendita Canja de Galinha!
Calma, margarida, não me antecipe o encontro!, por esta altura ainda o homem está a amargar as contrariedades, a canja ainda só vai a caminho,vamos ver se lá chega bem quentinha (já acrescentei o "continua", que me tinha esquecido :)
Finalmente, trata-se de um elemento do sexo forte (eles bem gostam desta classificação já em desuso, mas enfim...) ... não... corrijo... do sexo masculino...que quase morre de amores! Normalmente, são ou eram as donzelas! Desde que não haja uma repetição de Romeo e Julieta, cara Suzana... tudo bem! Eu sei que não estou a influenciar nada... o romance já se encontra escrito e pronto para seguir!
ó Catarina!, uma repetição aqui no 4r??? Aqui inova-se, arrisca-se, surpreende-se! Vai ver como terá um final vanguardista, ao arrepio de todas as convenções instaladas no nosso tempo :)
"cuidados e caldos de galinha, sempre fizeram bem a alguém"
Bom... que o rapaz tivesse chegado à casa grande, muito magro, tem explicação, agora... triste??? É sinal que não foi completamente bem tratado na capital... para sorte da Gracinha.
Aqui entre nós cara autora, o médio que assistiu o rapaz, não é ninguem que nos conheçamos, pois não? Mas podia... e aí... era a perfeita quadratura do círculo!
;))))
(sou tão parvinho, benza-me o altíssimo)
Bom, para grande alívio meu, vir surgir no final do texto a maravilhosa palavrinha polisilábica (continua)... adoro coisas que sejam poli-seja-o-que-for....
E aqui fica, como me compete, dado o compromisso assumido, a trilha sonora. E como se antevê o regresso da acção, lembrei-me do Willie Nelson, na sua maravilhosa (para mim) "on the road again" desejando a todos os nossos amigos que se mantenham sempre on the road, na sua mão e de olho sempre atento aos que surgem em sentido contrário, por forma a evitar as colisões frontais, a menos que... se justifique!
;))))))
http://www.youtube.com/watch?v=1TD_pSeNelU&feature=related
Caro bartoloemu, bela música e excelente conselho, que melhores condimentos para este caldo de letras? :)
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